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FELIZ DIA DAS NAMORADAS!
(Foto Peter H)

FELIZ DIA DAS NAMORADAS!

Por Rafa Carvalho

Esta semana foi uma loucura. Caos, correria; e um ataque súbito de borboletas.

É duro ter que lutar com borboletas. Mas precisamos colher dessa horta; parte importante do nosso sustento após a pandemia deve depender disso. E as borboletas, coitadas… também: só querem viver.

Elas não pensam coisas como: vou destruir esta lavoura familiar e acabar com seus humanos. Apenas fazem aquilo que nós também fazemos: transam, têm filhas; e querem que elas tenham abrigo, comida; futuro.

Ou seja: queremos as mesmas coisas. Mas a confluência de nossas demandas termina não sendo assim tão simples nem harmoniosa.

Sinto que é assim, também, com as pessoas que namoram.

O relacionamento amoroso humano este, romântico, das paixões enlouquecidas… que lota com borboletas a barriga… é sempre fundamental na vida das pessoas. Não posso dizer que fui virar poeta por qualquer outro motivo. Na época, não pensava em paz mundial, na unidade da América Latina, nem nos crimes do primeiro mundo contra a Somália; os frutos vis do preconceito, injustiça social, a ferida aberta das fronteiras… não conhecia ainda o som perturbador das madrugadas, a vida adiante com suas nostalgias profundas; minhas utopias maiores.

Pensava só nas bochechas de Patrícia. Nos óculos de lentes grossas em Jóice. Nos peitinhos da Suélen.

Mas este amor, afinal, carrega as sementes do mundo. Não só pelos novos humanos que nascem, dos encontros amorosos… senão por conterem em si a essência da dualidade terrena. Nada mais egoísta que amar alguém… assim, querendo pra si, a partir do próprio desejo desperto. Só que também: nada mais altruísta que isso, ao mesmo tempo… num fazer do mundo de outro, o seu.

Fica estabelecido assim: o desafio de nós. Faz tempo que sinto não se tratar de sermos egoístas ou altruístas, mas sim ambos o tempo todo. É um convite ao tal do paradoxo que os cartesianos detestam… àquele Tao do yin yang. Chamo de nobisismo. Um termo que cunhei na faculdade – era pro meu TCC… mas que ninguém aparentemente deu bola.

Nobisismo vem de nobis, nós em latim. Unindo o ego, ao alter.

Parece simples, talvez óbvio… mas não é. Unir os humanos aqui de casa, com essas borboletas… Reparem que a idéia de nós não é absoluta. Pois criamos logo outra idéia para eles. E ficamos: nós; e eles… Só bem acima desta outra dualidade, enfim, poderá existir um nós maior; transcendido. Sinto que muitos de nossos problemas hoje derivam disto; mas esta, é “outra” história…

A coisa aqui é que: assim como nós aqui em casa e as borboletas pela horta, é complexo unir duas pessoas que se querem. Estes relacionamentos, que nos incitam a celebrar pelos dozes de junho no Brasil, ou nos quatorzes de fevereiro noutras partes deste mundo, são a raiz exponencial da nossa universalidade… O sinal do infinito em nossas almas.

Por isso é que Freud explica tudo a partir disto. A mente humana é parte de uma inteligência maior. Fragmento: correm por nossas artérias minérios de estrelas muito distantes. E o primeiro passo dessa reintegração de nossas almas, assim, é amar alguém. Se apaixonar… sentir-se atraído por outra pessoa; além de nós. Num magnetismo dos amálgamas que se buscam, por um dia terem sido já cisão.

Isto demonstra a importância do tema. Daí a maioria esmagadora das canções populares de sucesso falar deste amor… suas dores, separações, vontades, tesões, retornos, tensões, traições, alegrias, resistências, êxitos, sonhos, fracassos, ilusões, frustrações, cotidianos, delírios, loucuras e esperanças. Às vezes surge outro mote relevante, como o da ostentação, por exemplo. Mas vejam que: por trás da ostentação, também está a falta e a necessidade do outro.

Por isso as novelas são sobre isto. E os filmes de sessão da tarde. E também os filmes cult, de arte. Por isso todos os seriados, independendo do tema, trazem histórias de amor como concorrentes. O tema dentro dos temas. Por isso os livros, a poesia, o teatro, o circo. Por isso as artes visuais e a tentativa da arte pra todos os sentidos. Por isso a vida inteira sendo erótica.

Todos os pais das correntes da psicologia moderna se encontram neste amor. Todos os filósofos. Todos os autoritários, totalitaristas, genocidas. Todos os tiranos e os sacerdotes. Uma das coisas que faz deste papa Francisco um líder tão especial, por exemplo, deve ser esse amor latente, passado e presente que carrega. Até o papa se apaixona. Os mais fervorosos espiritualistas e os ateus. A direita, a esquerda. Comunistas ou neoliberais. Todo o mundo se move por isso.

Quando o presente de alguém não se aquece por estes sentimentos, é sempre porque no passado, algo terrível dentro disto aconteceu. Logo, este amor continua sendo um determinante para tudo.

São espelhos. Relacionamentos amorosos humanos, românticos, passionais: são espelhos. Muito próximos e detalhistas. Ali vemos quem somos. E nos incomodamos profundamente com isso. Por isso nas relações heterossexuais há tanta violência contra a mulher, tanto feminicídio. O homem vê nela o espelho. Este espelho revela a mentira que sustentou séculos de patriarcado injustamente. O homem fica entre assumir o seu reflexo, amar-se frágil, expor carências, pedir ajuda, chorar de desespero, pedir socorro, aceitar fraquezas; ou quebrar o espelho. E às vezes a relação acaba no mundo físico, por isso, mas ainda existe a relação mental: o espelho segue lá. Essa trama acaba estimulando as medidas mais desmedidas, tantas vezes. Algo como a morte do outro; da outra. Algo absurdo e que, afinal, nada adianta pois: aquele outro está no eu.

O espelho não se quebra; porque ele é nosso. Está em nós. O que vemos no outro é só o reflexo do nosso próprio espelho em outro espelho, de alguém. Por isso Aldir Blanc – que a Poesia lhe tenha num bom lugar – foi tão preciso em “A nível de…”, outra de suas tantas parcerias com João Bosco. Não adianta culpar os homens por tudo; e se relacionar só com mulheres. Nem o contrário disso adiantaria. Não adianta negar os pobres, as que não têm faculdade, carteira assinada, os que já têm filhos, as divorciadas, os mais novos, as católicas, os que não acreditam em astrologia, as de capricórnio, os corintianos, as que bebem e caem, o Pedro, a Virgínia, a Yolanda, o Odilon. Não adianta pois seremos sempre nós a nossa própria questão.

Eu preciso estar bem comigo, para poder estar bem com outro. Eu preciso estar bem com outro, para podermos estarmos bem. Aquela coisa de ego, alter… nobis. Necessariamente nesta ordem. Portanto essa paixão louca, a atração por alguém: nos levam num primeiro passo ao sentido do universo… desse nós maior. A um outro amor ainda maior que esse, transcendido… sentido de uma real idéia de religião; algo que nos leve até as estrelas na mútua atração de nossos minerais. Esta viagem longuíssima… em que no entanto fracassamos já: logo no primeiro passo para além de si.

Fiquei pensando ontem que, talvez, o beijo na boca da maioria das pessoas piore com o tempo. Ao invés de melhorar, como as mãos da artesã, os beijos pioram. Isso deve ter alguma coisa a ver com o Leminski dizendo do quanto é fácil ser-se um poeta adolescente; mas difícil o seguir sendo aos 22, 25… 40 anos.

Eu mesmo me desencantei muito pela vida. Algo que não sei o quê, secou minhas lágrimas. Não acho mais o menino chorão que fui… nos filmes, novelas de mãe, subidas do tom nas canções da Disney; nos pagodes da 105. Eu que já fiz tanto malabarismo nas paixões… fui parando de escrever minhas cartas, de espalhar bilhetes pela casa, de encantar detalhes, fazendo as pequenas magias que tornam a vida grande.

Acho que fiquei consciente o bastante deste espelho meu… a ponto de ter muito trabalho comigo mesmo; e de não mais culpar o espelho em ninguém. E isso cansa. Ao mesmo tempo, sinto que não é tão simples achar quem partilhe essas coisas nesse nível. Não importando se Adelina está com Odilon; ou com Yolanda.

E também eu devo ser um namorado chato pra Carvalho… me perdoem o trocadilho. Mas vocês não têm paciência de ler um texto por semana meu, com esse monte de ponto com nó, que eu dou, costurando os retalhos em tudo e é rede é ponte é no entanto… agora pensem conviver com um cara assim o tempo todo. Eu pareço um velho desde os meus três anos. Ou menos. Fora o utópico, louco; tudo…

No entanto não estou aqui para falar de mim, mas de nós. Apesar de que, vejam: tudo o que disse até agora demonstra o quanto acredito na importância de falar de si pra se chegar ao outro e, conseguintemente… a nós.

Mesmo assim: é dia dos namorados.

E se você tá até uma hora dessas procurando pelo título do texto, saiba que é apenas isto. Ando um pouco cansado deste masculino se sobressaltando em tudo: nós, os homens, também podemos estar representados no plural feminino. Assim: namoradas somos todas. E também porque o amor humano, o romance, a paixão: não deve ser só normativo. O amor pode ser tudo, por dever ser livre. Até pra se prender, se quiser. Como fazem aqueles casais com os cadeados pelas pontes.

Eu não acho graça nisso; nessas alianças… E não tenho o menor apego a essas datas. Talvez aqui, mais uma chatice minha. Mas sintam comigo: o amor pode ser tudo, menos uma coisa. O amor só não pode ser o desamor. E este é o grande mistério de Aldir, João, Vanderley, Odilon, Yolanda, Adelina – e de nós todos – em “A nível de…”.

Agora voltando a falar um pouco de mim, pra ver se consigo refletir alguma coisa; pra ver se alcanço algo de nós: sou libriano – e muitas pessoas já não quiseram namorar comigo por conta disso – e como tal, tenho um certo gosto em namorar com tudo. Se já fiz muita merda por causa disso? Opa se já. Mas as merdas fazem parte. Muito embora isso não queira dizer que devamos ser irresponsáveis e inconsequentes com as pessoas. Nem que não devamos assumir as merdas que fazemos. É todo o contrário. Precisamos assumir sim; e aceitar. Afinal, o caminhar humano se faz disso. Por isso talvez estejamos há milênios empacados no primeiro passo: não aceitamos nossa humanidade; logo, sendo humanos, temos problemas ao lidar com espelhos; e tendo problemas com esses espelhos – sejam no eu ou no outro – não conseguimos amá-los; não amando-os, o que se reflete… é o desamor. Pronto: está armado o barraco. Ou: tá formada a quadrilha… pra lembrar deste junho pandêmico sem festa junina, quermesse; e também do querido Drummond.

Mas por falar de novo em pandemia, por isso achei importante um texto de dia dos namorados nesta quarentena. Estamos muito sós. Sós em vários sentidos. Mas como estamos juntos nisso de alguma forma – reunidos nesta experiência da nossa solidão… talvez haja aqui alguma oportunidade.

Logo, o que quero dizer é: não importa se você é libriana ou não; se acredita em astrologia ou não; se já fez muita merda na vida ou não (embora eu duvide ser possível aqui o: ou não); e mesmo que você já se tenha magoado muito também com o amor, as paixões, os romances (quem não?); estando sozinho ou acompanhado; seja com Vanderley ou Yolanda (ou com quem for); tendo você 15, 22, 25 ou 40 anos (ou mais… ou menos)… digo: seja você quem for e não importando nada mais que isso: Namore.

Namore muito. Tudo que puder. Paquere. Curta-se, compartilhe-se… mas sem a demanda de negar seus espelhos pra isso. Faça as coisas de verdade. Tenha a pachorra de lavar um raminho de alecrim para enfeitar o prato requentado de anteontem, a comida congelada da semana. Dê uma dançadinha nos trajetos quintal-cozinha, cozinha-quintal, ao longo dos dias; das tarefas. Cante no banho; toque-se no banho. Flerte com a caneca do chá, àquela blusa velha gostosa, o sofá que tem a forma do corpo. Enfim… a lista que um poeta pode dar aqui seria imensa. Mas esqueçamos das listas. Faça suas próprias coisas, com seu próprios jeitos, traquejos. Ame-se. E tente se apaixonar por hoje, pelas suas possibilidades no hoje. Daí, se estiver com alguém então: partilhe disso.

Os espelhos sempre vão mostrar também as feiuras: pois somos também feios. Estamos neste mundo dual, somos humanos… maravilhosos e terríveis. Ame as feiuras. Suas e do outro. Brigue com elas – às do outro mas, principalmente, às suas – mas brigue com dignidade. Não quebre os espelhos, ame-os – os seus e os dos outros. Não se afogue na lagoa de Narciso – isto já seria outra coisa; não confunda. Mergulhe antes fundo em si mesmo. Encontre-se lá com tudo. Aprenda a nadar, não se afogue. Nem se afobe, não… pra lembrar Chico… que os amores: serão sempre amáveis.

Sejamos nós. Além dos nós, dos outros…

Mas os conflitos também serão sempre conflitantes. Devemos estar íntimos deste processo. Você terá problemas com Vanderley, com Adelina, com o que seja… um pet, um pai, a mãe, algum perfil de rede social, uma idéia… qualquer coisa. Pois em suma: você tem problemas com você.

Contudo estamos aqui. Numa experiência única: pessoal e totalmente coletiva. Como sempre, esses meus textos, não resolvem muita coisa. Entretanto, só pra não deixar passar, assim… “a nível de proposta”: não aceite as flores da barbárie e da selvageria deste estágio perverso do capitalismo: ele só quer nos comer.

E principalmente: namore-se. Se você estiver solteira agora, esta é melhor coisa que você pode fazer por você. Se estiver com alguém: esta é melhor coisa que você pode fazer por vocês. E se estiver neste mundo, como eu: não há nada melhor ou mais urgente que isso: pessoas se amando, para poderem amar a outras; formando nós que podem amar a outros, todos eles, até sermos todas nós.

Imaginem o que podemos refletir, juntando tudo isso…

Feliz dia das namoradas!

 

Sobre Rafa Carvalho

Rafa Carvalho é poeta apesar de tudo. Em 15 anos de carreira, são 21 países, por quase todos continentes, trabalhando com Arte, Educação e fazendo de tudo, porque tudo é o que a Poesia pode ser. E, para quem acha que Poesia não é profissão, ele já trabalhou de garçom em inúmeros estabelecimentos, na demolição civil escandinava como imigrante parcialmente legal e, atualmente, está desempregado.