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400 mil projetos
O pequeno-gigante memorial por resistência. Rafa Carvalho/Arquivo Pessoal

400 mil projetos

Por Rafa Carvalho

Eu amo e detesto listas.

Sim, isto é um paradoxo. Mas bem-vindas… Esta é minha vida.

Não devo demorar hoje aqui nessa ideia dum paradigma paradoxal, mas quero introduzir a vocês esta lista, que resolvi criar: chamo-a 400 mil projetos, inspirado em “guardanapos de papel”, versão de Carlos Sandroni que o Milton Nascimento cantou para “biromes y servilletas”, linda música do artista uruguaio Leo Maslíah.

Essa canção fala de poetas. Quiçá como a biografia de muitas de nós. Sendo que pessoalmente, uma a uma, muitas de nossas biografias jamais serão escritas por ninguém; nem despertam na gente interesse… Talvez lá longe, depois de morrermos: como foi com Van Gogh e toda essa imensa lista de poetas mortas desse jeito.

Talvez também por isso eu tenha chorado quando ouvi a canção pela primeira vez. Identificação… e pena; pesar. A voz do Milton já ajuda em qualquer choro. Ainda mais nesse vídeo, onde aparece com uma banda linda, parecendo muito um orixá. Bem dizer, chorei na primeira e em algumas – tantas – outras ouvidas. E vocês verão – mais adiante, não hoje – que essa música me inspirou em um tanto de coisas. Neste texto, contudo, para introduzir minha lista, vou falar de algo específico.

A letra original fala de poetas e seus projetos não alcançados, cansados; cansados. Há este aspecto da história. Em partes, pode-se dizer que o motivo disto é a utopia. Esta coisa que muitos consideram impossível. Já eu penso em não descansar enquanto não tiver a utopia aqui, no escritório de onde escrevo este texto – antes dum nascer do Sol, num dia comum. No entanto, de um jeito ou de outro, que não reste dúvidas: cansa. Tanto o possível quanto o impossível. Cansam. E não é só isso: para além da utopia, há a insensibilidade do mundo.

Eu sempre insisto em Van Gogh nessas horas: como atualmente tanta gente acha tão lindo as suas obras? Como hoje uma carta escrita por ele pode ser comprada por mais de 1 milhão de reais? Como seus trabalhos agora valem ainda muito mais que isso? E há alvoroço de gente milionária nos leilões. E roubam-se os seus quadros dos museus. Como foi possível assim, ele em vida, as pessoas serem tão indiferentes ao que ele tinha para transmitir? Como assim ele não teve sequer o respaldo mínimo pra poder viver com sua arte? Como o olhar da sociedade pode mudar tanto, para alguém, com o tempo?

Pra não ficar só neste meio, Cafú, o capitão do penta com três finais de copa nas costas, dois títulos e uma carreira imensa entre os clubes, foi rejeitado em quase dez peneiras antes de ser aceito num time. Pensem se isso não cansa. E sintam se há cabimento nessas coisas… Pouquíssimos jogadores chegaram no seu nível. A chance dele ter tido algo bom a mostrar já logo na primeira tentativa é bem grande. Assim como os quadros do Van Gogh já eram como são hoje, no tempo em que ele os pintou. Nada na obra, ou na essência do trabalho, mudou. No entanto, no olhar da sociedade – ou antes, dos especialistas – sim. E a lista de casos desses, nas artes, esportes e em todos os assuntos, deve ser gigante.

Nosso mundo é feito dessas listas que não gosto. Listas verticais que atestam quem passa e quem não passa. Quem avança e quem não. Listas de melhores; prêmios. Estes editais, que tantos poetas tentam – porque precisam – e não alcançam. Tentem imaginar um prêmio literário, por exemplo. Milhares de livros inscritos para que um vença. Cada pessoa do júri não vai ler todos os livros. O primeiro lido não vai ter a medida do anterior, como o segundo; e assim por diante. O nível de atenção, euforia ou stress do jurado vai mudar com as horas dos dias e cada livro será examinado numa conjuntura. É impossível que estes resultados não sejam praticamente aleatórios. Que não sejam sempre parciais e, na melhor das hipóteses: mera casualidade. Pois se não for casual, as chances de haver corrupção, tráfico de influência ou bairrismo, proteção de classe, toma lá dá cá, manutenção dos privilégios e coisas parecidas, chegam a ser absurdas.

É fácil pensar assim estando do lado de cá do cordão: o lado de fora. Difícil é manter-se o tom lá do camarote. Sendo um poeta vagabundo qualquer como eu, é de se esperar uma análise dessas – que pode facilmente ser taxada de recalque. Complexo vai ser quando eu ganhar um prêmio assim, daqueles. Se vou dar conta ou não de manter a postura. Zélia Duncan viraliza hoje num vídeo sobre cultura, política e sociedade; aparentemente lúcida. Amanhã, ela sai em defesa de si mesma, falando de meritocracia: como se o argumento que a gente negasse a um coronel, pudesse servir a uma artista.

Veem? Em tudo isso há cansaço. Meredith Monk dedica uma vida à criação artística, vai fundo nos processos, se esforça pra seguir humana, digna, solidária. Ainda assim: vez em quando ela ouve alguém questionando se aquilo que ela faz é arte… A insensibilidade do mundo cansa.

Cansa todo mundo. Mas principalmente nós: que já somos poetas.

Sim, porque eu – daqui deste escritório e daqui desta utopia – acredito – e desejo, profundamente – que um dia esta desgraça acometa todo mundo. Ser poeta…

Mas enfim: a versão brasileira da canção é mais específica neste quesito e, surrealmente, enumera a quantidade de projetos que um poeta se lança a fazer pela vida: inexatos 400 mil.

Quando eu parei de contar, por cima e grosseiramente, eram trinta e poucos. Isso há alguns anos atrás. Hoje, atualizando-se as datas e considerando nuances com atenção, nem imagino quantos seriam. Pra quem considera astrologia – acho que já disse isso na semana passada: sou libriano. E ao contrário do que possam pensar, não sou indeciso por isso. Mas sou decidido por quase tudo. Frio ou calor? Praia ou montanha? Feijoada completa ou só uma couve-florzinha cozida no vapor sem sal nem dada? Paris ou Bangladesh? Pelé ou Maradona? Noite estrelada ou oliveiras com Sol amarelo? Minha resposta é: todas elas; sem dúvidas.

Daí, chegando na arte com isso, sendo quem sou, tenho essa dificuldade incrível de: separar.

É como se pra mim só houvesse a poesia. Tanto em arte, quanto na vida. A poesia ou sua insuportável ausência.

Linguagens artísticas são só nuances. Assim como as línguas, idiomas… são apenas vislumbres do que realmente pode haver – ou não: comunicação. Para mim, minha língua materna sempre foi o silêncio. Só ele dá conta: sem contar. Todo o resto é tentativa e errância. Nisso, tenho me permitido o fazer artístico – ou arteiro – pelos anos. Sempre numa intenção de partilha. Aprendi a entender isto melhor agora que sou pai… Fé, meu filho, está o tempo todo descobrindo coisas suas, de si pra si. Ao mesmo tempo: está constantemente em busca dos encontros… se inspira nos outros, em nós; quer dividir a sua experiência; mostrar e assistir; dar e ter. É também assim que me sinto.

De vez em quando eu descubro que tenho mais leitores e leitoras do que penso. Costumo sentir que tenho tenho três; ou quatro. Mas daí parece que chegam mesmo a ser dez, onze pessoas. Uma dúzia delas, até. E também percebo que nem todas são pessoas que eu já conhecia antes… as amigas que leem por amor e amizade, pra salvar um pouco a gente dessa solidão. Descobri por exemplo esta semana duas pessoas assim: que eu não conheço, mas que leem tudo que publico. Essas pessoas devem sentir o quanto aparentemente eu me repito. Um professor na universidade – e o homem que me ensinou a dançar – disse que minha escrita é mântrica. Que vou aos círculos, parecendo regulares mas, que a cada volta, afundo mais – ou elevo… como se quisesse espiralar. Em todo giro nasce uma ponte, dou mais um nó – ou desato; ligo um ponto novo.

Portanto essas pessoas, leitoras, devem ter lido já muitas vezes essa história: de que eu era uma criança pobre e tímida na periferia, deslocada, com jeitos de autista, que fazia arte de gaveta, como um mecanismo puro e simples de sobrevivência, contra a autoexplosão e outros dilemas, que sem querer entrei na faculdade de educação física, que ainda não tinha me encarnado totalmente, e que acabei depois por acidente virando artista de circo em meio a tudo aquilo, acrobata, palhaço, e que seguindo, entre ser missionário, monge, garçom, demolidor, campesino e mais um monte de coisas, fui me aventurando pela dança, teatro, mexendo com as artes visuais, e que o tempo todo a literatura e a música estiveram comigo, até chegar à performance, à curadoria etc etc etc. Então, por respeito a essas pessoas, hoje: não vou contar isso tudo neste texto, de novo, aprofundando nos detalhes. Mas, vale dizer que: nesta lista, que vim aqui apresentar… cada detalhe conta.

Se o Cafú levou lá uns dez nãos, pra poder jogar num time… posso dizer que minha lista nisto então: é bem maior. Aqui cabe dizer que não sou muito de bater martelo em julgamento. Eu passo por histórias, sim… faço inferências, sinto, penso; intuo. Mas não gosto disso: sentenciar pessoas. Portanto, embora me pareça que Monk seja uma referência de humana ainda mais forte que de ótima artista: eu não tenho certeza. Não sou ninguém pra julgar a Zélia… suas necessidades reais, sua condição no mundo. Nem sei quem foi Van Gogh de fato – sua história nas minúcias… pra afirmar com segurança isso ou aquilo. Ou seja: não digo que foi mais fácil pro Cafú, que pra mim. No fundo eu só quero dizer que cada pessoa tem a sua história. E que, no máximo, só ela saberá o que significa. Cada poeta tem os seus poemas… por mais que – voltando à canção: não cansemos de nos plagiar.

Eu levei incontáveis nãos até aqui – ainda essa madrugada me veio um da China. Mas também sins, que foram me salvando e permitindo que a caminhada chegasse a esse ponto. Tenho ainda uma incômoda – trágica, cômica – coleção de segundos lugares e outros quases, na trave, que nem vou listar aqui.

São nãos de instituições, editais, classes, grupos, coletivos, categorias, pessoas. E nãos históricos, sociais, pesados pra mim e ainda muito menores que os nãos de tantas pessoas mais além de mim. Pessoas mais negras, pessoas mais pobres, pessoas mais mulheres… pessoas mais indígenas, mais estrangeiras, mais ciganas… uma lista muito grande de pessoas mais atingidas que eu, por nãos muito maiores e excludentes. Isso tudo reflete em nãos técnicos, econômicos; temporais. E daí tantos projetos impossíveis ainda; tanta coisa incompleta, interrompida…

Mas não é só isso. A vida não cabe nas coisas, de qualquer modo. Se um artista trabalha com a vida, ele vai sempre estar parindo, gerando; tecendo. Sempre correndo atrás da vida… e a vida atrás dele.

Veem? Eu achei que este texto teria só uma página, curta, falando sucinto dessa lista. E vejam aonde chegamos. E ainda não falei das circunstâncias da vida… Plantar uma horta pra se ter o que comer, ajudar no sustento, no orçamento… e o tempo de cuidar disso; ter um filho e não querer ser o pai que você teve, no sair às seis da manhã e voltar à meia-noite todo dia do trabalho; querer partilhar com a companheira o lavar das fraldas, das louças, o preparo da comida, o cuidado com a flor; estar ali quando seu filho disser a primeira palavra, quando der o primeiro passo, quando levar o primeiro tombo…

E mais ainda sem dizer que: se eu estiver feliz, minha casa estiver feliz, mas a minha comunidade de origem não… se a minha linhagem mestiça nos falsos enquadros das minorias também não, seja aqui ou em qualquer outra povoação, do planeta, não é possível que eu esteja plenamente feliz em minha casa. É preciso fazer arte por isso, tanto quanto.

Em suma: não falei de nada dessas coisas, nem ainda dessa pós-modernidade esmagadora. O Kali Yuga abismal em que estamos. Nem do quanto a Terra se adoeceu de nós, apresentando febre, diminuindo seus campos eletromagnéticos, pervertendo a alma do tempo que temos, até ele quase sumir de nós – embora os ponteiros ainda marquem o mesmo. Por todas essas razões, nossa demanda por projetos é gigantesca. No entanto: ainda somos muito limitados…

Mas enfim – deve ser a segunda vez que uso esta expressão; como fosse de fato concluir alguma coisa: por tudo isso – e por um amor impressionante que sinto pela vida – tenho me perdido entre projetos. Tentando me encontrar; dar passos no caminho. Às vezes espero, como outras tantas poetas – imagino – que alguma legitimidade venha de fora. Ou respaldo. Uma chancela, algum selo; a inserção desses projetos em alguma dessas listas… “oficiais”, importantes… pra que eles – e nós – possam(os) existir. Outras vezes esperamos mesmo que questões práticas – mais simples, mas também complexas – se organizem minimamente para isto; pra existirem. Seja como seja, nossos projetos de poesia estão sempre nessa condição ambígua; sempre de algum modo desafiadora.

Rafa Carvalho/Arquivo Pessoal

Rafa Carvalho/Arquivo Pessoal

Pois bem… é como se este texto começasse aqui: eu tenho pesquisado muito as noções de legado, humano, que temos no mundo. Idéias de raiz e herança. Linhagem. Como também sempre gostei dos relicários. Junto essas tranqueiras, que muitos dizem assim… mas que pra mim importam muito; são de um imenso valor.

E nesta nova sessão, que começamos hoje – a 400 mil projetos: vou deixar um inventário.

Sinceramente, não sei quanto tempo mais eu sobrevivo… na vida ou na arte. E morra onde morrer, não quero ficar com tudo isso só pra mim. Mesmo que pra muita gente isso tudo não signifique nada. Se o poeta é um ser do mundo, e elabora a inutilidade das coisas, é questão de inutilidade pública que sua produção esteja disponível. Como compositor, tentei contar quantas canções já tenho feitas nesses 16 anos… a primeira assim mais consciente que eu me lembre foi aos 18, morando na Dinamarca; um sambinha chamado “joão de barro”… e parei quando cheguei nas 50. A maioria dessas nunca foi ouvida por ninguém, nunca saíram da gaveta. Algumas na verdade sequer foram pra ela; seguem apenas na caixola. E esses dias comecei por gravá-las, aqui em casa, uma a uma… à capela, batucando objetos, arranhando o violão, num pandeiro ou tambor. Duas delas já foram pro ar e a idéia é seguir publicando tudo. Deixá-las no mundo. Às vezes alguém pode querer gravar, ou aprender pra tocar numa rodinha… Uma bailarina uma vez transformou um vídeo caseiro meu tocando “o fabuloso fim de semana de amélias, amoras e eus” com o Diogo Nazareth em mp3, anos atrás, e saiu ouvindo isso por São Paulo, colorindo os cinzas. Uma poeta ouviu “pitanga” ao pé do ouvido numa tarde de papos à toa e anos depois me gravou uma mensagem cantando ela inteirinha de cor. Outra vez Laura, uma criança de Valinhos – que me viu cantando na praça com sua tia – começou a ouvir a “nina” pra dormir todas às noites. E “véia” – uma dessas duas que já publiquei – foi chegar lá na Polônia, sabe-se lá como, pro bebê Orionas ouvir… e se acalmar. De repente uma música dessas faz parte da vida de alguém que não sei… e eu não posso impedir que elas se encontrem. Na verdade o artista talvez devesse viver – e morrer – pelo contrário deste impedimento: liberdade; e permissão.

Mas enfim – esta é a terceira vez em vão que uso isso: assim como comecei a fazer com as canções, composições minhas ou, como prefiro, que passaram por minha mediação pra se aterrarem aqui, entre nós… nesta sessão, vou trazendo, um a um, todos os projetos que lembrar.

Coisas que criei há muito tempo, outras mais recentes. Algumas que vêm sendo desenvolvidas faz anos. Outras em que ainda devo principiar. Um inventário mesmo. Uma lista – só que do tipo que eu gosto, horizontal, tranquila; sem prioridades… Arquivo, cardápio; catálogo. Como preferirem. Faço isso como mecanismo de sobrevivência pra mim; como os poemas de gaveta lá do início. E faço isso como meu filho, também: de mim pra mim, mas sempre buscando a partilha. Tendo vocês como referência, dando enquanto tenho, recebendo; apresentando; e assistindo.

Importa dizer aqui que, pra mim, os projetos nunca são acabados, nunca terminam totalmente. E da mesma forma: eles nunca começam senão que… sempre foram. Em outras palavras: tudo é processo. Tudo é em curso; fluxo e trabalho. O tal do work in progress, que acostumamos falar em inglês. Emprego de energia; movimento. Compromisso. Na arte e na vida. É um pouco assim que eu vejo. Que encaro meus fazeres vitais… artísticos. E é assim que experimento meus projetos, como os que trago aqui, nesta sessão.

Ninguém é obrigado a contar a minha história. Mas eu posso. Ninguém foi obrigado a cuidar do Van Gogh, ou seria de mim; mas nós devemos nos cuidar. Ninguém tem obrigação de entender a arte da Meredith Monk. Mas ela – e nós – pode(mos) tentar.

Eu… que amo as histórias das outras pessoas, que as busco como sendo também minhas, que reparo nelas com a atenção que meu filho tem ao reparar em mim… que trago pra minha literatura muito disso, sobretudo pensando nas histórias que não são contadas por quem se administra nesse posto de contar a História – pretensiosamente singular e maiúscula… que tento fazer assim uma literatura cada vez mais nossa… me permito: aqui neste espaço, de ensaio, memória biográfica e autoficção, retrilhar com quem quiser os caminhos que trouxeram ao que hoje sinto por vida; e arte. Como cheguei nessa noção prática, alheia às teorias antes inacessíveis em meu processo… criada fora das formalidades, na ausência de livros, referências dentro dos padrões. Como foi chegar a uma noção de arte, contemporânea e perene, sem passar por salas e salões reconhecidos, vindo desta precariedade que acomete muitos; mas que também é a nossa riqueza: como é ter mestres literários que são analfabetos, nunca foram à escola ou a largaram logo no primário, que nunca lançaram livro… Como é a sua inspiração de moda vir da costureira do bairro, seu elogio do canto vir da alma da voz… sua referência de artista vir de artistas que possam ser também – e principalmente – referências de pessoa, humana, e de como podemos – e precisamos – coletivamente ser neste mundo.

Então é mais ou menos isso… No meio de um texto outro aqui, uma carta nova lá, um poema, uma crônica… vou enchendo esta sessão com meus 400 mil projetos ou mais. Ou menos. E vocês sejam bem-vindas. Eu sei o quanto soo autorreferente quase sempre. Sei dos riscos que isso representa. Mas no fundo, tudo o que eu quero: é partilha. Dar o que tenho; ter o que nosso. Nós temos nossas experiências; nossa solidão. Temos também a demanda do encontro.

Foi isso que eu sempre trouxe pra cá. É isso o que eu sempre quero quando me atrevo a algo novo, se me lanço num projeto… É isso, portanto, que vai ter também nesta sessão; juntando tudo.

E aproveitando: se você é uma pessoa dessas, amiga, que por amor lê essas tranqueiras minhas… valeu demais. Mas se ao invés disso você for uma dessas, que eu ainda não conheço, mas que está por aqui, lendo… valeu demais também.

Vivo querendo esse mundo onde a gente se reconheça. E fico feliz pra caramba quando vendo um livro meu, compreensivelmente… é a chance de pagar um pedaço de conta, botar algum tanto na mesa, do sustento. Mas quando alguém aparece pra contar qual seu personagem favorito do meu livro, ou pra dizer que meu texto é imaturo trazendo-me maduros argumentos que me ajudem a crescer. Quando alguém vem contar uma história sua, confiando em mim, movendo-se por algum projeto meu. Se vejo o vídeo de uma criança lá longe curtindo uma musiquinha minha mal gravada, em casa… sendo feliz. Se uma menina que foi abusada pelo avô, ficando em silêncio completo, traumático, por meses, volta a falar bem numa atividade que medio em sua escola. Ou se deparo com alguém me confessando, que desconsiderou suicidar-se depois de um texto meu; que vem se curando das depressões ao passo em que avançamos juntos na conversa… aí não é sobre pagar uma conta, comprar comida: é sobre sentir que a vida tem valido a pena. Porque eu enfrento essas coisas todas aqui também… Como acredito que enfrentem todas as pessoas: as poetas, as artistas, as famosas, premiadas, as presentes nas listas importantes, cheias de seguidores e curtidas; todas.

Mas assim, ao menos… sinto que vou andando junto com quem leio. E com quem me lê.

Veem? No final, é só um jeito de estar junto. E partilhar o que se sente.

Enfim – ainda sem concluir, mas pra acabar: pra vocês dez, onze pessoas – até uma dúzia, quem sabe… e pra toda posteridade, vêm aí: 400 mil projetos.

Sobre Rafa Carvalho

Rafa Carvalho é poeta apesar de tudo. Em 15 anos de carreira, são 21 países, por quase todos continentes, trabalhando com Arte, Educação e fazendo de tudo, porque tudo é o que a Poesia pode ser. E, para quem acha que Poesia não é profissão, ele já trabalhou de garçom em inúmeros estabelecimentos, na demolição civil escandinava como imigrante parcialmente legal e, atualmente, está desempregado.