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Muito, muito amor
Walter Mercado, em documentário na Netflix (Foto Divulgação)

Muito, muito amor

Por Eduardo Gregori

Documentário da Netflix conta a história do vidente que conquistou o Brasil e mundo.

Ligue Djá! Quem tem mais de 40 anos se lembra bem deste bordão. As televisões brasileiras foram tomadas de assalto pelo rosto andrógino e guarda-roupas rocambolesco do vidente porto-riquenho Walter Mercado. Aliás, não apenas por quem tem mais de 40 anos. Ao estrear o documentário Mucho, Mucho Amor: The Legend of Walter Mercado, a Netflix prova que o vidente é um ícone atemporal, transformando-se em uma referência para pessoas não-binárias (que não se identificam comum gênero) e com a geração de millennials, através de memes que espalham-se pela internet.

Confesso que antes de assistir a este filme, Walter Mercado era para mim apenas uma figura exótica criada pela televisão dos anos 1990. Seu personagem foi muito famoso no Brasil e frequentou centenas programas de televisão.

Mas, Mucho, Mucho Amor revela que o Sr. Ligue Djá foi muito mais do que um rosto maquiado, androginia, joias e uma capa. Dirigido por Cristina Costantini e Kareem Tabsch, o documentário remonta a vida de Walter desde seu nascimento em 1932 na pequena vila de Ponce, no interior de Porto Rico e de como seu destino místico já estava traçado.

O próprio Walter conta a história de que viu um passarinho quase morto no chão e o apanhou “Eu soprava e dizia para voar”. E o passarinho se recuperou e saiu voando. Uma vizinha que viu a cena espalhou pela cidade que o menino tinha o dom da cura. A infância de Walter então se converteu em uma peregrinação de pessoas à sua casa, que iam pedir-lhe bênçãos. Walter lembra que nesta época ficou conhecido como Walter dos Milagres.

O vidente conta que desde pequeno sentiu-se diferente. “Meu irmão jogava bola e era mais próximo do meu pai. Eu gostava de arte e me aproximei mais de minha mãe”. E foi a mãe que mais o apoiou. “Se você acha que é diferente, então vai crescer diferente. Vai crescer como quiser”, lembra. Walter conta que, ao se julgar diferente do irmão e dos jovens que o rodeavam, usaria sua maneira de ser para fazer com que se destacasse.

E foi assim que sua vida correu. Estudou teatro e dança. Subiu aos palcos de sua cidade natal, participou de vários balés, peças de teatro e atual em uma dezena de novelas na televisão porto-riquenha.

O acaso levou Walter para um outro nível em sua carreira. Durante a promoção de uma peça teatral no canal Telemundo, então o mais importante dos Estados Unidos em língua hispânica, Walter, vestido como a túnica de seu personagem da peça, leu um horóscopo. As linhas telefônicas da Telemundo congestionaram pedindo mais e mais previsões. O sucesso foi imediato e Walter foi contratado. Logo o quadro que passou a apresentar foi estendido para uma hora até passar a ser um programa inteiro.

O documentário percorre a escalada do sucesso de Walter e mostra uma entrevista que o vidente teve com a jornalista Marilia Gabriela. O Brasil, de acordo com o filme, era uma das maiores ambições de Walter, uma vez que era o segundo maior mercado televisivo do mundo. Além de tratar de toda parafernalha rumo ao estrelato e todo o tempo em que esteve no topo, o documentário passa pelos perrengues de Walter e sua luta de seis anos contra o ex-empresário Bill Bakula, que conseguiu arrancar de Walter todos os seus direitos, incluindo o nome e a sua própria imagem.

O embate, vencido pelo vidente, tirou-lhe também a saúde. Dois dias depois do veredicto final, Walter sofreu um ataque cardíaco. Aos 87 anos, Walter Mercado pode ver uma bela homenagem prestada pelo Museu de Miami no ano passado sobre seus cinquenta anos de carreira. Além de lotar as instalações, o evento “paralisou”a internet com centenas de fotos e mensagens de carinho ao vidente postadas em todas as plataformas e redes sociais.

Como era de se esperar, Walter fez sua aparição na noite da abertura da mostra da maneira mais exótica possível: sentado em um trono dourado. Em novembro do ano passado, já bastante debilitado pela idade, Walter morreu em San Juan, capital de Porto Rico.

Para o próprio vidente, que não gostava de tocar no assunto morte, sua presença será eterna. “Eu fui uma estrela, mas agora sou uma constelação”.

Sobre Eduardo Gregori

Eduardo Gregori é jornalista formado pela Pontifícia Católica de Campinas. Nasceu em Belo Horizonte e por 30 anos viveu em Campinas, onde trabalhou na Rede Anhanguera de Comunicação. Atualmente é editor do blog de viagens Eu Por Aí (www.euporai.com.br) e vive em Portugal