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Campinas, a metrópole que tem enfrentado a pandemia com arte, ciência e ação social
Pesquisadores trabalhando no LEVE, uma das unidades da Unicamp que intensificaram seus esforços no contexto da pandemia (Foto Liana Coll - SEC/Ascom Unicamp)

Campinas, a metrópole que tem enfrentado a pandemia com arte, ciência e ação social

Por José Pedro Soares Martins

Uma força-tarefa criada pela reitoria rapidamente mobilizou a Unicamp para o enfrentamento da pandemia, dando novos usos para os espaços da Universidade e mobilizando recursos humanos e materiais. Na área social, as mais diversas organizações, como Fundação FEAC, o Instituto Padre Haroldo e o MAE Maria Rosa, se redobraram para continuar mantendo suas atividades e assistindo milhares de famílias de baixa renda. No campo das artes, os diferentes espaços e atores, como a Rabeca Cultural, Instituto Anelo e o Coletivo Margem Cultural, se reinventaram com o oferecimento de eventos remotos e que também mobilizaram os mais diversos atores.

Sede de Região Metropolitana que leva o seu nome desde junho de 2000 e recentemente classificada pelo IBGE como metrópole, Campinas sofreu como todos grandes núcleos urbanos brasileiros os impactos da escalada da pandemia de Covid-19. Até a manhã de 19 de setembro, sábado, a cidade de mais de 1,1 milhão de habitantes tinha registrado 31.589 casos e 1.181 óbitos pela doença.

Os efeitos da pandemia na saúde pública, produção econômica e área social são evidentes e ainda estão longe de ser devidamente mensurados. Entretanto, nas mais diferentes áreas e dimensões a cidade manteve o seu dinamismo, com respostas e ações criativas relacionadas ao enfrentamento da Covid-19.

Unicamp: sempre na busca de soluções para desafios sociais (Foto Martinho Caires)

Unicamp: sempre na busca de soluções para desafios sociais (Foto Martinho Caires)

Ciência e tecnologia

Campinas é sede de um dos mais importantes polos científicos e tecnológicos da América Latina e a cidade se mobilizou rapidamente para contribuir com estudos e pesquisas relacionadas ao novo coronavírus. Ações de múltiplo espectro foram tomadas desde o início da pandemia na Unicamp, responsável por boa parte das pesquisas realizadas no país vinculadas ao enfrentamento da Covid-19.

Ligado ao Instituto de Biologia, o Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (LEVE) é uma das principais unidades no esforço da Unicamp contra a pandemia. O LEVE é o único laboratório nível 3 de biossegurança na Região Metropolitana de Campinas (RMC).

Entre outras frentes de atuação, o LEVE contribuiu para a rápida montagem de um laboratório de referência capacitado para executar diagnósticos em larga escala. Houve então um grande empenho para aumentar a capacidade do Laboratório de Patologia Clínica (LPC) do Hospital de Clínicas da Universidade, que inicialmente promoveu diagnósticos em funcionários e pacientes e, depois, estendeu os exames para a comunidade em geral.

Outro eixo de atuação do LEVE tem sido na análise de medicamentos que possam ser eventualmente aplicados no tratamento de infectados pelo novo coronavírus. São fármacos disponíveis no mercado e que poderiam ser usados em protocolos de tratamento.

O LEVE também tem atuado na busca da melhor compreensão da dinâmica de circulação do novo coronavírus, o SARS-Cov-2. “É preciso por exemplo analisar a variabilidade do vírus, dependendo de sua porta de entrada no país, se foi da Itália, da China ou outro país”, comenta o professor de Virologia do Departamento de Genética, Evolução e Bioagentes do Instituto de Biologia (IB) José Luiz Proença Módena, que é coordenador do LEVE, apenas um dos vários elos da rede constituída na Unicamp contra a Covid-19.

De fato, várias iniciativas foram deflagradas pela reitoria, logo no começo da pandemia, para preparar de modo apropriado a Universidade para o grande desafio de enfrentamento da crise sanitária, segundo as suas atribuições, de promover o ensino, a pesquisa e a extensão.

Mas a contribuição da Universidade, com diagnósticos, equipamentos de alta precisão, leitos de UTI e pesquisas em geral, implica em investimentos e a Unicamp já vinha buscando há alguns anos alternativas para equilibrar o orçamento, No novo cenário criado pela pandemia, a reitoria desencadeou um elenco de medidas para fomentar doações e outras ações voluntárias, contribuindo com a batalha contra o SARS-CoV-2.

Uma dessas medidas foi a criação de um grupo de trabalho voltado para estimular doações para as ações da Unicamp. O grupo viabilizou um site na Internet, o ajude.unicamp.br, com todas as informações sobre doações e sua destinação. “Era fundamental assegurar a credibilidade e a transparência e essa tarefa vem sendo alcançada com o site”, comenta Marilda Bottesi, professora aposentada da Unicamp e que coordena o grupo de trabalho, de forma voluntária. Ela comenta que o site foi idealizado e colocado em operação pela ação voluntária, entre outros da Agência Sabiá e seus profissionais.

Ampliação de leitos da UTI nas unidades mantidas pela Unicamp, antes e depois de doações de várias fontes e remanejamentos (Fonte ajude.unicamp.br, 11.08.2020)

Ampliação de leitos da UTI nas unidades mantidas pela Unicamp, antes e depois de doações de várias fontes e remanejamentos (Fonte ajude.unicamp.br, 11.08.2020)

 

O site exibe igualmente vários depoimentos de pessoas conhecidas na mídia, sobre a importância das doações para a Universidade. São artistas como Gilberto Gil, Bárbara Paz e família Chitãozinho & Xororó, personalidades do esporte como Magic Paula e Maurício Lima e acadêmicos como Leandro Karnal e o próprio reitor Marcelo Knobel.

No momento o grupo de trabalho está preparando os próximos passos para fomentar as doações e um deles será a articulação de campanhas com propósitos específicos, para compra de equipamentos e outros recursos necessários à continuidade do esforço da Unicamp contra a Covid-19. Por exemplo, a campanha por aquisição de mais um tomógrafo tem a meta de arrecadação de R$ 3,3 milhões.

Desde o início da pandemia a Unicamp já arrecadou R$ 14,5 milhões em doações, que foram investidos em itens como a ampliação dos leitos de UTI para os casos mais graves, a compra de equipamentos de proteção individual (EPIs) e outros insumos necessários para a proteção dos profissionais de saúde e em recursos para a continuação de uma série de pesquisas e execução de diagnósticos.

Entre outros doadores, o Ministério Público do Trabalho (MPT) destinou ainda em março cerca de R$ 1,4 milhão para a compra de EPIs e outros insumos necessários ao trabalho dos profissionais de saúde da Unicamp. Os recursos são resultantes de saldos remanescentes de ações trabalhistas que tramitam na 5ª Vara do Trabalho de Campinas e na 4ª Vara do Trabalho de Jundiaí.

Outro caso de ação voluntária foi o das duas lives promovidas no espaço cultural Alma Coliving, pelas bandas campineiras de rok e folk Charcot Marie e Folkson, resultando na arrecadação de R$ 12 mil, destinados ao Hospital de Clínicas da Unicamp. Mas a Universidade ainda precisa muito mais, daí as novas ações do grupo de trabalho criado pela reitoria.

Funcionários e voluntários da MAE Maria Rosa na distribuição de alimentos (Foto Divulgação)

Funcionários e voluntários da MAE Maria Rosa na distribuição de alimentos (Foto Divulgação)

Ação social

Organizações da sociedade civil de Campinas intensificaram seus esforços desde o início da pandemia. A Fundação FEAC, que mantém parcerias com mais de 100 organizações sociais, criou o Mobiliza Campinas, uma ação voltada para arrecadação de recursos destinados à compra de alimentos e outros itens essenciais para famílias de baixa renda.

De o início da campanha, no mês de abril, foram arrecadados mais de R$ 6,3 milhões, investidos em cartões de R$ 200,00 cada, que podem ser trocados pelas famílias beneficiadas no comércio local. Os cartões são distribuídos por uma rede de 65 instituições parcerias da Fundação FEAC e já beneficiaram a mais de 6.300 famílias de diversas regiões de alta vulnerabilidade social.

Outra organização mobilizada durante a pandemia é o Movimento Assistencial Espírita (MAE) Maria Rosa, que tem feito ações pela arrecadação de alimentos destinados a famílias do Jardim Campineiro e outros bairros próximos. É o mesmo propósito de outra instituição, Os Seareiros,  responsável por unidades assistenciais, educativas e espirituais como a Casa de Jesus e o Núcleo Mãe Maria.

As unidades de Os Seareiros têm se empenhado particularmente na aquisição de cestas básicas para as famílias cadastradas. Cada cesta básica é composta por 17 itens, como arroz, feijão, açúcar, sal, café e macarrão. “Nesses momentos difíceis que passamos, é importante lembrar que podemos ser úteis na seara do bem, ajudando como podemos, inclusive materialmente”, diz o presidente de Os Seareiros, José Natalino de Oliveira. Contatos com a organização podem ser feitos por contato@seareiros.org.br ou ligando no telefone (19) 9 9944 4258.

O Instituto Padre Haroldo, que leva o nome do religioso benemérito, falecido em novembro de 2019 aos 100 anos, tem feito várias ações para manter suas atividades junto a famílias de baixa renda. Muitas toneladas de alimentos de itens de limpeza e higiene já foram arrecadadas e encaminhadas com esse objetivo.

Nos dias 29 e 30 de agosto, por exemplo, o IPH promoveu o evento Sapori D´Italia, em sistema drive thru, na sede da entidade, das 11 às 15 horas. A iniciativa contou com a expertise de Jurandir Meirelles, chef do Restaurante Único,  e o apoio da Farinhas Renata e do Instituto EPTV. O evento Sapori D´Italia foi idealizado para que, durante o período de pandemia de COVID-19, a entidade tenha suas ações fortalecidas, visando continuar atendendo o público em situação de vulnerabilidade social.

Outro exemplo de ação social durante a pandemia foi aquela promovida no dia 6 de junho pela Aliança Francesa Campinas, em benefício de uma comunidade do Jardim Fernanda, na região do Aeroporto Internacional de Viracopos. Entre as 9 e 16 horas, foram coletados alimentos e kits de limpeza em benefício de 130 famílias. A coleta aconteceu no pátio da unidade Cambuí da Aliança Francesa Campinas.

A Aliança Francesa Campinas realizou o evento em apoio à iniciativa de uma aluna de 13 anos do Colégio Notre-Dame, que decidiu fazer uma ação, no cenário da expansão da Covid-19, com a ajuda de sua prima e de sua mãe, assistente social. Juntas, elas escolheram ajudar a comunidade do Jardim Fernanda, que tem hoje 18 mil habitantes.  Neste projeto foram cadastradas 130 famílias.

Guilherme Ribeiro é pianista, acordeonista, tecladista, compositor e arranjador (Foto Edis Cruz/Divulgação)

Guilherme Ribeiro é pianista, acordeonista, tecladista, compositor e arranjador (Foto Edis Cruz/Divulgação)

Cultura 

Na área cultural, o fenômeno da proliferação de lives também foi registrado em Campinas, onde as diferentes linguagens artísticas procuraram manter suas atividades, com todas as limitações impostas pela pandemia.

Um exemplo é o do Instituto Anelo, organização voltada para o ensino de música e localizada do Distrito do Campo Grande, em Campinas. O Anelo promoveu várias lives desde o início da pandemia, como no dia 22 de agosto, em seu canal oficial no Youtube.

A live foi realizada para o lançamento do vídeo de “Cadê a Marreca”, composta pelo multi-instrumentista Arismar do Espírito Santo, que participa da obra tocando cavaco e foi um dos convidados do evento virtual. Este é o terceiro vídeo da Orquestra Anelo produzido a distância durante o período de isolamento social, decretado devido à pandemia da Covid-19 – os outros foram “Uma Samba Pra Laís”, de Josimar Prince, e “Loro”, de Egberto Gismonti.

Além de Arismar do Espírito Santo, participaram da live o coordenador geral do Instituto Anelo, Luccas Soares, e outros integrantes da Orquestra, como Guilherme Ribeiro, maestro titular e arranjador. “Essa é uma música que já fez parte do repertório da Orquestra no seu início, quando o grupo ainda não tinha seus naipes completos”, comentou Guilherme Ribeiro. “Por essa razão, o arranjo sofreu modificações a partir da entrada de novos integrantes. É um arranjo antigo com cara de novo”, explicou.

O Instituto Anelo continuará oferecendo seus cursos, no segundo semestre de 2020, nos projetos Brincando com os Sons (musicalização infantil); Instrumentos e Canto (baixo, bateria, canto coral adulto e juvenil, flauta doce, flauta transversal, saxofone, violão, violino, teclado e trombone); Sanfônica (aulas de acordeon); e Prática de Banda (música em grupo). Em função da Covid-19, os cursos do Instituto Anelo passaram a ser realizados on-line, via grupo de WhatsApp, com aulas gravadas e por videoconferência em horário pré-determinado.

Arte de live promovida pelo coletivo Margem Cultural

Arte de live promovida pelo coletivo Margem Cultural

O Coletivo Margem Cultural, que atua na promoção da arte periférica, também realizou vários encontros virtuais, com temas instigantes como “Negritude e Universidade: ocupação, empoderamento e representatividade” (esta, em parceria com a Campanha Periferias contra o Covid) e “Periferia vai à Universidade – Caminhos para um futuro”.

Outro exemplo de reinvenção em função da pandemia é o Rabeca Cultural, espaço localizado no distrito de Sousas e que tem realizado vários cursos e outros eventos durante a crise sanitária. O Rabeca Cultural On Line promoveu, entre outros, pela plataforma Zoom, um ciclo de estudos sobre grandes cineastas, como Quentin Tarantino, M. Night Shyamalan, David Fincher e Wes Anderson. O ciclo foi mediado pelo diretor, roteirista e produtor de cinema Hamilton Rosa Jr.

A confirmação de que a área cultural de Campinas não ficou parada durante a pandemia foi a aprovação pela Câmara Municipal, na sessão virtual realizada no dia 17 de setembro, das leis criando o Sistema Municipal de Cultura, o Plano Municipal de Cultura e o Conselho Municipal de Políticas Culturais.

Uma jornada de sete anos, concluída durante o crítico período da pandemia. Mais um exemplo da vitalidade de Campinas, metrópole que teve de se reinventar para enfrentar os múltiplos desafios provocados pela Covid-19.

Sobre ASN

Organização sediada em Campinas (SP) de notícias, interpretação e reflexão sobre temas contemporâneos, com foco na defesa dos direitos de cidadania e valorização da qualidade de vida.