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Sociedade busca nova narrativa para as pessoas idosas
Conferência Municipal da Pessoa Idosa de Campinas: a construção de políticas públicas (Foto Adriano Rosa)

Sociedade busca nova narrativa para as pessoas idosas

As experiências de Campinas

Por José Pedro Soares Martins e Paulo Cesar Nascimento

Aulas de italiano, espanhol e inglês. Um curso sobre autoras brasileiras do século XIX. Oficinas sobre jornalismo. Grupos de dança, teatro e coral. Esse elenco de atividades múltiplas, típicas de um programa acadêmico de alto nível, integra a grade no segundo semestre de 2019 do Programa UniversIDADE, uma série de cursos gratuitos, promovidos pela Unicamp, vinculando a educação acadêmica à educação popular, voltada para pessoas da meia idade e da terceira idade.

O trabalho do UniversIDADE, realizado com a ativa participação, como orientadores dos usuários, de profissionais de diferentes áreas do conhecimento e também de mestrandos, doutorandos e professores da Unicamp, ilustra o conjunto de ações que vêm sendo executadas em Campinas, no interior de São Paulo, voltadas para promover a longevidade com qualidade de vida.

“O Brasil é o país com maior velocidade de envelhecimento no momento no mundo. As políticas públicas e serviços para a população idosa, entretanto, não estão acompanhando o ritmo das mudanças, daí a necessidade de maior mobilização pelo contingente de idosos”, afirma Silvia Brito, presidente do Conselho Municipal do Idoso (CMI), interpretando o empenho de vários setores em dar resposta a esse que é um dos principais fenômenos demográficos da atualidade.

O Brasil, de fato, acompanha a tendência, que é global, de envelhecimento populacional – as Nações Unidas anunciaram recentemente que pela primeira vez na história o número de idosos está superando o de crianças na população planetária. O número maior de idosos, no conjunto de uma população, está associado à diminuição das Taxas de Fecundidade Total (TFT), o que ocorre em escala mundial desde a metade do século XX.

Há entre os países diferenças no ritmo da queda nas TFT. Já em 1972 a Suécia atingiu a taxa de 14% de idosos (maiores de 65 anos) na população total. Três anos depois o Reino Unido alcançou a mesma proporção de idosos e em 1980 foi a vez da França atingir os 14% de idosos na população total.

População com mais de 65 anos em Campinas (Fonte: Censos IBGE)

População com mais de 65 anos em Campinas (Fonte: Censos IBGE)

Isso significa que a França levou 110 anos para dobrar o seu contingente proporcional de idosos – de 7% em 1870 para os 14% em 1980. Nas décadas recentes, essa virada populacional ocorre de forma mais rápida. Nos Estados Unidos, os 7% de idosos no total da população foram registrados em 1945, e os 14%, em 2012. Já no Japão, os idosos eram 7% da população em 1971, chegaram a 14% em 1994 e representam 28% do total de habitantes em 2019. A China chegará a 28% de idosos na sua população em 2053 e a Coreia do Sul um ano depois, 2054. Todas essas projeções estão em “World Population Prospects: The 2017 Revision”, lançado em junho de 2017 pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (aqui).

A edição mais recente, de 2019, do “World Population Prospects”, mantém a sinalização de envelhecimento da população mundial. Em 2050, uma de cada seis pessoas no mundo (16% da população) terá mais de 65 anos, em comparação com uma de cada 11 em 2019 (9%).  A projeção é a de que o número de pessoas de 80 anos ou mais vai triplicar, de 143 milhões em 2019 para 426 milhões em 2050, afirma o documento (aqui).

No Brasil, a diminuição da Taxa de Fecundidade Total tem sido contabilizada desde a década de 1960, quando era de 6,3 filhos por mulher. Em 1980 era de 4,4 por mulher e em 2000 de 2,35 filhos por mulher, de acordo com os dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em 2015 a TFT brasileira foi de 1,72 filhos por mulher, uma das mais baixas do mundo. Concomitantemente, o contingente da população idosa só cresce no país. Em 2017 os idosos representavam 13,5% da população, ou 28 milhões de pessoas. A projeção do IBGE é a de que em 2031 o número de idosos (43,2 milhões) vai superar pela primeira vez o de crianças e adolescentes brasileiros (42,3 milhões).

Esperança de vida ao nascer em Campinas (Fonte: Censos IBGE)

Esperança de vida ao nascer em Campinas (Fonte: Censos IBGE)

O que os números das Nações Unidas não mostram é que os países que envelheceram ou estão envelhecendo rápido têm alta renda média da população e serviços públicos que responderam ao maior número de idosos. No Brasil, entretanto, como ressaltou a presidente do Conselho Municipal do Idoso de Campinas, o envelhecimento está ocorrendo antes que o padrão de vida aumente e que as políticas públicas respondam de forma adequada à tendência demográfica.

Daí a mobilização de vários setores da sociedade de Campinas em procurar dar respostas, ainda que limitadas diante do contingente de idosos, às demandas vinculadas ao envelhecimento populacional. “Diversas pesquisas na questão da longevidade, das pessoas idosas, mostram que é preciso entender o fenômeno e propor políticas públicas. Está realmente mudando a demográfica do país e precisamos então de ações na área da saúde, da economia, da educação”, alerta o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, explicando a decisão da Universidade em manter e aprimorar um programa voltado para o envelhecimento ativo e saudável.

Na mesma linha seguem os roteiros escritos por outros segmentos de Campinas preocupados com o envelhecimento rápido da população brasileira. No município, 43.748 pessoas tinham mais de 65 anos em 1991, correspondendo a 5,17% da população. Em 2000 o contingente de idosos já era de 63.368, ou 6,54% da população. Em 2010 eram 91.518 idosos, ou 8,47% da população. Hoje são 99.534 cidadãos com mais de 65 anos, incluindo 131 centenários.

Apresentação do Coral do Programa Saúde Toda Vida (Foto José Pedro S.Martins)

Apresentação do Coral do Programa Saúde Toda Vida (Foto José Pedro S.Martins)

Saúde Toda Vida: 20 anos de um programa que

investe no envelhecimento ativo e saudável

As terças-feiras são sagradas para as amigas Flávia Paes Ramalho, Maria da Silva Sanches, Laudina Paschoalão e Azelia Aparecida Pegolo Gama. Nesse dia, elas vão religiosamente para o Clube Fonte São Paulo, onde são realizadas as atividades do Programa Saúde Toda Vida, mantido há 20 anos pela Unimed Campinas. Programa do qual, aliás, as quatro são fundadoras.

“Um tempo muito gostoso, fizemos amizades, esquecemos as dores, saímos de casa para viver com alegria”, afirma Maria da Silva Sanches, para quem o programa mantido pela Unimed Campinas foi fundamental para superar as várias cirurgias e epidemias que enfrentou nos últimos anos.

Como destaca o Dr. Luís Alves de Matos, da diretoria da Unimed Campinas, o Programa Saúde Toda Vida começou em 1999, com uma caminhada no Parque Taquaral e reuniões com poucas pessoas em salão próximo à Basílica do Carmo. Desde o início, observa o Dr. Luis Alves de Matos, diretor administrativo da cooperativa médica, o propósito sempre foi o de proporcionar atividades para um envelhecimento ativo e saudável. “A população brasileira envelhece de forma muito rápida. É preciso proporcionar qualidade de vida para esse contingente”, explica o médico.

Depois do início modesto o Programa Saúde Toda Vida teve outros endereços: Casa de Portugal, Clube Cultura Artística, Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas e o atual, o tradicional Clube Fonte São Paulo. As atividades são todas gratuitas, para usuários ou não da Unimed. O interessado deve comparecer nos encontros de terça-feira, no Clube Fonte São Paulo, para fazer uma inscrição. Nos demais dias da semana acontecem outras atividades, físicas, culturais ou de aprimoramento de conhecimentos, com as várias palestras ofertadas.

Coordenadora do Programa, a assistente social Fabiola Sparapani Godoi nota que são oferecidas oficinas de música, dança, teatro, alongamento, bailes, coral, artesanato, ginástica, contação de histórias, exibição de filmes e muitas outras. “Nós acompanhamos os frequentadores e podemos garantir que os relatos são de verdadeiras transformações em suas vidas”, conta a profissional. O depoimento das quatro amigas (no vídeo abaixo), no evento de aniversário dos 20 anos do Programa Saúde Toda Vida, ratifica a importância do programa, que beneficia a 250 pessoas por semana, em atividades diárias. 

PUC-Campinas foi pioneira em

cursos para a Terceira Idade

Em seguida a uma experiência pioneira na Universidade Federal de Santa Catarina, a Universidade da Terceira Idade da PUC-Campinas, criada em 1990, é aquela que, por sua densidade e tempo de atuação, inspirou a estruturação de iniciativas semelhantes em outros pontos do país.

O pioneirismo em ações no setor é atribuído geralmente ao Dr. Pierre Vellas, que em 1973 criou a Universidade da Terceira Idade, associada à Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Toulouse, na França. O exemplo se multiplicou e em 1976 nascia a Associação Internacional das Universidades da Terceira Idade, sediada em Genebra, na Suíça.

A Universidade da Terceira Idade da PUC-Campinas nasceu ligada à Faculdade de Serviço Social. O ambiente na cidade já era propício a ações semelhantes, em função do trabalho que desde 1977 a unidade local do SESC fazia com a Escola Aberta da Terceira Idade.

A abertura da Universidade da Terceira Idade da PUC-Campinas aconteceu no dia 20 de agosto de 1990, com grande repercussão na mídia e sociedade em geral. Eram 50 vagas iniciais, logo saltando para 150.

Mais de 4 mil alunos passaram pela Universidade da Terceira Idade, que funcionou quase todo o tempo no Pátio dos Leões, o campus inicial da PUC-Campinas. Com a coordenação da professora Jeanete Martins de Sá, o programa foi implementando como um curso de atualização cultural, em sintonia com as atividades de extensão da Universidade.

Informática, canto coral, italiano, espanhol – foram várias oficinas oferecidas aos alunos. Muitos deles depois se tornaram monitores ou professores. É o caso de Dora Maria Fratini, que participou de vários cursos da Universidade até se tornar uma animada professora de violão, um exemplo do novo status alcançado pela Terceira Idade, com apoio dos diferentes segmentos da sociedade civil.

Silvia Helena Caprini, presidente da ASPCamp (Foto Paulo Cesar Nascimento)

Silvia Helena Caprini, presidente da ASPCamp (Foto Paulo Cesar Nascimento)

Uma pausa para a sociabilidade

e um estímulo à solidariedade

       Sociabilidade e solidariedade. As duas palavras resumem o trabalho desenvolvido junto aos seus membros pela Associação dos Funcionários Públicos Aposentados e Pensionistas de Campinas e Região – ASPCamp.

Todas as semanas, a entidade promove encontros para aulas e oficinas de artesanato, debates sobre temas emergentes e outras atividades. “A entidade não tem fins lucrativos, o seu objetivo maior é oferecer ao associado o que ele às vezes não encontra fora daqui”, explica a presidente da ASPCamp, Silvia Helena Caprini.

A associada Maria Auxiliadora Gilla (Foto Paulo Cesar Nascimento)

A associada Maria Auxiliadora Gilla (Foto Paulo Cesar Nascimento)

Entre as atividades oferecidas estão as viagens promovidas para vários destinos turísticos. Entre 18 e 22 de setembro de 2019, por exemplo, está prevista uma viagem a Araxá (MG), para participação no evento Melhor Idade 2019. Os bailes promovidos pela ASPCamp, naturalmente, são muito procurados pelos usuários.

“Não há nada melhor do que deixar os afazeres em casa e vir para cá, onde a gente encontra as amigas, troca receitas, conversa, sempre tem algo para fazer”, conta a associada Maria Auxiliadora Gilla.

Dulce Barros: estímulo à solidariedade (Foto Paulo Cesar Nascimento)

Dulce Barros: estímulo à solidariedade (Foto Paulo Cesar Nascimento)

A sua amiga, Dulce Barros, aprova as palavras e destaca que o grupo também promove a solidariedade, por exemplo com a confecção de peças de roupas distribuídas a instituições de caridade e na campanha do agasalho. “No inverno sempre estamos fazendo meias, coletes, echarpe, cachecol. Acima de tudo é um prazer estar aqui”, completa Dulce.

Além das atividades culturais e de lazer, outro serviço oferecido pela ASPCamp é a assistência jurídica aos associados. São regulares as ações encaminhadas pelo Departamento Jurídico da entidade, geralmente vinculadas a questões ligadas à Prefeitura de Campinas. Mais um exemplo de ação da sociedade civil de promoção dos direitos da pessoa idosa, superando as lacunas nas políticas públicas.

José Claudio Mendes: mudança na visão de mundo (Foto Adriano Rosa)

José Claudio Mendes: mudança na visão de mundo (Foto Adriano Rosa)

Mudanças de paradigmas sobre a

velhice no Programa UniversIDADE

Durante muitos séculos a visão consolidada, sobretudo no Ocidente, sobre a velhice é a do tempo da decrepitude inevitável, da decadência inexorável. As telas “Dois Velhos Comendo Sopa” e “Dois Velhos Homens”, de Francisco De Goya (1746-1828), sintetizam essa percepção.

Transformar esse olhar, que está presente na obra de grandes artistas, é fundamental para a mudança de paradigmas visando um envelhecimento ativo e saudável, como preconizam as Nações Unidas. É o que têm feito os programas universitários voltados para a Terceira Idade com foco justamente na realização de atividades culturais e artísticas.

O exemplo está no cardápio diversificado oferecido pelo Programa UniversIDADE, da Unicamp. Aulas de italiano, inglês e espanhol, atividades artísticas como pintura na madeira e em lápis grafite, origami e violão, grupos de teatro e dança estão na grade curricular para o segundo semestre de 2019.

Coral do Programa UniversIDADE: ninguém quer sair (Foto Adriano Rosa)

Coral do Programa UniversIDADE: ninguém quer sair (Foto Adriano Rosa)

E, claro, o coral do Programa UniversIDADE, que tem funcionado na prática como o elemento de maior visibilidade da iniciativa. “Eu não sabia cantar, agora adoro e como meus outros companheiros não quero sair de jeito nenhum”, conta José Claudio Mendes, integrante do UniversIDADE desde a primeira turma, em 2015.

“Melhorou muito a minha qualidade de vida. Com o coral, minha voz melhorou muito, com os exercícios de afinação das cordas vocais. E também sou mais respeitado dentro de meu círculo, pelos conhecimentos que tenho adquirido, agora discuto de igual para igual ou até melhor com qualquer um”, completa Mendes.

A sede de saber continua. Mendes diz estar adorando as aulas que começou a frequentar com Miguel Arcanjo Areas, professor do Instituto de Biologia da Unicamp, na oficina sobre “O Universo – Uma viagem pelo espaço-tempo”. O objetivo da oficina, como explica o professor Areas no programa de atividades, é “familiarizar o aluno, numa linguagem acessível ao leigo, com os conceitos científicos aplicados no estudo do Universo”. Também serão apresentadas “descobertas recentes e questões ainda em aberto nesse campo de pesquisa”.

José Claudio Mendes se diz encantado com o que ouviu até o momento. “Com apenas algumas aulas, minha visão sobre o universo, sobre a vida, já mudou totalmente. É muito importante esse olhar mais ampliado que o Programa UniversIDADE oferece e especificamente essa oficina”, conclui. Mudanças de paradigmas não faltam na iniciativa da Unicamp, que segue a trilha aberta por outras Universidades preocupadas em contribuir com um envelhecimento ativo.

Maria Lucia Secoti Filizola: luta pelos direitos dos idosos (Foto Paulo Cesar Nascimento)

Maria Lucia Secoti Filizola: luta pelos direitos dos idosos (Foto Paulo Cesar Nascimento)

Da Pastoral da Pessoa Idosa à

presidência do Conselho Nacional

      Com mestrado em Gerontologia pela Unicamp, Maria Lúcia Secoti Filizola se destacou na coordenação da Pastoral da Pessoa Idosa (PPI) da Arquidiocese de Campinas. A sua atuação a levou à representação da Pastoral no Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDI), do qual se tornou presidente em outubro de 2018.

O envolvimento da família com a PPI é histórico. A mãe de Maria Lúcia é líder da Pastoral no Paraná e sua filha atua na PPI campineira, no Projeto São Francisco, de capacitação de jovens para atuação junto aos abrigados nas Instituições de Longa Permanência para Idosos – ILPI.

A Pastoral da Pessoa Idosa nasceu das primeiras conversas, em 1993, entre a coordenadora nacional da Pastoral da Criança, Zilda Arns, e o médico geriatra João Batista Lima Filho, então presidente da seção paranaense da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

       Entre 1997 e 1998 foi definida, no âmbito da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a metodologia de atuação da Pastoral da Pessoa Idosa, que seria semelhante à da Pastoral da Criança: capacitar líderes comunitários para multiplicar o saber e a solidariedade junto aos idosos e seus familiares, com uso de indicadores de acompanhamento. O projeto-piloto foi desenvolvido no Estado do Paraná.

Na Arquidiocese de Campinas a Pastoral da Pessoa Idosa está estruturada em várias paróquias católicas. Os líderes locais fazem o monitoramento da situação de idosos, sobretudo entre aqueles de famílias de baixa renda, com atenção para questões de saúde e outras.

Neste contexto se projetou a atuação de Maria Lúcia Secoti Filizola até chegar à presidência do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa em outubro de 2018. No dia 11 de abril de 2019, o presidente Jair Bolsonaro assinou o Decreto Nº 9.759, extinguindo e estabelecendo diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal. Pelo Decreto, os colegiados da administração pública federal – como o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa – seriam extintos a partir do dia 28 de junho de 2019. A decisão governamental provocou forte reação na sociedade civil.

No dia 27 de junho, outro Decreto, n.º 9.893, assinado pelo vice-presidente no exercício da presidência da República, general Antônio Hamilton Martins Mourão, e pela ministra Damares Regina Alves, introduziu profundas alterações no funcionamento do CNDI. O Decreto reduziu os componentes do CNDI para apenas seis membros, sendo três representantes governamentais e três da sociedade civil. Os três membros do governo seriam todos indicados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

De novo, forte reação social, como em uma nota assinada pela presidente do CNDI, Maria Lucia Secoti Filizola, e por outros três ex-presidentes do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa: Maria do Socorro Medeiros Morais (exercício 2016-2018), Luiz Legnani (exercício 2014-2016) e Karla Cristina Giacomin (exercício 2010-2012).

Para os signatários, o Decreto n.º 9.893 “restringe a representação governamental somente a uma pasta ministerial, retirando de órgãos governamentais relevantes e instituições da sociedade civil de reconhecida representatividade e pertinência temática, a possibilidade de discutir, trabalhar e deliberar sobre assuntos afetos à população
idosa, subtraindo deste Conselho Nacional o exercício de sua atuação efetiva na implementação da melhora da qualidade de vida das pessoas idosas residentes em nosso país”. O CNDI era composto, antes do Decreto nº 9.893, por representantes de vários ministérios e um número muito maior de representantes da sociedade civil.

A polêmica sobre o futuro do CNDI continua. E as incertezas aumentaram após a decisão do governo federal de adiar para 2020 a realização da 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa. A decisão do governo federal foi comunicada em nota divulgada em agosto, assinada pelo secretário nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, Antonio Costa, que alegou questões orçamentárias, entre outras, para justificar o adiamento. A realização da 5ª Conferência Nacional estava prevista para novembro, fechando um ciclo iniciado com as conferências municipais e que teve prosseguimento com conferências estaduais.

Silvia Jeni Brito, presidente do Conselho Municipal do Idoso de Campinas (Foto Adriano Rosa)

Silvia Jeni Brito, presidente do Conselho Municipal do Idoso de Campinas (Foto Adriano Rosa)

Conselho Municipal do Idoso discute

as políticas públicas para a longevidade

      Na ausência de sólidas políticas públicas federais e estaduais para enfrentar os desafios do avanço do envelhecimento, o Conselho Municipal do Idoso (CMI) de Campinas procura discutir as ações e políticas públicas locais, dentro dos limites orçamentários do município.

“Este processo já ocorreu em outros países que, no entanto, se prepararam melhor. Nos Estados Unidos, há 30 anos, eu vi ônibus com plataformas para acesso da população idosa e cidadãos com deficiência. O Brasil não está se preparando de forma adequada para a longevidade, que está ocorrendo de forma muito rápida”, destaca Silvia Jeni Brito, presidente do CMI.

A construção do primeiro Centro Dia para idosos de Campinas, com recursos municipais e do governo estadual, é um dos temas em discussão no Conselho Municipal do Idoso, que também debate outras ações.  Uma delas é a realização de um censo para identificação do número exato de idosos (população acima de 65 anos), como eles utilizam, ou não, os serviços públicos, quais são, enfim, as suas principais demandas visando um envelhecimento ativo e uma longevidade com qualidade. O “Diagnóstico da Pessoa Idosa no Município de Campinas” será conduzido por uma organização social já contratada, por meio de licitação.

Também está na fase final de elaboração, informa Silvia Brito, um edital para futura contratação de projetos em assistência social, saúde e cultura, entre outras áreas, voltados para a população idosa. “O Estatuto do Idoso, que entrou em vigor em 1º de outubro de 2003, acaba, portanto, de completar 15 anos, e nele estão previstos vários direitos que ainda não são observados em sua integralidade no país. Temos alguns avanços como gratuidades ou meia entrada em cinemas e transporte público, mas falta muito mais para dar dignidade, principalmente para aquela população idosa invisível, que ainda não consegue vivenciar de forma plena a sua cidadania”, completa a presidente do Conselho Municipal do Idoso de Campinas.

Nos dias 28 e 29 de março o Conselho realizou a 8ª Conferência Municipal da Pessoa Idosa de Campinas, no Centro de Convenções da Unicamp, com apoio do Programa UniversIDADE da instituição. Na Conferência, a presidente Silvia Brito lembrou que o Conselho está completando 20 anos, em uma trajetória de muitas lutas.

“Agora o Conselho está estruturado, temos reuniões mensais do Conselho, semanais da diretoria e várias comissões e grupos de trabalho funcionando”, observou a presidente, que é representante do poder público municipal. Existe uma alternância na presidência do órgão, entre poder público e sociedade civil.

A médica sanitarista Maria do Carmo Cabral Carpintero (Foto Adriano Rosa)

A médica sanitarista Maria do Carmo Cabral Carpintero (Foto Adriano Rosa)

A conferência de abertura do evento, sobre “O desafio de envelhecer e o papel das políticas públicas no século 21″, esteve a cargo da médica sanitarista Maria do Carmo Cabral Carpintero. Ela destacou como são muito recentes as políticas públicas voltadas de fato para a população idosa brasileira.

As primeiras leis, como a Elói Chaves, de 1923, e a Constituição de 1934 versaram basicamente sobre a aposentadoria. Em 1982 foi constituída a Comissão Nacional da Pessoa Idosa e em 1988, com a chamada Constituição Cidadã, houve finalmente “a reversão da política assistencialista para a dos direitos de cidadania, inclusive da pessoa idosa”.

Em 1993 a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) estabeleceu programas e projetos voltados para a pessoa idosa e um ano depois foi aprovada a Política Nacional do Idoso, nos termos da Lei Federal 8842. Em 2003 entrou em vigor o Estatuto do Idoso, nos termos da Lei Federal 8741, permitindo, por exemplo, “que o Ministério Público passasse a atuar mais rapidamente em relação aos direitos dos longevos”, destacou a médica. Maria do Carmo Carpintero salientou que o Estatuto também prevê penalidades no caso de a pessoa idosa ser vítima de violência, negligência ou outros crimes.

Apesar do Estatuto e dos espaços abertos, a conferencista lamentou que de forma geral os direitos de cidadania da pessoa idosa ainda não são plenamente respeitados no país e um dos motivos, na sua opinião, é o impasse existente “entre a pressão da sociedade civil organizada, de um lado, e um Estado regulado por diretrizes neoliberais, de outro”.

Reitor da Unicamp, Marcelo Knobel: academia deve contribuir com estudos (Foto Adriano Rosa)

Reitor da Unicamp, Marcelo Knobel: academia deve contribuir com estudos (Foto Adriano Rosa)

Cresce a dependência à renda de idosos

na Região Metropolitana de Campinas

Há uma grande expectativa em relação aos resultados do Censo de 2020, para comparar com os indicadores das pesquisas anteriores. Entre 2000 e 2010 houve uma melhora generalizada nos indicadores sociais no país, mas com o agravamento da crise econômica e política a probabilidade é enorme de retrocessos identificados no próximo Censo do IBGE.

Com relação à Região Metropolitana de Campinas (RMC), formada por 20 municípios e com mais de 3,5 milhões de moradores, um ponto em especial refere-se à situação dos idosos no próximo Censo de 2020. Entre 2000 e 2010, houve uma melhora na maioria dos índices de pobreza e vulnerabilidade na RMC, mas tinha aumentado a dependência à renda dos idosos entre os mais vulneráveis. Os dados estão no Atlas do Desenvolvimento Humano das Regiões Metropolitanas, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

De acordo com o Atlas (aqui), a proporção de pessoas vulneráveis à pobreza caiu de 20,18% em 2000 para 10,90% da população da RMC em 2010. Neste período, a população total da Região aumentou de 2.338.384 para 2.797.137, segundo o Censo do IBGE, cujos dados foram utilizados para a confecção do Atlas do Desenvolvimento Humano das Regiões Metropolitanas e para compor o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) pelo PNUD. O Atlas resulta de parceria entre o PNUD, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Fundação João Pinheiro (FJP).

Um dos únicos indicadores em que houve piora foi no caso de pessoas vulneráveis e dependentes de idosos. A proporção subiu de 52,11% em 2000 para 70,74% em 2010. Há bairros/regiões em que a dependência de vulneráveis à renda de idosos chega a 100%. Mais um claro sinal da urgência de políticas públicas considerando a rapidez do envelhecimento da população.

Ainda segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano, a esperança de vida ao nascer saltou no município de Campinas, de 69,7 anos em 1991 para 73,1 anos em 2000 e 76,6 anos em 2010. A Taxa de Fecundidade Total, por sua vez, declinou, de 2,0 em 1991 para 1,8 em 2000 e 1,6 em 2010.

O edifício do Lar dos Velhinhos de Campinas que foi totalmente requalificado (Foto Martinho Caires)

O edifício do Lar dos Velhinhos de Campinas que foi totalmente requalificado (Foto Martinho Caires)

A mobilização dos arquitetos pela

reestruturação do Lar dos Velhinhos

Instituição com 115 anos de serviços prestados para a cidade, o Lar dos Velhinhos de Campinas está há dois anos de cara nova em função de uma ação voluntária de arquitetos e decoradores. Os profissionais estiveram reunidos na Mostra Mais Sustentável, que promoveu uma grande transformação no edifício que no dia 5 de junho de 2016 sofreu o impacto do fenômeno climático que os meteorologistas denominaram microexplosão.

A organização fundada como Asilo dos Inválidos ou dos Mendigos, em 1905, com o tempo passou a se dedicar a acolher idosos em sua maioria. Em 1972 o Asilo foi assim rebatizado, como Lar dos Velhinhos.

“A ideia era promover uma Mostra que deixasse um legado para o Lar dos Velhinhos. Esse projeto animou todo esse pessoal”, comentou o engenheiro eletricista Fernando Caparica, idealizador da ação, que não escondeu a emoção ao ver o trabalho conjunto concretizado.

Além do coletivo de profissionais, a Mostra Mais Sustentável contou, para a sua materialização, com o apoio de mais de 30 empresas e instituições. O Escritório Modelo A4, da Universidade São Francisco (USF), participou do projeto, abrangendo entre outros itens a setorização dos espaços do edifício que foi o foco da ação dos arquitetos e demais profissionais envolvidos.

Era uma construção que servia mais ou menos como depósito e passou por grande metamorfose, para abrigar toda a área administrativa do Lar, deixando os espaços antes ocupados por ela para as atividades-fim da instituição.

Todo o material de entulho das obras de remodelação foi utilizado na pavimentação de uma rua interna, antigo sonho do Lar. Água de reuso, destinação correta de resíduos e acessibilidade total, utilização de material e mão-de-obra local, outros componentes essenciais em um projeto de sustentabilidade, foram observados. E assim a instituição centenária se alinhou aos conceitos da sustentabilidade, tão fundamentais para o século 21 como a construção coletiva de políticas públicas para a população idosa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Organização sediada em Campinas (SP) de notícias, interpretação e reflexão sobre temas contemporâneos, com foco na defesa dos direitos de cidadania e valorização da qualidade de vida.