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LISBOICES: Madame X de carne e osso
Além de fado e de antigos sucessos, Madonna apresentou temas novos e politizados (Foto Divulgação)

LISBOICES: Madame X de carne e osso

Por Eduardo Gregori
O pânico se instalou entre os fãs portugueses de Madonna. A rainha do pop, que já havia cancelado apresentações de sua mais recente turnê Madame X nos Estados Unidos por problemas de saúde e cansaço, terminou por trocar no domingo (19/01) o palco do Coliseu dos Recreios por sua casa em Lisboa. “Obrigada novamente, Lisboa. Desculpe por ter que cancelar o show desta noite, mas eu preciso ouvir meu corpo e descansar. Vejo vocês na terça-feira. Dedos cruzados”, escreveu a cantora em seu perfil no Instagram no comunicado do cancelamento da apresentação. Para alívio do público os shows seguintes aconteceram e fui em um deles.
A noite de terça-feira era de muito frio, mas não desencorajou o público que não era apenas de Lisboa e Portugal. Na fila quase quilométrica para guardar os celulares e smart watches (está proibido o uso destes dispositivos, além de câmeras), converso com espanhóis, brasileiros, franceses e russos que pagaram de 200 a 400 euros só para ver Madonna mais de perto. O mais fanático, um israelense, se revelou durante a apresentação ao oferecer a Madonna 10 mil euros como doação para a fundação Raising Malawi, instituição para crianças que a cantora fundou na África. O fã, que comemorava 220 vezes que assistia a um show de Madonna, pediu em troca duas fotos, uma selfie dela e outra com ele. E Madonna o atendeu para o delírio do público.
Para quem já assistiu algum show de Madonna a expectativa é sempre alta. Seja em cenários que sobem e descem, projeções gigantescas e coreografias acrobáticas e quase super-humanas. Pois bem, jogue tudo isso fora da mente e prepare-se para algo novo. Madonna afirma que o disco Madame X tem inspiração lisboeta e por isso, sua turnê é como um grandioso clube de fado, com uma boa pitada latina, cha cha cha e de cabaré. “Graças a Deus não preciso explicar aqui o que é fado, porque estou na terra desta música apaixonada”, disse aliviada e arrancando um gigantesco aplauso da plateia.
Para recriar o clube, Madonna muniu-se do guitarrista de fado Gaspar Varela, da trompetista Jéssica Pina, do percussionista Carlos Mil-Homens e do guitarrista Miroca Paris, músicos bem conhecidos e respeitados em Portugal. Com eles brincou de cantar fado e chamou o cantor português Dino Santiago para reverenciar Cesária Évora. Juntos cantaram Sodade, um dos temas eternizados pela diva cabo-verdiana. Um dos momentos mais tocantes do show foi a participação da Orquestra Batukadeiras, um coletivo de mulheres cabo-verdianas que gravou a faixa Batuka com Madonna para o álbum Madame X. A mulheres entram cantando pelo meio da sala de espetáculos e caminham até o palco, onde batucam, cantam e dançam com Madonna.
A rainha do pop não esquece seus antigos temas e o mais tocante deles é Frozen, do álbum Ray Of Light. Madonna se coloca atrás de uma tela transparente que cobre quase toda a boca do palco. Na tela, Lourdes, sua filha mais velha, protagoniza uma coreografia impactante, filmada em preto e branco. Madonna diverte-se, conversa muito com o público e diz que ama Lisboa. Desce do palco, senta-se em uma cadeira e fala que veio viver em Lisboa para ser uma mãe de jogador de futebol (o filho David joga na escola do Benfica) e reclama que outras mães não falam com ela. Aliás, Madame X é uma mãe dedicada. Sua filha adotiva mais velha Mercy, completou 14 anos e ganhou o parabéns da mãe e da plateia. Suas outras duas filhas adotivas também estiveram no palco dançando com uma mãe orgulhosa.
Além de fado e de antigos sucessos, Madonna apresentou temas novos e politizados e com os quais faz diversas críticas, como God Control. Aproveita para apontar o dedo para Donald Trump e até mesmo o satiriza ao alegar que deva ter um pênis pequeno. O show termina com I Rise, canção em que defende a liberdade e apoia a causa LGBTQ+. Madonna desce do palco pela última vez e dá as mãos para o público enquanto caminha pelo corredor que a leva até a entrada do coliseu e desaparece cercada de seguranças.
Madonna vende bem a imagem de proximidade com os fãs. Parece difícil crer nessa nova faceta da material girl. Talvez a maturidade, a maternidade e o fato também de viver em Lisboa, onde não é incomodada ao andar mesmo na periferia a tenham ajudado nesta altura de sua carreira a ser mais verdadeira e mais real.  De fato, ela se esforçou para não cancelar mais uma noite em Portugal. Estava claro que suas lesões nos joelhos estavam a lhe cobrar um preço alto. Ela quase não dançou, não usou saltos altos, andava curvada e cambaleou. Uma imagem muito distante da vigorosa artista que só Madonna sabe ser no palco. Mas isso não a impediu de seguir com um show de duas horas. E foi mostrando sua fragilidade física que ela ganhou o público e a crítica portuguesa. “Eu deveria estar na cama, mas estou aqui porque amo o que faço”, disse em uma das poucas vezes que reclamou da dor.
Madame X diz que pode ser tudo: uma prostituta, uma escritora e até mesmo uma chefe de estado. Porém, o que Madame X tem mostrado nos palcos é que é humana, feita de carne e osso.

Sobre Eduardo Gregori

Eduardo Gregori é jornalista formado pela Pontifícia Católica de Campinas. Nasceu em Belo Horizonte e por 30 anos viveu em Campinas, onde trabalhou na Rede Anhanguera de Comunicação. Atualmente é editor do blog de viagens Eu Por Aí (www.euporai.com.br) e vive em Portugal