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Campinas apresenta microflorestas para reduzir desigualdades históricas no mapa das áreas verdes
Prefeito Dario Saadi assina projeto sobre microflorestas urbanas em Campinas (Foto José Pedro Soares Martins)

Campinas apresenta microflorestas para reduzir desigualdades históricas no mapa das áreas verdes

Por José Pedro Soares Martins

Desigualdades históricas, na distribuição de áreas verdes em Campinas, podem começar a ser reduzidas com a implantação do projeto de implantação de microflorestas urbanas, apresentado na quarta-feira, 26 de março, pelo prefeito Dario Saadi. A Prefeitura planeja implantar 200 fragmentos de microflorestas, de 200 a 1000 metros quadrados, como parte de um elenco de ações de enfrentamento das mudanças climáticas. O projeto encaminhado à Câmara Municipal também contempla a possível adoção de microflorestas pela iniciativa privada, assim como já acontece com as praças.

Em seus 250 anos de história, Campinas tem enfrentado muitos desafios relacionados à vegetação, que originalmente era de Mata Atlântica. O primeiro nome da cidade, Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso, deve-se justamente à floresta de domínio Atlântico que cobria toda a região. Hoje a Mata Atlântica, como bioma, está reduzida a menos de 10% do que era, mas em Campinas e região esse índice é de cerca de 5%. A destruição da vegetação nativa foi, portanto, muito maior na região.

A percepção de que há algo muito errado, de que a destruição da vegetação causa muitos problemas, para o próprio ser humano e a vida em geral, não é recente em Campinas. O primeiro número da Revista do Centro de Ciências, Letras e Artes, de 1902, foi sobre a “Devastação das matas”. O artigo citava os impactos do café e das ferrovias nas florestas de São Paulo. As denúncias foram feitas por João Pedro Cardoso, ligado ao Instituto Agronômico e inspetor do 2º Distrito Agronômico de Campinas, membro da primeira Comissão de Agricultura e Zootecnia do CCLA.

Artigo no primeiro número da Revista do Centro de Ciências, Letras e Artes, de 1902

Artigo no primeiro número da Revista do Centro de Ciências, Letras e Artes, de 1902

Ao longo do século 20, vários moradores ilustres de Campinas se dedicaram a repovoar a vegetação nos espaços urbano rural. Hermes de Souza, funcionário do Instituto Agronômico, plantou uma floresta na Fazenda Santa Elisa. Hermes plantava árvores em vários locais, por exemplo nas vizinhanças de sua residência, como na área das praças Ralph Stettinger e Augusto Cesar, na avenida José de Sousa Campos (Norte-Sul), onde hoje existe um mini-bosque.

Wolfgang Schmidt promoveu grandes plantios em  Joaquim Egídio, e por isso ganhou o Prêmio  Global 500 da ONU. Hermógenes de Freitas Leitão, professor da Unicamp, também se dedicava à proteção da biodiversidade e hoje dá nome ao Parque Ecológico ao lado do campus dessa Universidade. Quando a avenida Aquidabã estava sendo aberta, um forte movimento popular impediu que uma parte do Bosque dos Jequitibás tivesse sido derrubada. O Bosque é uma das últimas áreas remanescentes de Mata Atlântica no espaço urbano.

O certo é que, apesar dos múltiplos esforços individuais, resta pouco da vegetação nativa original no município. A Mata de Santa Genebra, doada ao município pela família que era proprietária, com a condição de sua proteção, é a área remanescente de Mata Atlântica  mais conservada, tendo inclusive a Fundação José Pedro de Oliveira para esta função. E as matas dos distritos de Sousas e Joaquim Egídio fazem parte da Área de Proteção de Ambiental (APA) daquela região.

No espaço urbano, entretanto, restam poucas áreas de vegetação remanescente. Com o crescimento urbano cada vez maior, a partir sobretudo da década de 1960, tornou-se um grande desafio o plantio e a manutenção de árvores e a instalação de praças com alguma área verde no território da cidade. As áreas mais densamente povoadas, como os DICs e os Distrito de Campo Grande e Ouro Verde, ficaram praticamente desprovidas de áreas verdes urbanizadas.

 

Capa do livro de 1997, de José Pedro Martins, mostrando a desigualdade na distribuição de áreas verdes em Campinas

Capa do livro de 1997, de José Pedro Martins, mostrando a desigualdade na distribuição de áreas verdes em Campinas

Essa situação foi denunciada no livro “Campinas do Matto Grosso”, de José Pedro Soares Martins, de 1997. O livro cita a inauguração do Parque Ecológico Monsenhor Emilio José Salim, com 1,1 milhão de metros quadrados, em 1991, como a última grande área verde entregue no município pelo poder público. O Parque Ecológico é administrado pelo Estado de São Paulo.

“Mesmo com o Parque Ecológico, entretanto, ficou muito desigual a distribuição de áreas verdes urbanizadas em território campineiro. As maiores áreas – o próprio Ecológico, o Taquaral e o Bosque dos Jequitibás – estão situadas em bairros considerados nobres da cidade. O acesso da população de baixa renda continuou dificultado”, afirma Martins, na página 59 do livro.

O livro também cita a tese de mestrado defendida na Unicamp, pela arquiteta argentina Andrea Maria Morero, concluindo que somente 236 praças de Campinas tinham algum equipamento público de lazer. No segundo semestre de 1997, Campinas tinha 20 bosques e 1.250 praças públicas. Outra conclusão da tese da arquiteta foi que a maior parte das praças com algum equipamento de lazer estava localizada em bairros de maior poder aquisitivo.

É claro que essa situação se transformou nos últimos 28 anos. Houve maior empenho do poder público em oferecer novas áreas verdes urbanizadas para a população, por exemplo com a criação de parques lineares. Entretanto, o panorama ainda é de desigualdade no acesso a essas áreas e isso ficou evidente com a recente divulgação de dados da plataforma UrbVerde (USP, UFBA, UFSCar, entre outras), indicando as regiões com  riscos de ilhas de calor em Campinas.

Benefícios das microflorestas,  conforme apresentação do secretário Ernesto Paulella (Foto José Pedro Soares Martins)

Benefícios das microflorestas, conforme apresentação do secretário Ernesto Paulella (Foto José Pedro Soares Martins)

A plataforma apontou justamente áreas densamente povoadas, e com maioria de população de baixa renda, como aquelas mais afetadas pelas ilhas de calor, fenômeno que tem-se intensificado com as mudanças climáticas  globais: Vila Costa e Silva, Vila Miguel Vicente Cury, Jardim Santa Mônica, Vila Padre Anchieta e Campo Grande. Nestas áreas, a temperatura média é geralmente maior do que em outras regiões da cidade.

Segundo a UrbVerde, Campinas é a quarta do estado de São Paulo e a maior do interior mais vulnerável a ilhas de calor. Campinas tem oito níveis de ilhas de calor, com temperatura média de superfície de 30 graus.  Outras regiões da cidade, como os distritos de Sousas e Barão Geraldo, também são suscetíveis ao fenômeno.

Um dos propósitos do projeto das microflorestas urbanas, que acaba de ser lançado pela Prefeitura, é exatamente promover ambientes com temperaturas mais agradáveis nas áreas mais vulneráveis a ondas de calor, em grande parte aquelas com menor presença de áreas verdes urbanizadas.

Como explicou o secretário municipal de Serviços Públicos, Ernesto Paulella, microflorestas urbanas são aglomerados de árvores mais densos que a arborização urbana ou até mesmo plantios de reflorestamento convencional. Estas microflorestas criam um ecossistema florestal em espaço pequeno, por exemplo: praças, rotatórias e pequenos espaços isolados em parques públicos.

Segundo o secretário, as mudas de árvores (essencialmente de espécies nativas, adequadas a cada região do tecido urbano) sairão  dos viveiros da Prefeitura. Educandos do sistema prisional farão os plantios. Entretanto, o prefeito Dario Saadi observou que o projeto de lei encaminhado à Câmara Municipal também estipula a possibilidade de adoção de microflorestas pela iniciativa privada, como já ocorre com praças.

Dario Saadi: mudanças climáticas serão tema cada vez mais presente na agenda de Campinas e RMC (Foto José Pedro Soares Martins)

Dario Saadi: mudanças climáticas serão tema cada vez mais presente na agenda de Campinas e RMC (Foto José Pedro Soares Martins)

“As microflorestas são parte das medidas contra as mudanças climáticas que estamos preparando, mas há outras”, completou Saadi, que participou das duas últimas conferências do clima (COPs), em Dubai e no Azerbaijão. Ele também pretende participar da COP-30, em novembro, em Belém, a COP da Amazônia. Saadi lembrou que acaba de assumir a presidência do Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Campinas e que esse tema, das mudanças climáticas, também estará cada vez mais presente na agenda da RMC nos próximos anos.

O presidente da Câmara Municipal, Luiz Carlos Rossini, que tem um histórico de preocupação com a questão ambiental, afirmou na cerimônia de lançamento do projeto que o tema deve ser objeto de uma audiência pública no Legislativo, inclusive para que a questão fica mais conhecida e haja novas contribuições para a melhoria da proposta. Uma proposta que pode alterar o histórico de injustiças e desigualdades na distribuição de áreas verdes em Campinas, o que entre suas consequências provoca diferenças de temperatura em momentos de ondas de calor.

 

 

 

 

 

 

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