2014 é um ano de desolação para o rio Atibaia, responsável por mais de 95% do abastecimento de Campinas. A estiagem prolongada, a gestão equivocada do Sistema Cantareira e a ocupação desenfreada das margens, levando à destruição da mata ciliar, deixaram o Atibaia em uma situação de desolação, que as chuvas dos últimos dias atenuaram um pouco. Neste cenário será realizada no próximo domingo, dia 9 de novembro, a 17ª edição do Reviva o Rio Atibaia, que vai discutir o futuro da Área de Proteção Ambiental (APA) de Campinas e o Plano Local de Gestão Urbana da Macrozona 1, que envolve os distritos de Sousas e Joaquim Egídio e os bairros Gargantilha, Monte Belo e Carlos Gomes, em área equivalente à da APA. Naturalmente o futuro dos recursos hídricos está em questão, considerando que a ocupação sustentável da APA é fundamental para a manutenção do Atibaia que abastece em Campinas e vários municípios.
Barqueata, distribuição de mudas de árvores em tubetes, Maquete Dinâmica, Arte e Ciência e Árvore do Saber na Praça Beira Rio, Espaço Saúde e Qualidade de Vida e a Exposição Fotográfica Olhares sobre a APA compõem a programação, a partir das 9 horas, em Sousas. O Reviva o Rio Atibaia é o mais antigo evento ambiental em atividade no estado de São Paulo, fruto da parceria entre Jaguatibaia – Associação de Proteção Ambiental, Associação de Remo de Sousas e Laboratório MSD.
História da APA de Campinas – O processo de criação da APA de Campinas e a trajetória do Movimento Reviva o Rio Atibaia são uma síntese perfeita da mudança de postura em vários segmentos, e em escala internacional, em relação aos rumos do crescimento. Processo iniciado com a Conferência de Estocolmo, em 1972, e que teve a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92, de junho de 1992, no Rio de Janeiro, como catalisadora, uma alavanca para nova consciência planetária.
No clima criado pela preparação para a Eco-92, em abril de 1991 foi promovido o I Fórum Ecológico de Sousas. Já estava clara, para muitos pesquisadores, ambientalistas e cidadãos campineiros em geral, a necessidade de medidas concretas de preservação daquela região, de grande importância ecológica, cultural e filosófica para Campinas e toda região.
A maior parte do que ainda resta de vegetação de Mata Atlântica no município (menos de 5% do manto verde que cobria originalmente toda a Campinas do Matto Grosso) está situada entre os distritos de Sousas e Joaquim Egídio. São matas que ainda preservam uma rica biodiversidade, em termos vegetais (já foram catalogadas 478 espécies de árvores, além de uma raríssima vegetação rupestre) e animais (475 espécies identificadas, sendo 55 de anfíbios, 39 de répteis, 311 de aves e 70 de mamíferos). Também está localizada em Sousas, desde a década de 1930, a principal captação de água para Campinas.
Já seriam motivos suficientes para a proteção da região, mas ela também sedia um dos principais conjuntos da arquitetura da época de ouro do café. E um outro tesouro ali localizado, o primeiro observatório municipal do Brasil, inaugurado em 15 de janeiro de 1977. O Observatório Municipal de Campinas “Jean Nicolini” é um emblema do olhar amplo da cidade, da sua vocação para ver além, para procurar e construir projetos humanísticos em sintonia com a beleza do cosmos.
A APA em processo – Pois em novembro de 1991 o então deputado federal José Roberto Magalhães Teixeira apresentou dois projetos de lei, criando as APAs federais de Sousas e Joaquim Egídio. O projeto da APA de Sousas foi arquivado em 1994, mas o de Joaquim Egídio teve continuidade, até arquivamento pelo Senado em 2007 (chegou a receber parecer favorável da senadora Marina Silva). O projeto da APA de Sousas voltou a ser apresentado pelo deputado Luciano Zica, em 1995, sendo arquivado quatro anos depois.
Mas em 28 de maio de 1993 o de novo prefeito Magalhães Teixeira editava o Decreto 11.172, criando a APA Municipal de Sousas e Joaquim Egídio. Em novembro de 1993 a Secretaria Municipal de Planejamento apresentou uma “Proposta Preliminar de Macrozoneamento Ambiental das APAs de Sousas e Joaquim Egídio”, que estabelecia cinco macrozonas nos dois distritos. Muitos debates e seminários foram realizados desde então, mas efetivamente a APA, com esta configuração, acabou não sendo concretizada.
Neste cenário surgiu uma grande polêmica, relacionada ao projeto de pavimentação da estrada de terra que liga Campinas a Pedreira, passando por Sousas. Foi a gênese do Movimento pela Qualidade de Vida de Campinas, que passou a questionar o projeto, até que ele foi arquivado.
Nasce o Reviva o Rio Atibaia – O Movimento foi a semente da criação da Jaguatibaia – Associação de Proteção Ambiental, que já em 1997 lançou o Reviva o Rio Atibaia, em parceria com a Associação de Remo de Sousas e Merck Sharp & Dohme. O Reviva retomou o debate sobre a APA. Na segunda edição, em 1998, foi realizado o fórum Resgate do Plano Gestor da APA.
A mobilização se intensificou nas edições seguintes e, a 7 de junho de 2001, durante a Semana do Meio Ambiente, o prefeito Antônio da Costa Santos sancionou a Lei 10.850, criando a APA de Campinas, englobando os distritos de Sousas e Joaquim Egídio e também a região a nordeste do município localizada entre o distrito de Sousas, o Rio Atibaia e o limite intermunicipal Campinas-Jaguariúna e Campinas-Pedreira.
É esta a configuração atual da APA. Em 25 de janeiro de 2002 a prefeita Izalene Tiene editou o Decreto 13.835, criando o Conselho Gestor da APA (Congeapa), já previsto na Lei 10.850. São praticamente duas décadas, portanto, do movimento de cidadania, de ambientalistas e cientistas, direcionado para a proteção e ocupação adequada da área da APA, estratégica em termos ambientais, mas também preciosa em termos culturais, sociais e civilizatórios. Trata-se, então, de um movimento que espelha os desafios encontrados por toda parte do planeta, para se colocar em prática os novos paradigmas propostos pelo movimento ecológico e de sustentabilidade e também pelo setor cultural (a Convenção de Paris, da Unesco, de 1972, trata do patrimônio cultural e natural, não nos esqueçamos!)
Daí a relevância da realização de nova edição do Reviva o Rio Atibaia, neste momento, em que a região de Campinas e o estado de São Paulo em geral passam por uma das mais sérias crises hídricas da história. Definições apropriadas sobre o Plano de Manejo da APA são essenciais para o futuro com qualidade de vida da região. Em 20 anos Sousas e Joaquim Egídio já assumiram um outro perfil, bem distante da realidade do final da década de 1980. E nesse período as estrelas do céu de Campinas ficaram cada vez mais escondidas, pela luminosidade artificial da metrópole. Mas ainda há tempo de um novo tempo. (Por José Pedro Martins)