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Pavimentação com asfalto de rua histórica na Vila Industrial gera revolta
Rua João Teodoro, na Vila Industrial, que era de paralelepípedo, agora asfaltada: pavimentação gerou mobilização que resultou em pedido formal de tombamento do sítio histórico (Foto Ana Villanueva)

Pavimentação com asfalto de rua histórica na Vila Industrial gera revolta

Por José Pedro Soares Martins

A arquiteta Ana Villanueva acordou com um tremendo susto na manhã desta segunda-feira, dia 24 de agosto. A sua casa na rua Alferes Raimundo, na Vila Industrial, estava trepidando. “Achei que era terremoto, quase!”, ela escreveu, em um post em rede social. Logo ela descobriu que a trepidação decorria da pavimentação da rua – que era coberta de paralelepípedos – João Teodoro, uma das principais vias de um dos mais importantes bairros da história de Campinas. A Vila Industrial foi formada como local de moradia dos operários das ferrovias e primeiras indústrias campineiras, desde a últimas décadas do século 19, e estão nela alguns dos bens tombados no município.

“A vila industrial é um dos bairros mais antigos de Campinas e um dos que preservam grande parte da memória da cidade, com suas casas que datam do final do século 19 e início do 20. Ainda está relativamente preservada dado o isolamento feito pelos trilhos das companhias férreas”, comenta a arquiteta Ana Villanueva, que é formada pela PUC-Campinas e é doutora em História pela Unicamp.

Ela nota que a existência de paralelepípedos centenários no bairro “compõe o cenário histórico assim como ajuda na permeabilidade do solo e destruí-los é também tirar parte da nossa memória coletiva”, ela lamenta. Para ela, neste dia 24 de agosto de 2020 “a Prefeitura iniciou um processo de pavimentação desnecessário que está destruindo mais um pouco da nossa história”.

A arquiteta Ana Villanueva trabalhou na Prefeitura durante anos, na Coordenadoria do Patrimônio Cultural, e tem profunda ligação com a proteção do patrimônio histórico local e de outras cidades. Trabalhou por exemplo na requalificação do centro da cidade de São Paulo como gestora de projetos junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em especial com o restauro do Teatro Municipal de São Paulo, a Biblioteca Mário de Andrade e a Casa da Marquesa de Santos.

Na sua opinião, a trepidação das máquinas também pode causar “danos às estruturas das antigas casas operárias, incluindo a igreja São José. Muitas destas casas são tombadas e as que não são fazem parte de um contexto do patrimônio ambiental urbano”, completa a especialista que, muito indignada, tentou acionar os órgãos de proteção do patrimônio histórico e cultural de Campinas.

Ouvido pela Agência Social de Notícias, o historiador Henrique Anunziata, da Coordenadoria Setorial do Patrimônio Cultural, órgão técnico do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc), afirmou que “sem tombamento não há o que fazer”.

Rua Salles de Oliveira, na década de 1960, quando estavam sendo retirados os trilhos do bonde: via pública com paralelepípedo, compondo a memória histórica da Vila Industrial e de Campinas (Foto Acervo Museu da Imagem e do Som de Campinas Coleção Fotógrafo Gilberto de Biasi)

Rua Salles de Oliveira, na década de 1960, quando estavam sendo retirados os trilhos do bonde: via pública com paralelepípedo, compondo a memória histórica da Vila Industrial e de Campinas (Foto Acervo Museu da Imagem e do Som de Campinas Coleção Fotógrafo Gilberto de Biasi)

 

Segundo o historiador, a rua João Teodoro e outras da Vila Industrial que estão sendo pavimentadas com asfalto não foram tombadas após o devido processo no Condepacc e, portanto, não haveria impedimento para as obras. Ele nota que a comunidade poderia ter feito uma solicitação nesse sentido na Prefeitura e ela seria analisada pelos órgãos técnicos. Apenas uma via pública de Campinas, segundo ele, já foi tombada a pedido de moradores pelo Condepacc. Os bens tombados pelo órgão são geralmente edifícios históricos.

A arquiteta Ana Villanueva, uma das principais referências em proteção do patrimônio histórico em Campinas, que teve Bolsa CAPES de Doutorado em Lisboa, Paris e Florença, nota que além do tombamento legal existe a questão da memória, que deve ser observada. E a importância da memória histórica da Vila Industrial é inquestionável.

Entre outros bens tombados no bairro estão a própria Igreja São José, que no próximo ano completa 100 anos de atividades, e o Teatro Municipal Castro Mendes, estruturado onde funcionava o Cine Casablanca. O bairro está no limite do complexo ferroviário de Campinas, que tem vários itens também tombados.

É todo um conjunto histórico envolvido e que inclui as ruas de paralelepípedo, devidamente mantidas em algumas das principais atrações históricas e culturais do país, como no caso das cidades históricas de Minas Gerais e do piso “pé de moleque” nas ruas centrais de Paraty (RJ). Em plena pandemia, com o desaparecimento de ruas de paralelepípedo também somem algumas referências históricas de Campinas.

 

 

 

 

 

 

 

 

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