Campinas, 30 de janeiro de 2017
Por José Pedro Soares Martins
Como todos anos, João Ramos não foi ao seu sítio nos quatro dias posteriores ao Natal de 2016. Para ele e os demais moradores de Itamogi, no Sudoeste de Minas Gerais, esse período é dedicado a um ritual sagrado. No início da noite, é hora de comer macarronada com batata, condimentada com um molho cuja receita é o segredo mais bem guardado da pequena cidade. Depois da janta, compartilhada por grande parte dos 11 mil habitantes em um barracão da Prefeitura, todo mundo, literalmente, vai para a praça São João Batista, acompanhar as Congadas, a grande festa local. Ecos da África, puro sincretismo, reverência a santos católicos com as cores da negritude.
Em 2016, ano crítico e doloroso para o Brasil, João Ramos e todos os demais produtores rurais e povo em geral de Itamogi tinham um motivo a mais para celebrar durante as Congadas. A cidade que vive do café, que sente o cheiro do café em cada mercearia ou agência bancária, brindou uma das maiores colheitas que o Brasil já teve. Foram 51,37 milhões de sacas de 60 quilos, na quarta estimativa de safra feita pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), nesse mesmo mês de dezembro. A cidade situada no coração do principal polo produtor do Brasil e um dos maiores do mundo festejou que o café voltava a demonstrar a sua força, depois de dois anos em baixa em razão da forte estiagem que castigou a Região Sudeste entre 2014 e 2015.
O que o café reiterou, na prática, foi o vigor do agronegócio, setor que continua movimentando a vida de milhares de municípios brasileiros como a festeira Itamogi e cujo futuro depende de cinco fatores principais: Mudança do clima e outras questões ambientais, Transformações tecnológicas, Movimentos demográficos e culturais, Infraestrutura e logística e Conjuntura (geo) política e econômica.
São estes fatores que, unidos, segundo pesquisadores e produtores ouvidos pela Agência Social de Notícias, vão definir o futuro do agronegócio no Brasil, em um caminho repleto de riscos e oportunidades, mas no qual a gestão da informação e sua transformação em conhecimento farão a diferença.
Atentos a esse ingrediente determinante, agricultores, acadêmicos e centros de pesquisa estão evoluindo na formatação de plataformas inovadoras, de modo a reduzir riscos climáticos e aqueles derivados de gaps tecnológicos, de movimentos demográficos e culturais, de gargalos na infraestrutura e logística e de injunções (geo)políticas e econômicas.
Mudança do clima
As Congadas de 2016 foram debaixo de muita água em Itamogi, prenunciando um janeiro de 2017 ainda mais chuvoso. No dia 20 de janeiro, João Ramos constatou no pluviômetro do sítio Estância Bom Pastor, no bairro Perobas, a marca de 353 milímetros. “Em três semanas, muito mais que os 314 milímetros de janeiro do ano passado”, conta Ramos, um agricultor típico de café do Sul mineiro, onde a produção ocorre majoritariamente em pequenas e médias propriedades. Faça chuva ou faça sol, ele vai todo dia a pé para a roça, como denunciam o corpo em forma e o rosto sempre bronzeado.
Tendo trabalhado durante anos em administração no setor bancário em São Paulo, João Ramos sabe o valor da informação na tomada de decisão. Assim, como tantos outros cafeicultores mineiros, mantém um olho no pluviômetro e outro nas projeções climáticas feitas pelo Instituto Agronômico, de Campinas, localizada a 300 e poucos quilômetros de Itamogi.
O IAC, como é conhecido, é a instituição que, no auge do Ciclo do Café, inaugurou a vocação científica e tecnológica de Campinas e região e, em seu mais de um século de atividades, tem desempenhado um papel central para a produção agrícola nacional. Grande parte das variedades mais produzidas e consumidas pelos brasileiros saiu dos campos experimentais do IAC. Entre essas variedades, as de café que consolidaram o Brasil como maior produtor e exportador mundial, com área plantada de mais de 2 milhões de hectares e cerca de 290 mil produtores.
Com esse background, é natural que a safra histórica de 2016 também tenha sido muito comemorada no Instituto Agronômico, sobretudo no Centro de Café “Alcides Carvalho”, um tributo ao profissional que coordenou grande parte das pesquisas de melhoria genética do café nos anos 40 a 60. Em uma das salas de estilo sóbrio no Centro de Café, o pesquisador científico Júlio César Mistro comentou a safra histórica, fruto da melhoria das condições ambientais e meteorológicas em 2016, entre outras razões – a safra de 2015 tinha sido de 43,24 milhões de sacas.
“O sucesso no café depende da equação de três elementos, o cultivar utilizado, as condições ambientais e o manejo pós-colheita”, lembra o pesquisador. “Se falhar um desses pontos, o café sofre”, acrescenta. Em 2015, falhou o cenário ambiental, com a forte crise hídrica que assolou grande parte da Região Sudeste.
A grave estiagem assustou os produtores rurais em geral e no café não foi diferente, mas Júlio César Mistro nota que o setor é reticente com relação às estimativas climáticas de longo prazo. Simulações feitas por pesquisadores da Embrapa, a partir dos resultados do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) concluíram que, no caso do cenário mais extremo, de elevação das temperaturas em 5,8 ºC, poderia ser reduzido até o final do século 21 o território apto ao café em mais de 95% em Minas Gerais, São Paulo e Goiás e acima de 75% no Paraná. As estimativas contemplam um aumento de 15% no volume de chuvas.
Segundo Júlio César Mistro, estas projeções não assustam os produtores de café. Ele lembra que a possível troca de cultivar pode ser uma alternativa em caso de mudança de temperatura, assim como o maior uso da irrigação. O próprio Mistro está envolvido em pesquisas no IAC, em torno de um cultivar de café resistente à ferrugem e à seca. Ele cita as pesquisas mostrando que o emprego da arborização no café resulta em diminuição da temperatura local entre 2 e 3 graus. O pesquisador até admite não entender as razões pelas quais essa técnica ainda não é mais utilizada pelos cafeicultores. “Produtores que fazem a arborização chegam a ganhar mais dinheiro com abacate, por exemplo, do que com o próprio café”, explica.
Se as projeções climáticas para as próximas décadas não causam temor no café, no caso do agronegócio em geral a questão é mais controversa. Um contraponto aos possíveis impactos das mudanças climáticas ecoa não muito longe do Centro de Café, localizado em uma das alamedas arborizadas da Fazenda Santa Elisa. Basta sair da Fazenda e circular por duas avenidas para chegar ao Embrapa Monitoramento por Satélite, em área da guarnição do Exército em Campinas.
Em uma das salas do prédio moderno, de arquitetura arrojada, na avenida Soldado Passarinho, o chefe da unidade da Embrapa, Evaristo Eduardo de Miranda, defende uma tese bem diferente daquela que muitos pesquisadores científicos têm apoiado, inclusive na própria empresa onde atua.
Para Miranda, um respeitado pesquisador, autor de vários livros, os modelos de projeção climática adotados pelo IPCC não passam disso, modelos de projeção. “Para o agricultor que tem que escolher entre soja de ciclo curto ou longo, esses modelos que projetam o clima daqui a 40 ou 50 anos não servem para nada. Ele precisa de informações para decidir o que plantar agora, para não ter prejuízo agora”, adverte. “Do mesmo modo, ele precisa decidir sobre qual seguro necessita agora”, completa.
O pesquisador nota que essa realidade não desqualifica as projeções feitas por órgãos como o IPCC. Entretanto, repete, projeção climática futura não é previsão. “Incerteza climática sempre existiu. Para isso o agricultor usa algumas métricas para calcular riscos, avaliando por exemplo os dados históricos de clima de uma região e a sua própria experiência”, lembra Miranda.
O chefe geral da Embrapa Monitoramento entende que existem questões, sim, a enfrentar, como a melhoria da rede agrometeorológica brasileira, que na sua opinião é “péssima”, apesar do esforço feito por instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Miranda demonstrou a sua tese em momentos como o Diálogo Agrícola Brasil-Estados Unidos, em Brasília, no final do ano passado. Participaram do evento alguns dos mais importantes atores do agronegócio brasileiro e norteamericano, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), American Farm Bureau Federation, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), USP, e Universidades do Kansas e Purdue.
No encontro, Miranda comentou vários aspectos destoando de projeções climáticas catastróficas que têm sido veiculadas. Ele lembrou que as flutuações climáticas anuais no Brasil são maiores do que as mudanças climáticas previstas nos cenários indicados pelo IPCC e outros órgãos. No verão de 2015, citou, as temperaturas estiveram entre 6 e 8 graus acima da média, enquanto no início dos anos 90 foi o oposto. “Ecossistemas, florestas e campos cultivados não desapareceram. Como são resultado de longa evolução, eles têm plasticidade para coexistir com as variações de chuva e temperatura”, sustentou o pesquisador.
O que de fato é necessário, assinala Miranda, é aprimorar a tecnologia utilizada, observando, entretanto, que não existe tecnologia que funcione sempre ou que funcione em qualquer situação. A questão é, conclui: “Quais investimentos e mudanças tecnológicas devem ser adotados em um lugar específico?” Evaristo Miranda se mostra especialmente crítico em relação a projeções relativas ao desmatamento na Amazônia. “A Amazônia teve uma enorme seca na década de 1920 e não havia desmatamento”, cita, reiterando a defesa da ideia de que é preciso cuidado com algumas correlações que têm sido feitas entre projeções climáticas e seus impactos ambientais.
Para Miranda, o incremento da produção tropical sustentável em face de variações climáticas que sempre ocorreram depende, em suma, de elementos como a extensão da irrigação, eletrificação e mecanização rural, armazenamento, logística adequada e seguro agrícola.
Está claro que a polêmica existe, mas o que tem prevalecido no cenário internacional é a tese de que mudanças climáticas de causas antropogênicas já estão acontecendo e tendem a se agravar nas próximas décadas, se não houver uma transição mais rápida para uma economia de baixo carbono, inclusive na agricultura. Este é o espírito do Acordo de Paris, assinado em dezembro de 2015 e que entrou em vigor em setembro de 2016.
Em janeiro de 2017, mais um indício da preocupação cada vez maior na elite econômica global, incluindo a do agronegócio, com a escalada das mudanças climáticas. A décima segunda edição do relatório “The Global Risks”, preparado pelo Fórum Econômico Mundial para o encontro anual de Davos, na Suíça, apontou os Eventos Climáticos Extremos como aqueles com maior probabilidade de ocorrência. Em termos de potencial de impacto, quatro dos cinco maiores riscos globais registrados no relatório (acessível aqui) são de ordem ambiental: Eventos Climáticos Extremos, Crise da água, Desastres Naturais e Falha na mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Em âmbito nacional, a posição hegemônica em órgãos científicos e governamentais é a de que as mudanças climáticas de origem antropogênica já estão ocorrendo e de forma acelerada, com grande efeito na agricultura. É o que aponta por exemplo o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, em vigor desde maio de 2016 (acesso aqui).
O Plano lembra que a agricultura contribui com 23% do PIB nacional (cerca de R$ 1,1 trilhão) e 35% dos empregos gerados no país. São cerca de 5 milhões de estabelecimentos rurais, contribuindo com a geração de alimentos para os brasileiros e gerando importante pauta de exportação. Desde 2008, lembra o documento, o Brasil é o terceiro maior exportador mundial de produtos agrícolas.
A agricultura, nota o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, “é uma atividade econômica inteiramente influenciada pelas condições ambientais, muito dependente das condições meteorológicas. O clima e sua variabilidade são o principal fator de risco para a agricultura. Estima-se que cerca de 80% da variabilidade da produtividade agrícola advenha da variabilidade climática sazonal e interanual, enquanto que os demais 20% estão associados às questões econômicas, políticas, de infraestrutura e sociais”.
De acordo com o documento, a mudança do clima no Brasil “representa aumento do risco agroclimático, resultante da diminuição da disponibilidade e aumento do consumo de água pelas culturas (em função do aumento das temperaturas). Alguns estudos apontam para redução das áreas de baixo risco climático para todas as culturas. Estima-se que a redução potencial pode variar entre 3 e 40%, conforme a cultura e o cenário climático considerado. O aumento da deficiência hídrica média dos cultivos leva, entre outros, a uma redução dos níveis de produtividade”.
O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima é um documento oficial do Brasil, decorrente das obrigações que o país assumiu frente ao Acordo de Paris e outros acordos internacionais. Entretanto, independente do rumo que tomarem as negociações climáticas, o certo é que eventos climáticos extremos de fato estão acontecendo, com efeitos diretos na produção agrícola.
Segundo o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais (aqui), realizado pela Universidade Federal de Santa Catarina com base em registos oficiais de órgãos como a Defesa Civil, entre 1991 e 2012 foram registrados 38.996 desastres naturais no país, sendo 22% na década de 1990, 56% na primeira década do século 21 e cerca de 22% entre 2010 e 2012. Foram 19.517 episódios de estiagem e seca, representando 48% do total de registros e de longe a principal modalidade de desastres naturais em território brasileiro. A Região Nordeste, que abrange enorme área de semiárido, somou 56,68% dos registros de estiagem e seca. Das quase 127 milhões de pessoas afetadas por desastres naturais no período analisado, 51,31% o foram por episódios de estiagem e seca.
A questão hídrica é, com efeito, a que mais preocupa e importa para o futuro do agronegócio. Nesse campo, várias iniciativas estão sendo tomadas, em todo Brasil, para a redução de riscos.
A Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) implementou iniciativa que, transformada em política pública, resultou na construção de um milhão de cisternas, na região que mais sofre com estiagem no país e passa por seca severa há cinco anos. Segundo a ASA, que soma mais de 3 mil organizações, desde o início do Programa Um Milhão de Cisternas, em 2003, mais de 5 milhões de pessoas garantiram acesso a água, e grande parte delas é de pequenos agricultores. Também no Nordeste, são aguardados os resultados do projeto de transposição do São Francisco.
A multiplicação da irrigação é outra medida aguardada, para o futuro do agronegócio. Nessa linha foi estabelecida uma parceria entre a Embrapa Milho e Sorgo e a Agência Nacional de Águas (ANA), para o mapeamento da irrigação no país. Elaborado com imagens de satélite, o mapeamento identificou 20 mil pivôs centrais, abrangendo uma área irrigada de 1,275 milhão de hectares.
De acordo com o mapeamento, cerca de 90% dos pivôs concentram-se nos Estados de Minas Gerais (406.024 hectares irrigados), Goiás (233.835 ha irrigados), Bahia (201.524 ha irrigados), São Paulo (179.828 ha irrigados) e Mato Grosso (80.107 ha irrigados). Em torno de 45% dos pivôs centrais do Brasil concentram-se na Bacia Hidrográfica do Rio Paraná e quase 30% na do Rio São Francisco. São 15 principais polos regionais de pivôs centrais.
A parceria entre Embrapa e ANA resultou em plataforma voltada para orientar políticas públicas e projetos da iniciativa privada pela maior difusão da irrigação no Brasil. É mais um exemplo da gestão da informação para fundamentar as futuras ações do agronegócio.
O mesmo no caso do IAC, que se envolveu nas medidas tomadas para atenuar os prejuízos dos agricultores da Região Metropolitana de Campinas (RMC), formada por 20 municípios, durante a forte estiagem de 2015. Uma parceria entre a Agência Metropolitana de Campinas (Agemcamp) e a Agência de Bacias do PCJ levou ao início de um programa de recomposição das nascentes de água na região, coordenado por Rinaldo de Oliveira Calheiros, pesquisador científico do Instituto Agronômico.
De acordo com o pesquisador, o programa constatou que entre 80 e 90% das nascentes de água da RMC estavam degradados, contribuindo para acentuar os efeitos da crise hídrica e exigindo um enorme esforço de recuperação. O programa levou então à capacitação de equipes das prefeituras e de agricultores para a recuperação das nascentes degradadas. Uma medida preventiva, atenuando os impactos de uma nova eventual estiagem. Em Vinhedo e Nova Odessa o processo está mais adiantado, mas a intenção é expandir novas ações para todo o conjunto da RMC, visando a autossuficiência de água em todos os 20 municípios.
Novas tecnologias
Não muito longe da região de Campinas, o pequeno agricultor Flávio Roberto Marchesin não perde tempo e está colocando na prática várias medidas destinadas a equacionar outro dos fatores que vão definir o futuro do agronegócio no Brasil: as mudanças tecnológicas. Na realidade, o Sítio São João se transformou em campo de ensaios, em função dos projetos que Marchesin mantém em parceria com órgãos de estudo e pesquisa como a Embrapa Instrumentação, USP e Universidade Federal de São Carlos.
O agricultor conta que quando o pai comprou o sítio, em 1972, a produção era de arroz, feijão, milho e outros produtos, consumidos pela própria família ou comercializados quando havia excedente. Com o tempo a produção desses alimentos deixou de ser atraente, em função das mudanças do mercado nacional, e o Sítio São João passou a se dedicar ao cultivo de legumes e hortaliças, o que ocorre até hoje.
Mas um aspecto mudou e muito nessas quatro décadas e meia, assinala Marchesin. Agora responsável pela administração do sítio, ele descobriu que instituições de ensino e pesquisa oficiais sediadas na própria São Carlos poderiam estabelecer parcerias em projetos de novas tecnologias, visando o incremento da produtividade e – descoberta depois de algum tempo – o manejo agrícola de forma mais sustentável.
Um dos experimentos é o da Fossa Séptica Biodigestora, no qual o o esgoto doméstico, processado com um pouco de esterco bovino fresco, é tratado e transformado em adubo orgânico pelo processo de biodigestão anaeróbia. Uma das motivações para Marchesin utilizar essa tecnologia social é o fato de que o Sítio São João é banhado pelo Ribeirão Feijão, responsável por 30% do abastecimento de água de São Carlos. “É importante fazer a nossa parte, para que o ribeirão não fique poluído”, diz o produtor rural.
O Clorador Embrapa é a outra tecnologia instalada no Sítio São João. Montado com recursos muito simples e baratos, o Clorador é instalado entre a tubulação que recolhe a água da mina ou do poço e o reservatório. A desinfecção da água acontece em 30 minutos depois da adição do cloro, isenta de germes e pronta para ser consumida.
Mais uma tecnologia operada no sítio é o Jardim Filtrante, tecnologia que complementa o sistema de saneamento básico na área rural. O Jardim Filtrante é projetado para o tratamento da água cinza, aquela da pia, do chuveiro e tanques, que não são tratadas pela Fossa Séptica Biodigestora. Plantas macrófitas aquáticas, como copo de leite e lírio do brejo, são depositadas em um pequeno lago impermeabilizado e retiram os nutrientes e contaminantes da água cinza para depurá-la.
“A Embrapa e outros órgãos públicos estão abertos, com certeza eles não negam uma cooperação”, diz Marchesin, para quem os agricultores às vezes adotam uma posição mais comodista. “É preciso ir atrás”, resume, observando que o Sítio São João mantém um projeto de educação ambiental que já recebeu mais de 18 mil visitantes.
A Embrapa Instrumentação, situada em São Carlos, considera estratégica a parceria com agricultores como Flávio Marchesin, pela oportunidade de aplicação em campo das novas tecnologias agrícolas que está desenvolvendo. Um dos projetos de maior destaque no momento é o do desenvolvimento de drones mais inteligentes que os já utilizados meio rural. Outro objetivo da Embrapa Instrumentação, frisa o pesquisador científico Lúcio André de Castro Jorge, coordenador do projeto, é tornar o uso do drone mais acessível ao pequeno e médio agricultor. “O drone pode ficar mais acessível em termos de operação de software e de custos”, diz o pesquisador.
O escopo do projeto foi ampliado, através de uma parceria entre a unidade da Embrapa com a americana Qualcomm® Wireless Reach™, empresa líder em processamento de imagens, e o Instituto de Socioeconomia Solidária (ISES). O objetivo, diz Lúcio Jorge, é o desenvolvimento de sistemas de bordo capazes de coletar, processar, analisar e transmitir informações das lavouras em tempo real para os agricultores e agentes ambientais de todo o Brasil. Os dados de inteligência, completa o pesquisador, serão utilizados para detectar com precisão as deficiências das culturas, ocorrência de pragas, escassez hídrica, déficit de nutrientes e danos ambientais, entre outros parâmetros.
Lúcio Jorge entende que a tendência é de democratização crescente do uso de novas tecnologias na agricultura brasileira, de modo a alavancar a produtividade e tornar a produção mais sustentável. Ele considera que o futuro é o de intensificação do uso de novas tecnologias agrícolas, inclusive diante da evolução da chamada “internet das coisas” e outras fronteiras da tecnologia de ponta. “É preciso aumentar a produtividade, diante da demanda mundial por alimentos, que é crescente, e pelas questões ambientais, cada vez mais importantes”, comenta o pesquisador da Embrapa Instrumentação.
Este é o tom de um dos mais completos diagnósticos das demandas de novas tecnologias para o agronegócio nacional, realizado pela Embrapa com o título de “Visão 2014-2034 – O futuro do desenvolvimento tecnológico da agricultura brasileira” (aqui).
No documento, a Embrapa lembra que entre 1970 e 2013 a produção brasileira de grãos foi multiplicada por oito, “resultante dos ganhos contínuos de produtividade, devidos à incorporação de novas tecnologias ao processo produtivo”. No período de 1994 a 2011, diz o documento, a cadeia produtiva agropecuária, somando insumos, agropecuária, agroindústria e distribuição, respondeu, em média, por 24% do PIB.
Os consumidores também ganharam, assinala a Embrapa. Em 2013, informa, “cada trabalhador gastou com a cesta básica cerca de metade do valor, em preços reais, que gastava em meados dos anos 1970”.
Hoje, salienta o documento, a produção agropecuária brasileira tem o desafio de continuar se desenvolvendo, “de forma sustentável, em tempos de mudanças rápidas e rompimento de paradigmas”. O caminho para isso não pode ser outro: “Serão necessárias tecnologias mais eficientes para atender às demandas de alimentos, fibras, energia e outras matérias-primas para as indústrias de transformação e de química verde, e de excedentes para exportação, de modo a contribuir com a segurança alimentar e energética global”.
Ampliar o investimento em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação é um dos grandes desafios para o Brasil acompanhar as rápidas transformações tecnológicas em curso, alerta a Embrapa. A empresa lembra que o Brasil, segundo a Unesco, investe em torno de 1,1% do PIB em P&D&I, “diante de níveis próximos a 2%, patamar considerado minimamente adequado pelos países desenvolvidos”.
De fato, o Relatório de Desenvolvimento Humano, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), tem evidenciado a disparidade no investimento em P&D&I em escala internacional. Entre os dez países de maior desenvolvimento humano, esse investimento é em média de 2,3% do PIB, com destaque para os 3,1% da Dinamarca e 3,0% da Suíça. Entre os 20 com maior IDH, Israel investe 4,4%, a República da Coreia investe 3,7% e a Suécia e Japão, 3,4%.
A Embrapa nota que o investimento em P&D&I no setor agropecuário tem demonstrado comportamento mais favorável, da ordem de 1,5% a 1,8% na primeira década do século 21, segundo o relatório “Agricultural Science & Technology Indicators 2012”.
A Embrapa alerta que “apesar do sucesso da agropecuária brasileira, em nível agregado, a adoção de tecnologias modernas ainda atinge um contingente limitado do universo de produtores. Uma inclusão produtiva mais abrangente exige maiores investimentos e estratégias inovadoras na criação e na transferência de conhecimentos e de tecnologias para ajudar mais produtores, sobretudo os mais vulneráveis, a participar desse fluxo de crescimento”.
O documento “Visão 2014-2034 – O futuro do desenvolvimento tecnológico da agricultura brasileira” aponta o quadro ideal de desenvolvimento tecnológico em 2034, considerando todas as dimensões abordadas: a ambiental, a tecnológica e a socioeconômica. Entre os itens citados na visão para 2034, estão a proliferação de insumos agropecuários nanotecnológicos para ganhos de eficiência no sistema, avanços em termos de biologia sintética e engenharia metabólica, estágio avançado na engenharia genética e bioinformática em estágio avançado.
Do mesmo modo, a visão 2034 inclui a evolução da automação, agricultura de precisão e uso generalizado de novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) em tecnologias convergentes e plataformas de comunicação e de apoio à tomada de decisão com uso generalizado.
Maior investimento em P&D&I, fortalecimento do sistema de ensino e pesquisa, melhoria dos instrumentos de transferência de tecnologia e maior cooperação internacional são fundamentais para que o Brasil acompanhe as rápidas mudanças tecnológicas na agricultura, de modo que o país continue a ser um player internacional de respeito, avisa a Embrapa.
Entre as ameaças e riscos para que isso não aconteça, a Embrapa cita a decisão de não ampliar o investimento em P&D&I na agropecuária, redundando em “diminuição relativa da produtividade, perda da competitividade no mercado interno e nas exportações, proliferação de pragas e doenças, problemas de saúde para os consumidores e degradação do meio ambiente”.
A baixa cultura de inovação no país e a “dificuldade em alterar legislações que inibem ou impedem o pleno desenvolvimento científico-tecnológico e de inovação” são outros riscos, afirma a Embrapa, assim como a dependência elevada da pesquisa agropecuária em recursos do Tesouro Nacional, responsável por 90% do orçamento, “em época em que o espaço orçamentário e financeiro do Estado mostra-se limitado”. A Embrapa entende que as parcerias público-privadas em inovação, bem como os arranjos, nacionais e internacionais, em áreas estratégicas do desenvolvimento nacional, “precisam avançar mais”.
Uma experiência em curso em outro polo científico e tecnológico do interior paulista, além de Campinas e São Carlos, tem ido na direção do que o diagnóstico da Embrapa aponta como estratégias e ações ideais para consolidar avanços tecnológicos na agropecuária brasileira. É o projeto do Vale do Piracicaba, inspirado no Vale do Silício californiano. No lugar de Stanford, a ESALQ, instalada na fazenda doada por Luiz de Queiroz e que mantém a paisagem bucólica, com belos prédios ao lado de lagoas povoadas de patos e gramados onde a população de Piracicaba corre todo final de tarde.
O Vale do Piracicaba nasceu da ideia de identificar, caracterizar e organizar o sistema de inovação tecnológica existente na cidade, observa Mateus Mondin, professor do Departamento de Genética da ESALQ. “O propósito era um mapeamento das instituições de ensino e pesquisa, empresas e startups que trabalham com agronegócio, de modo que o sistema de inovação atuasse de forma mais orgânica e eficácia”, explica o especialista.
O resultado foi a identificação de cerca de 100 empresas e instituições em Piracicaba que trabalham na formação e capacitação de profissionais e em pesquisas e comercialização de produtos com alta tecnologia envolvida. O centro irradiador é a ESALQ, mas em termos acadêmicos o Vale do Piracicaba conta com a Unimep, FATEC Piracicaba (que tem cursos em Alimentos, Biocombustíveis e Gestão Empresarial) e Escola de Engenharia de Piracicaba.
São dezenas de empresas consolidadas que atuam com agronegócio na cidade, como a gigante Caterpillar e muitas outras, em biotecnologia, computação para agricultura etc. No desenvolvimento de produtos de alta densidade tecnológica em agropecuária estão, entre outros, o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e a Fermentec, que desenvolve soluções em áreas como leveduras, açúcar, fermentação alcoólica, bebidas destiladas e banco de microorganismos. No final de 2016 a Fermentec lançou a tecnologia StarchCane, que viabiliza a produção paralela de etanol de cana e milho. Com a tecnologia, patenteada em 2015, a usina pode operar 345 dias por ano.
O Vale do Piracicaba contempla, igualmente, as dezenas de startups localizadas na cidade, muitas delas derivadas ou ligadas à EsalqTec, a incubadora de empresas da ESALQ, instalada na fazenda Areião. São mais de 40 empresas vinculadas, entre residentes, associadas e em pré-incubação, desenvolvendo projetos em TI, biogás e controle biológico, entre outros segmentos.
Presidente do Conselho Deliberativo da EsalqTec, Mateus Mondin pontua que a constituição do Vale do Piracicaba deu ainda maior visibilidade à cidade como polo importante de desenvolvimento de tecnologias em agronegócios. Até o mercado imobiliário sentiu impactos positivos, pela movimentação despertada com a divulgação do Vale.
Mateus Mondin acredita em futuro promissor para as novas tecnologias no agronegócio. “Obviamente a incorporação das novas tecnologias é feita mais rapidamente pelas empresas agropecuárias, com capilaridade e capacidade de absorção”, assinala. Entretanto, com o barateamento de custos, deve ocorrer maior disseminação do uso das novas tecnologias, o que ele considera essencial no incremento da produtividade.
“O agricultor gosta de novas tecnologias. Mas ele é ao mesmo cauteloso. A agricultura é uma operação de risco, então o agricultor primeiro se certifica do retorno de uma tecnologia, que vai sendo adotada aos poucos. Com o tempo as novas tecnologias adquirem maior velocidade”, sintetiza Mateus Mondin, desenhando um horizonte positivo, mas precavido, a respeito do futuro tecnológico no agronegócio brasileiro.
Infraestrutura e logística
Campinas, São Carlos e Piracicaba formam o triângulo da Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em agropecuária no interior paulista. Pesquisas desenvolvidas nesses e outros polos são empregadas, entretanto, a milhares de quilômetros, em áreas de uso intensivo de tecnologia na agricultura.
Um caso emblemático é o do município de Luís Eduardo Magalhães, no Oeste da Bahia. É o maior produtor de soja nessa região, que integra o território conhecido como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), uma das principais frentes de expansão recente do agronegócio no país. Um sistema de inteligência territorial estratégica foi estruturado pela Embrapa, justamente para uma alegada expansão em bases sustentáveis dos agronegócios no Matopiba.
Luís Eduardo Magalhães tornou-se município somente no início de 2000, emancipado de Barreiras, outra importante referência de dinamismo do agronegócio no Oeste baiano. A emancipação era inevitável, diante do crescimento acelerado do distrito de Mimoso do Oeste, pela força da agricultura de uso intensivo de tecnologia na região que recebeu muitos migrantes, sobretudo do Paraná e Rio Grande do Sul.
A soja ocupa mais de 60% da área cultivada nessa região, que soma 5% da produção nacional e cerca de 60% da produção nordestina. Algodão, milho, café, arroz, feijão e fruticultura são os demais itens do cardápio agrícola do Oeste baiano.
Além dos insumos tecnológicos, como a utilização da irrigação e de produtos de fábricas que ali se instalaram, como a Galvani, o Oeste da Bahia assistiu à impressionante evolução da soja e outros produtos, em pleno Cerrado, em razão de um alto investimento governamental em rodovias, essenciais para o escoamento da produção.
Foram os casos da BR-020/BR-135 (Picos, Piauí-Barreiras, Bahia-Brasília) e BR-242 (Brasília-Salvador), sem falar na própria BR-153 (Belém-Brasília). Sem estas rodovias, e iniciativas governamentais como o Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER) e Programa para o Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO), não teria sido possível o incremento do agronegócio na região e fatos como a explosão demográfica de Luís Eduardo Magalhães, que tinha 20.169 habitantes em 2000, ano da expansão, para 44.265 moradores em 2007 e para os atuais 80 mil. Um dos maiores saltos populacionais, senão o maior, ocorridos no século 21 no Brasil.
Além da Galvani, outras pequenas, médias e grandes empresas ligadas ao agronegócio se instalaram na região. Eventos de massa são a vitrine para as cadeias produtivas, como a Agrishow, que teve sua primeira edição em 2004, tendo como presidente Humberto Santa Cruz, então presidente da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba) e depois prefeito municipal.
A logística que facilitou a dilatação do agronegócio no Oeste baiano é, com efeito, um dos grandes gargalos para um futuro ainda mais promissor para o segmento. Foi o que apontou um estudo aprofundado da Confederação Nacional do Transporte (CNT): “Entraves logísticos ao escoamento de soja e milho” (aqui).
O estudo evidencia a enorme disparidade na densidade da infraestrutura rodoviária dos principais exportadores mundiais de soja e milho. Enquanto nos Estados Unidos e Ucrânia são, respectivamente, 438,1 e 275,2 quilômetros de infraestrutura rodoviária por 1.000 km2 de área, no Brasil essa taxa é de 25 km/1.000 km2. A China, principal compradora da soja brasileira, tem uma densidade de 359,9 km/1.000 km2.
Somente com a má pavimentação nas rodovias, acentua o estudo da CNT, o Brasil perdeu R$ 3,8 bilhões em 2014. As condições de pavimento nas rodovias, assinala o documento, levam a um aumento de 30,5% no custo operacional.
No Brasil, lembra a Confederação Nacional do Transporte, 65% da soja são transportados por rodovia, enquanto nos Estados Unidos essa proporção é de apenas 20%. Na Argentina, 85% da soja são transportadas por rodovias, mas no país vizinho as distâncias médias entre regiões produtoras e portos são mais curtas. Nos EUA, 49% são transportadas por hidrovia, modal que no Brasil responde por apenas 9% do escoamento. Nos cálculos da CNT, o Brasil precisaria investir cerca de R$ 195 bilhões para aprimorar o escoamento da soja e milho.
Um exemplo dos enormes gastos com logística no escoamento é o da Região Centro-Oeste, que se transformou na principal área de produção de grãos no país. A distância para o transporte de soja da região para os portos das regiões Sudeste e Sul, como Santos (SP) e Paranaguá (PR), chegam a superar 2.000 quilômetros.
A ampliação da malha ferroviária, que responde por somente 26% do escoamento da soja, é uma das prioridades apontadas pela CNT para reduzir o gargalo em logística do agronegócio brasileiro. A viabilização da Hidrovia Teles Pires-Tapajós, a conclusão da Hidrovia Tietê-Paraná e uma melhoria acentuada nas condições portuárias são outras prioridades defendidas pela Confederação Nacional do Transporte.
Além da logística, outros elementos da infraestrutura são essenciais para o crescimento sustentado do agronegócio nas próximas décadas. É o que alerta o chefe-geral da Embrapa Monitoramento por Satélite, Evaristo Eduardo de Miranda, também coordenador do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (Gite) da Embrapa.
Com posições polêmicas na área das mudanças climáticas, ele também tem ideias que não são correntes em termos de disponibilidade de áreas agricultáveis no Brasil. “Não há mais terra (para a expansão agrícola) no Brasil, nem no Matopiba”, defende Miranda.
Para ele, a expansão do agronegócio acontecerá de forma vertical, com mais uso de tecnologia, por exemplo com a expansão da irrigação, viabilizando três ou quatro colheitas anuais. Miranda voltou a defender esses conceitos na Abertura Nacional da Colheita de Soja de 2017, que aconteceu no dia 26 de janeiro, em Ponta Porã (MS), e teve a presença do ministro interino da Agricultura, Eumar Novacki.
Assim como faltam investimentos para o aprimoramento da logística, a ampliação da irrigação enfrenta problemas. Dificuldades com o crédito e o preço da energia elétrica cobrada são alguns dos desafios apontados pelos irrigantes.
Movimentos demográficos e culturais
Ao lado da segurança alimentar da população brasileira, a expansão do agronegócio é uma demanda diante do próprio crescimento da população mundial. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estima que até 2050 a demanda por alimentos crescerá 70% em todo mundo. É decorrência do avanço inexorável da urbanização e do próprio incremento da renda em muitas regiões do planeta, além da redução de terras agricultáveis e das exigências da sustentabilidade.
Neste cenário, a FAO – que é dirigida por um brasileiro, José Graziano da Silva, um agrônomo formado pela ESALQ e com doutorado pela Unicamp, onde passou a dar aulas – entende que o Brasil deve ampliar sua participação na exportação de alimentos. A população adicional de 2,3 bilhões de pessoas até 2050 exigirá um aumento da produção de grãos dos atuais 2,1 para 3 bilhões de toneladas, afirma o representante da FAO, Alan Bojanic.
De modo concomitante aos componentes demográficos, fatores culturais tendem a influenciar diretamente o agronegócio. Entre eles está a rápida diversificação de fontes de informação para o consumidor, decorrente do maior fenômeno cultural da história recente, a Internet. É o que tem afirmado, entre outros, o diretor geral do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), Luis Madi.
Em suas palestras (aqui), Madi tem lembrado que o consumidor tem sido influenciado, efetivamente, por muitos canais de informação, como livros, jornais e revistas que estão frequentemente abordando temas como “vida saudável” e “consumo consciente”.
Com a Internet, veio a proliferação de sites e blogs também ajudando a influenciar a opinião do consumidor. Sem falar nos aplicativos de celular, no poder crescente das mídias sociais e no trabalho proativo de organizações não-governamentais que atuam forte na questão da sustentabilidade e do consumo consciente.
São vários os encontros, feiras, festivais, seminários, workshops e outros eventos, reforçando a demanda pelo desenvolvimento sustentável, o que incide diretamente na economia em geral e no agronegócio não seria diferente. Piracicaba, por exemplo, já teve duas Feiras da Sustentabilidade, com a participação de grupos da ESALQ, de produtores e empresas, espelhando o movimento por uma alimentação mais saudável, orgânica ou vegana e originária de fontes locais, entre outras práticas sustentáveis.
Todo esse arcabouço de informações interfere na opinião do consumidor, que ainda tem a influência dos profissionais da área da saúde e nutrição, das campanhas empresariais e governamentais. O resultado dessa conjunção de fontes de informação é um consumidor mais exigente e atento ao que compra e utiliza, sobretudo na alimentação.
Este dado aparece muito claro na Pesquisa FIESP/Ibope, que identificou, entre outros pontos, as ações empresariais que geram admiração e respeito na ótica dos consumidores. Os itens com maiores percentuais de resposta foram: Ter um alto padrão de qualidade nos seus produtos (49%), Investir em projetos sociais (34%), Ter um canal direto para dúvidas e/ou receber sugestões (33%) e Investir em projetos ambientais (30%).
A Pesquisa FIESP/Ibope também apurou o nível de conhecimento dos consumidores em relação a vários termos apresentados. A este respeito a pesquisa mostrou que 66% dos entrevistados declararam conhecer “bem” ou “um pouco” o Selo de Qualidade e 50% os Orgânicos. Por outro lado, a pesquisa mostrou que existe um campo para avanço no conhecimento dos consumidores. No item Emissões de Carbono, 45% afirmaram que não conhecem ou nunca ouviram falar. Em termos de Rastreabilidade, a proporção de quem não conhece ou nunca ouviu falar foi maior, de 59%.
O ITAL é mais um membro do polo científico e tecnológico de Campinas e região e integra algumas plataformas criadas para que o setor de alimentos processados, de interface direta com o agronegócio, se prepare para os desafios atuais e do futuro. Uma dessas plataformas, que colocam a gestão da informação como fundamento, é o Projeto “Brasil Processed Food 2020: a Importância dos Alimentos Processados para a Sociedade Brasileira”.
Entre outros produtos, o projeto abrange a elaboração de documento de referência e de módulos executivos que servirão como apoio para a comunicação direcionada a stakeholders específicos. Sob a coordenação geral e técnica do ITAL, o projeto também conta com a participação da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (ABIA) e apoio da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA).
Conjuntura (Geo)Política e Econômica
Os números colecionados pelo agronegócio no Brasil são expressivos, e o mesmo pode ser dito pela indústria de alimentação. O país é o maior exportador de alimentos processados em volume, o maior produtor e exportador mundial de suco de laranja e açúcar, o maior produtor e segundo exportador de carne, o segundo exportador de café solúvel e o segundo exportador de óleo de soja e quarto maior produtor.
A indústria da alimentação soma mais de 30 mil empresas, sendo o maior empregador na indústria de transformação, com 1,6 milhão de empregos diretos em 2014 – 17 mil novos empregos gerados naquele ano. Mas mesmo a indústria da alimentação tem sofrido os impactos do acirramento da crise política e econômica interna, assim como das oscilações do mercado internacional.
É fundamental, neste cenário de incertezas, que o Brasil encontre alternativas para a superação da crise política e econômica, igualmente se preparando para mudanças inexoráveis na conjuntura internacional. A eleição de Donald Trump acrescentou um considerável ponto de interrogação sobre as relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos e deste com o mundo em geral.
De novo o uso das novas tecnologias pode ser determinante para a redução de riscos para o agronegócio, em um panorama dominado pelas incertezas. “Em uma grande área dedicada à cana-de-açúcar, o produtor precisa decidir a variedade que vai plantar, o tempo de colheita para o melhor rendimento em açúcar ou álcool, os insumos que vai utilizar, e tudo isso pode ser melhor gerenciado com software analítico para otimização e monitoramento”, comenta Fernando Brito, diretor da AI Systems Research (AISR). “Há um consenso em que é preciso aumentar a produtividade e o uso de novos instrumentos de gestão, cada vez mais acessíveis, facilita a superação desse gap”, completa Brito.
Um caminho diferenciado, como forma de enfrentar o instável quadro nacional e internacional, vem sendo sinalizado por um projeto em curso em Campinas, unindo setor público e privado e o importante polo cientifico e tecnológico da cidade e região – além do IAC, do ITAL e unidades da Embrapa, estão instalados na Região Metropolitana de Campinas o Instituto de Zootecnia de Nova Odessa, a Coordenadoria de Assistência Integral (CATI), sem falar de dezenas de startups voltadas para o agronegócio.
Grande parcela desse conjunto de organizações de ciência e tecnologia, além da Unicamp, somou-se a empresas privadas no Agropolo Campinas-Brasil. As organizações locais se uniram à Prefeitura de Campinas, ao Techno Park Campinas e à Associação Agropolis International.
No final de 2015 foi eleito constituído o Conselho Administrativo do Agropolo Campinas-Brasil, presidido pelo prefeito Jonas Donizette. Além de representantes das unidades de ensino e pesquisa, integram o Conselho representantes de órgãos estaduais.
Um passo à frente foi dado com a assinatura, em 2016, de um acordo de cooperação entre os prefeitos de Montpellier, Phillipe Saurel, e de Campinas, dando prosseguimento à estruturação do Agropolo Campinas-Brasil. Em Montpellier está uma das principais escolas em agricultura da Europa.
Uma das prioridades do Agropolo Campinas-Brasil, nota José Luiz Camargo Guazzelli, diretor do Techno Park e cônsul honorário da França em Campinas, é a construção de uma Bioeconomia no país. E um dos caminhos para a construção de uma Bioeconomia forte no país, acentua Guazzelli, é explorar o potencial brasileiro para energias sustentáveis, uma demanda internacional em função do combate às mudanças climáticas. É particularmente promissor, nesse aspecto, o uso sustentável da biomassa para o incrementos de energias alternativas, como no caso já comprovado do etanol.
Os parceiros do Agropolo Campinas-Brasil traçaram até um “mapa do caminho” preliminar para a viabilização das condições para que o Brasil se torne de fato um líder global na Bioeconomia, com importante participação dos centros de pesquisa e empresas que atuam na região de Campinas e Piracicaba. Vários workshops foram realizados como parte do “mapa do caminho” e outros estão previstos, até 2018, abrangendo vários aspectos necessários à construção de uma Bioeconomia sólida e sustentável no Brasil.
Estão em discussão temas como “Desenvolvimento de novos produtos a partir de óleos essenciais”, “Processamento, disposição final e reuso de resíduos da produção a partir de biomassa” e “Novos biocombustíveis para transporte aéreo e marítimo”, até outros aspectos associados como “Uso sustentável da água”, “Internet das Coisas, Big Data e Data Science” e questões legais envolvidas.
O Agropolo Campinas-Brasil representa uma tentativa cristalina de união de esforços e competências para que instituições de uma mesma área atuem em conjunto e sintonia, diante de uma conjuntura nacional e internacional turbulenta. É o mesmo sentido do Vale do Piracicaba e outras iniciativas em estruturação ou já deflagradas em outras regiões do país, tendo a gestão da informação como suporte básico para que o agronegócio brasileiro continue crescendo de forma sustentável e ele mesmo contribuindo para o desenvolvimento sustentável do país.
Qualquer que seja o plano de vôo que o agronegócio vá traçar, uma coisa é liquida, certa e quente: o cafezinho não faltará. De Itamogi ou de outros lugares de Minas Gerais, do Espírito Santo ou outras áreas, o cafezinho estará lembrando diariamente, e em muitos casos várias vezes por dia, e não raro ouvindo-se a música sertaneja que tomou conta das rádios, que o Brasil tem o pé no campo e que o campo continuará respondendo por grande parte da riqueza econômica, cultural e social do país.