Por Adriana Menezes
A sirene voltou a tocar em Mariana (MG) às 16h de hoje, sete meses após o rompimento da barragem de Fundão, que armazenava rejeitos de mineração extraídos pela empresa Samarco (uma das maiores do mundo na área) em conjunto com a brasileira Vale e a australiana BHP Billinton. O coletivo UmMinutoDeSirene, que promove o toque da sirene todo dia 5 de cada mês para que a tragédia não seja esquecida, também lançou hoje, dia Mundial do Meio Ambiente, um manifesto lido em praça pública (leia texto abaixo) onde expressa posicionamento e cobranças de moradores. O evento teve ainda uma feira com produtos dos sobreviventes dos distritos que tiveram suas casas e suas memórias soterradas pela lama do maior desastre ambiental do Brasil.
Desde o dia 5 de novembro de 2015, quando a sirene não tocou e a força dos rejeitos que desceram da barragem matou 19 pessoas e desabrigou 306 famílias de quatro distritos destruídos – soterrando especialmente Bento Rodrigues, o mais afetado pela lama -, o coletivo UmMinutoDeSirene formado pela sociedade civil local promove ações mensais na cidade para impedir que o fato caia no esquecimento. No manifesto de hoje, o coletivo exige novas condições para a exploração das riquezas locais.
“Para voltar a operar e reconquistar a confiança da sociedade, ela (Samarco) terá que criar uma versão melhorada de si, uma versão mais humana e preocupada com o coletivo”, diz o manifesto. As atividades da mineradora continuam suspensas pelo Governo do Estado de Minas e o Ministério do Meio Ambiente.
Sem legislação ambiental
Os efeitos da tragédia vão muito além dos danos ambientais e dos distritos de Mariana. A cidade teve consequências traumáticas na economia e no relacionamento entre as comunidades rural e urbana (também mencionado no manifesto). O trauma trouxe ainda para a superfície duas questões negligenciadas pelas administrações públicas e órgãos responsáveis: o método ultrapassado de exploração mineral – o mesmo desde o Brasil Colônia – e a falta de legislação ambiental da cidade de Mariana.
Somente com a tragédia todos se deram conta, também, de que não havia uma sirene de aviso e nenhum outro procedimento de segurança para situações de rompimento de barragem – um risco que já era do conhecimento de todos.
Para o jornalista Gustavo Nolasco, a tragédia disparou um gatilho na vida de cada pessoa. “O meu gatilho foi voltar para cá e fazer o jornal A Sirene (feito pelos próprios moradores dos distritos atingidos, que ganham voz na publicação).” O jornal tem apoio da Arquidiocese de Mariana e da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), com realização do coletivo UmMinutoDeSirene e alunos de Jornalismo da UFOP.
Atividades suspensas
Apesar das investigações apontarem para o conhecimento prévio da Samarco sobre princípio de rupturas na barragem e o perigo iminente, os moradores da área urbana da cidade, que não foram atingidos pela lama, querem que a Samarco volte a operar, inclusive para evitar a demissão de mais de 2 mil pessoas. Eles se ressentem dos efeitos econômicos sobre a cidade. A professora Juçara Brittes da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), no entanto, lembra que “todo o povo brasileiro foi atingido” e não apenas os moradores dos distritos.
No manifesto do UmMinutoDeSerene, foram incluídas as condições desta volta: O Coletivo UmMinutodeSirene não se posiciona contrário ao retorno das atividades da Samarco, pois sabemos que estão em jogo os empregos de muitos funcionários, a sobrevivência de famílias, a economia de Mariana e a capacidade de ação do poder público local. No entanto, defendemos a ideia de que o retorno da empresa esteja ligado a condições objetivas
A prefeitura também pressiona a liberação das atividades e o fim da suspensão da licença da Samarco. O atual prefeito, Duarte Júnior (PPS), que até junho de 2015 era vice e assumiu a prefeitura após a cassação do prefeito anterior, cinco meses antes da tragédia, teve rápida audiência na última quinta-feira com o presidente interino para apresentar a situação da cidade e solicitar verbas federais.
Segundo o prefeito, o fundo de R$ 20 bilhões criado para recuperar a Bacia do Rio Doce em 15 anos, assinado entre a Samarco, os governos estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo e o Governo Federal, pessoalmente pela presidente Dilma Roussef, não contempla todas as dificuldades pelas quais passa Mariana, especialmente com relação à arrecadação do município que foi afetada pela paralisação das atividades da empresa e a crise local. Por enquanto, o prefeito obteve apenas alguns encaminhamentos.
Preocupado com a perda de 89% da arrecadação municipal, provenientes da Samarco, ele diz que a sua prioridade é diversificar a economia. O prefeito defende que a mineração, a partir de agora, seja feita de uma forma diferente da que vem sendo feita até agora, que pouco se diferencia dos métodos adotados desde o Brasil Colônia, quando Mariana foi capital do estado de Minas Gerais e, junto com Ouro Preto, atraía exploradores do Brasil e do mundo.
Duarte amplia a questão e diz que “o Rio Doce já estava morrendo com todo o esgoto sem tratamento despejado pelas cidades do seu entorno, inclusive o nosso”, diz o prefeito, que reconhece a necessidade de uma legislação ambiental para a cidade. Ele lembra que esta não foi a primeira barragem a se romper. “Todos têm responsabilidade.”
A advogada Ana Cristina Maia, titular do cartório de Registros de Imóveis e presidente do Conselho de Patrimônio da cidade, também integrante do UmMinutoDeSirene, acha que uma das primeiras providências a serem tomadas é a elaboração de uma legislação ambiental na cidade. “Mas se a Samarco não voltar a operar, vamos ter uma nova tragédia.”
Davi e Golias
“Afinal, a mineração é boa ou ruim? Ninguém conseguiu formular isso ainda”, diz o professor Frederico de Mello Brandão Tavares, do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da UFOP. “O assunto não se esgotou. A ideia é que não se esgote.”
“Falar de Mariana não é fácil”, diz o Frei Olávio Dotto, que participava em Mariana do Encontro Brasileiro dos Movimentos Populares. “O que tem de ser revisto é o código de mineração. Mariana é só um exemplo. Precisou de uma tragédia para discutir isso que nunca foi discutido.” Na sua visão, pouco se fala da questão do meio ambiente. “Não falam de todo o minério que está lá no fundo. O Rio Doce vai ter vida?”, diz ele. “Essa é uma luta de Davi contra Golias”, lembra o Frei.
Rastros
Sete meses depois, quem visita Mariana pode ver que os distritos continuam soterrados e a marca da lama ainda mostra nas casas e na vegetação a altura que o rio atingiu, deixando evidente o quão devastador foi o rompimento da barragem. Toda a região ainda sofre as consequências, entre elas conflitos de diversas naturezas – desde a queda nas atividades econômicas locais (queda do turismo e do comércio) até a dificuldade de adaptação dos moradores dos distritos à cidade (hoje eles moram em casas alugadas pela Samarco).
A lama deixou rastros de destruição ambiental que se estenderam até o Oceano Atlântico e as consequências ambientais avassaladoras ainda hoje não foram totalmente avaliadas. Além do pagamento de multas e do ressarcimento de prejuízos dos moradores desabrigados dos distritos atingidos pela lama, a Samarco também está sendo cobrada pela construção de uma nova área rural para a instalação dos desabrigados. Mas por enquanto as ações da empresa ainda são realizadas sob pouca fiscalização e, aparentemente, sem pressa.
MANIFESTO UMMINUTODESIRENE
O manifesto do #UmMinutoDeSirene que será lido hoje, às 16 horas, quando se completam sete meses da tragédia provocada pelo rompimento da barragem da Samarco/BHP/Vale.
UMA OUTRA SAMARCO: INDISPENSÁVEL E TRANSPARENTE
As atividades da empresa Samarco encontram-se paralisadas desde o rompimento da Barragem de Fundão, ocorrido em 05/11/2015. Poucas semanas após a tragédia, esse evento foi classificado como o maior crime ambiental da história do Brasil, devido sua extensão e seus impactos. Desde então, as licenças de operação da empresa foram suspensas, e o seu retorno ficou condicionado a algumas exigências. Quais? Recentemente, o Ministério Público de Minas Gerais e a Comissão Externa da Câmara dos Deputados as esclareceram.
O Ministério Público condiciona a volta da Samarco a três exigências: a comprovação técnica de que as estruturas remanescentes dessa tragédia (barragens de Germano e Santarém) estejam seguras, sem riscos de novos rompimentos; a suspensão das atividades na Mina de Alegria e de sua pilha de estéreis; e a apresentação pública de um modelo de produção que inclua um novo destino para o rejeito.
A Comissão Externa da Câmara dos Deputados reforça a visão do Ministério Público. Segundo o atual Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, que presidiu essa Comissão, a agilização da liberação de uma nova licença ambiental para a Samarco só depende da própria empresa. Para isso, ela deve comprovar o cumprimento das normas de mineração e das exigências de reparo socioambiental. No atual ritmo, avisou o Ministro, a liberação não sairá com a velocidade que a Samarco deseja.
Existem algumas máximas no mundo corporativo, citaremos duas: “se cresce na crise” e “é preciso pensar diferente, se reinventar”. Esse é o desafio da Samarco: para voltar a operar e reconquistar a confiança da sociedade, ela terá que criar uma versão melhorada de si, uma versão mais humana e preocupada com o coletivo. Demitir, enfim, velhas concepções.
O Coletivo UmMinutodeSirene não se posiciona contrário ao retorno das atividades da Samarco, pois sabemos que estão em jogo os empregos de muitos funcionários, a sobrevivência de famílias, a economia de Mariana e a capacidade de ação do poder público local. No entanto, defendemos a ideia de que o retorno da empresa esteja ligado a condições objetivas, como as apresentadas pelo Ministério Público. A essas, inclusive, acrescentaremos três: a permanência do diálogo e das negociações com as famílias afetadas, o apoio ao tombamento das localidades de Bento Rodrigues e de Paracatu e o pagamento das multas atribuídas pelos órgãos responsáveis.
O Coletivo aproveita esse manifesto para criticar um comportamento recorrente em Mariana. Desinformadas, algumas pessoas têm apontado os atingidos de Bento e de Paracatu como responsáveis pela demora do retorno das atividades da Samarco: estão transformando a ré em vítima, e as vítimas em rés. Não está ao alcance dos atingidos definir pela continuidade dos serviços da empresa, mas está ao alcance da empresa ajudar a desmitificar esse equívoco através de suas redes sociais. Seria um belo ato de empatia e de justiça. Está ao alcance da Samarco também se adequar às exigências feitas pelo Ministério Público e pela Comissão Externa, adequação que garantirá sua volta com mais responsabilidade e segurança. Enfim, acreditamos que seja necessária uma outra Samarco: indispensável e transparente.