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RAFA CARVALHO APORTA SEU SHOW “NAU FRÁGIL” NESTE SÁBADO EM CAMPINAS
Rafa Carvalho: insistir na alegria, que ela é uma base crucial de nossa resistência (Foto Politakis Manos)

RAFA CARVALHO APORTA SEU SHOW “NAU FRÁGIL” NESTE SÁBADO EM CAMPINAS

Acontece neste sábado, 08 de fevereiro de 2020, o primeiro show do ano de Rafa Carvalho. O evento, gratuito e de classificação livre, será realizado pelo Sesc Campinas, na área de convivência da unidade, a partir das 16h30.

Conversamos com o artista e colaborador da Agência Social de Notícias sobre a data, o disco (previsto para breve), o projeto Nau Frágil como um todo, e o ano de 2020. Segue o nosso papo:

ASN – Rafa, sabendo de sua posição avessa aos rótulos (poeta, escritor, compositor, músico, performer, artista visual etc), como você se percebe dentro do cenário artístico hoje? E como acha possível descrever o seu trabalho?

Eu me percebo sempre perdido. A arte não serviria para outra coisa. E nem sequer a própria vida. A experiência nossa, na Terra, é uma experiência de perdição. Inexoravelmente. Bom, isso pode se dar no melhor ou no pior sentido. E essa variável vem, ao meu ver, da consciência. Precisamos estar perdidos o mais conscientemente possível. Curtir o labirinto. Não consigo conceber minha condição humana, nem a de qualquer outra pessoa, sem estarmos ilhados no mistério. Quando achamos as respostas, mudam-se as perguntas. A arte assim serviria ao mesmo tempo a favor do sonho, da fé e da utopia; e contra a ilusão.

Sigo por aí me perdendo, cada vez mais. Sempre que preciso escolher, como quando me perguntam minha profissão para a emissão de uma carteirinha nova no SUS, ou à emissão de um passaporte, por exemplo, eu digo: poeta. Para mim a arte inteira é poesia. A vida também. Ser poeta é estar vivo. Graciosamente, isso ainda vale pros poetas mortos.

Ao me perder, no cenário artístico inclusive, vou achando coisas interessantes. Presentes. E acho que também vão me encontrando, em alguma medida. Sinto-me num passo torto, o tempo todo um caminho esquisito. Mas tenho alcançado grandes graças. Espaços que me alegram muito, partilhas. Muitas vezes detalhes, que poderiam parecer miúdos demais, mas que me mantiveram vivo até aqui.

E acho que é isso, eu descreveria meu trabalho assim: ele se mantém vivo. Estar vivo é mobilizar energia no espaço-tempo. Isto é trabalho. E isto também pode ser magia. Transformar, com mobilização, a energia no tempo-espaço. Ser poeta é assumir a própria vida, magicamente. Isso pode soar pomposo. E até um privilégio. Mas talvez seja bem mais simples do que parece. E por isso mesmo: difícil. Poesia é o fundamento da experiência humana, na Terra. E nós andamos, em geral, muito longe de algum fundamento. Por isso a poesia foi sempre majoritariamente preterida. Tantas vezes violada. E por isso também é um erro defini-la. Para tanto, seria preciso superá-la. E o que, ou quem, superaria a poesia? Contento-me em ser poeta, sem domínio algum da poesia. Sou seu cavalo. Nunca o contrário. Estou contente de sobreviver assim, artista, neste tempo, neste país. Este afinal é meu trabalho. Viver, conviver. E não é fácil. Manter-se vivo, seja pela grana, as contas que vencem, seja pela ofensa constante ou às dores profundas, em tantos momentos, ficar vivo, não foi fácil.

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ASN – Há uma relação de sua resposta com o conceito de “Nau Frágil” trazido em seu lançamento textual do disco? Como foi lançar um disco primeiramente no formato de texto? E a recepção disto pelo público?

Sim, há total relação. Dizem que vivemos hoje um ápice da polarização na humanidade. E eu entendo essa rachadura de algumas símiles maneiras: pessoas que estão a fim opostas a pessoas que não estão a fim; pessoas conscientemente perdidas opostas a pessoas sub- ou inconscientemente perdidas, que por consequência não se sentem nada perdidas, ou antes, completamente plenas e encontradas em suas vidas. Pessoas que estão contentes e alertas de serem humanas, opostas a pessoas que não o estão. “Nau Frágil” toca a uma dessas partes. Aquela com pessoas que sabem dos riscos, da fragilidade, mas querem tentar. Ao mesmo tempo, “Nau Frágil” é uma louvação às águas, o princípio da vida no planeta. Uma viagem ao futuro, que também se dá pelo retorno, às águas uterinas de nossas mães. As águas maternais de toda a vida formada posteriormente, na Terra. Neste sentido, “Nau Frágil” é uma utopia de perder a parte que toca, pra tocar-nos a todas além das segregações correntes. Lá onde tudo é comum. Nossa única ancestralidade.

Lançar o disco primeiro em texto para mim foi tranquilo. Por mais estranho que eu saiba parecer. Nessa barquinha do disco e do projeto, sim eu sou o capitão. Mas o bom capitão só cumpre as ordens que recebe. E quem determina tudo, mesmo: é o mar. Sinto-me obedecendo apenas, cumprindo o que vem ao peito. Seguindo os meus faróis. E fico satisfeito assim. Sobre a recepção, não sei dizer. Nosso mundo anda confuso. Todos seus sistemas possivelmente corrompidos. Penso que meu trabalho persiga a viagem. Enquanto ela me for possível, sou grato. E quero ser grato ainda ao fim de mais essa jornada, quando for a hora. Não é simples lidar com algorítimos, números, indicadores, indicações, prêmios, editais, seletivas, cifras, análises, estatísticas… Mas trabalho pelo direito de se estar perdido; e ainda pela possibilidade dos encontros. Volta e meia recebo algum sinal, uma diquinha. De alguém que leu, ouviu. De alguém que sente. Eu leio, ouço e sinto de volta. E assim seguimos. Assim eu consigo prosseguir.

ASN – Para finalizarmos por hoje, o que esperar de “Nau Frágil”, deste disco? E de você pela música? Deste show no Sesc Campinas? E como Rafa Carvalho vem encarando este ano de 2020, com a carreira e todos os demais projetos?

Venho sentindo as expectativas como âncoras pesadas a quem quer navegar bem. Mas apesar disto, pensando “esperar” como um verbo de esperança, dá pra esperar a viagem. E viajar junto. Tudo em “Nau Frágil” é viagem. E uma viagem solta, livre. Aprendiz com o mar. E dos rumos que ele nos revela e presenteia. Talvez seja um disco um tanto ousado, para alguns padrões atuais. Duração das músicas, suas formas, algumas escolhas de arranjo. Espero que ele se pareça um pouco ao mar mesmo. E viabilize um sem-limite de mergulhos distintos.

Agora, eu não esperaria muito de mim, pela música. Sou um analfabeto musical. Amo a música desde criancinha, e sou um contador de histórias, que resolveu também: cantá-las. Tenho feito música com muito carinho, desenvolvido o meu jeito pra ela, algumas linguagens. Mas faço isso sem a pretensão de virtuosismo. O palco é um mar bravio pra mim ainda, àquela exposição. E tecnicamente falando, ainda preciso aprender a cantar muito. E a tocar também. Mas é isso: o marinheiro que sente saudade, canta. Tendo voz ou não, afinando ou nem. E se a saudade bate forte, o canto do marujo é bom, é bonito. Só pode ser. A arte é um anzol que só funciona mesmo, se enganchar no coração. É assim que algo na vida se suspende. E a gente eleva. Se enreda.

E nós estamos felizes demais de fazer este show. Tenho comigo uma tripulação maravilhosa de artistas, com Cris Monteiro, Luiz Spiga e Ronaldo Saggiorato comigo, assim no disco como no palco. Grandes mestres que me ensinam muito. E toda uma equipe, em parte fixa e em parte móvel, que se movimenta junto. Agradeço muito ao Sesc Campinas, que é parte fundamental de minha formação na cidade, assim como à construção de minha carreira. E é maravilhoso poder fazer esta celebração em casa, estar com amigas, pessoas da comunidade, da cena artística local, gente com quem construí muitas coisas juntos, histórias com que aprendo até hoje. Desejo que seja um balanço lindo, que nos embale a todas. Preparamos tudo com muita bem-querência e gratidão.

Já sobre 2020, eu nos sonho um ano bom em si, e parte importante da lavoura de um futuro, outro, com todas as urgências e delícias a que ainda não nos dedicamos o bastante. Eu comecei este ano com um susto de saúde. Percebi que estou há quase dez anos sem férias. E desejo acompanhar melhor o crescimento do meu filho. Brincar mais com ele e comigo mesmo. Não querer carregar sozinho o que não posso. Desejo parcerias firmes, pra juntos ver mais sendo possível. Seguir com as utopias na comunidade, crescer a Encruzilhada Estrela Dalva, continuar com o samba, o sarau e as novidades que queremos pra este ano. Tem o disco, acho que um livro e meu desejo de seguir organizando minha coluna aqui na ASN. Também algumas temporadas na estrada, das quais falarei logo mais. Coisas bem importantes, pra mim. Como também será ter mais paciência, cuidar das plantas, tirar umas férias. E insistir na alegria, que ela é uma base crucial de nossa resistência.

ASN – Assim você não nos deixa escolha! Resistir a quê? Ou a quem?

Resistir a nós mesmos. Esses nós que nos atam. O mundo anda imerso em hipocrisia, ganância, vaidade, violência, mentira. E isso tudo começa comigo. Cada qual de nós. Todo dia é preciso se olhar no espelho, pegar a autoestima, o sonho, a fé, mas também pegar toda essa vergonha. Assumirmos com dignidade esses lados que tanto ocultamos. Botar tudo junto na barquinha e sair pra mais um dia de viagem. É arriscado, eu sei, mas é a nossa única chance de realmente chegar nalgum outro lugar. Sem isso não tem aventura. É tudo ilusão. Preciso primeiro me lançar inteiro. Resistir a essa pasteurização de mim. Depois encarar a vizinhança, a rua, o bairro, o trânsito local, a feira, o bar, a praça, a igreja. Assumir as coisas como elas são. Daí amar e mudá-las, como o Belchior cantou. Personificar a mazela, por mais que tenhamos candidatos impressionantes no Brasil, seria só mais iludir. Precisamos de base, de fundamento. E isso se faz apenas com um passo por vez. Resistir é manter-nos vivos, com cada vez mais consciência, ainda que perdidos. Com cada vez mais magia. Com cada vez mais poesia. Este, é o nosso trabalho.

Assim é o Rafa. Uma ponte constante entre os assuntos. Um artista que nos vai indicando criações ousadas de métodos bastante próprios, ao mesmo tempo em que amplamente partilháveis, onde somos todas pessoas e, por isso também: poetas. Que está prestes a dar este passo inédito, na música, com o lançamento de seu primeiro disco. E que parece seguir neste ano com suas rotas sempre surpreendentes pela arte, na vida e em suas articulações culturais. Nós, aqui, vamos acompanhando felizes. E neste show no Sesc em Campinas, sem dúvidas, uma ótima oportunidade para ver e ouvir de perto. E embarcar junto, na viagem.

Serviço

Rafa Carvalho – Nau Frágil

Sesc Campinas (Área de Convivência)

Rua Dom José I, 270/333 – Bonfim, Campinas – SP, 13070-741
Telefone: (19) 3737-1500

Data: Sábado, 8 de fevereiro

Horário: 16h30

Classificação Livre

Entrada Gratuita

 

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