Por Daniela Prandi, de Matera, Sul da Itália
Il Piccolo Cinema, como o nome já avisa, é uma sala pequena de cinema alternativo no centro histórico de Matera, no sul da Itália, onde passo uma temporada. O casal proprietário, cinéfilos e muito simpáticos, faz o cinema resistir com a exibição de filmes fora do circuito comercial, muitos deles premiados nos principais festivais do mundo. Já sabia que, na Itália, o costume é exibir os filmes dublados mas, em minha primeira vez ali, resolvi me certificar. Sim, o novo Woody Allen era dublado. Sem ainda dominar 100% da bella língua italiana, arrisquei uma sessão “per la prima volta” depois de um mês sem cinema.
“Um Dia de Chuva em Nova York”, ou melhor “Un Giorno di Pioggia a New York”, não atraiu grande público no final de tarde chuvoso e frio de Matera em seu primeiro dia de exibição. Com a calmaria, o casal deixa a bilheteria e assiste ao filme bem na minha frente, aconchegados e quietinhos. (Aliás, ninguém ali conversou, acendeu a luz do celular ou mastigou qualquer coisa. Um paraíso.)
Às vésperas de completar 84 anos, o mais novaiorquino dos cineastas nunca me decepciona. Mesmo o pior Woody Allen ainda é bom cinema para mim. Demoro alguns minutos para me acostumar a ver Timothée Chalamet e Elle Fanning falando italiano. Mas logo a dublagem pouco importa, as conversas soam compreensíveis, a melancolia, o romantismo, a ironia e o humor estão todos lá, não importa a língua. A universalidade do cinema de Woody Allen, com suas trilhas sonoras encantadoras, está “molto bene”.
O protagonista vivido por Chalamet se chama Gatsby Welles, um nome que já me diverte logo de cara. O rapaz magricela e estiloso vive uma abastada vida a contragosto, estudando em uma universidade escolhida pela mãe e namorando uma garota “apropriada”, Ashleigh Enright (Fanning, iluminada e divertida, ao estilo das loiras bobinhas do cinema de Hollywood dos anos 50). Desta vez, Chalamet é o alter-ego de Allen, e suas considerações sobre o mundo e os sentimentos enchem a tela, provocando risos na pequena plateia.
A novidade é que a namorada do protagonista, que estuda jornalismo, consegue uma entrevista com um diretor de cinema independente chamado Roland Pollard (Liev Schreiber), que logo vamos descobrir que é um temperamental encharcado de uísque em crise criativa. O encontro será em Nova York e o casal planeja um fim de semana romântico, com passeio de carruagem pelo Central Park, uma ida aos clubes de jazz, enfim, tudo o que a cidade oferece em seus clichês, muitos deles perpetuados justamente pelo cineasta. Afinal, andar por Nova York é se sentir em um filme de Woody Allen. “E se chover?”, pergunta a namorada, que é da ensolarada Tucson, no Arizona. “A chuva não vai atrapalhar”, diz Gatsby.
E vem a chuva. Lindamente fotografada, a Nova York molhada de Woody Allen recebe o casal para um dia de muitas reviravoltas e frenéticos vaivéns por Manhattan, bem ao estilo de seus filmes neuróticos e nervosos. O final de semana romântico desmorona, personagens entram e saem, circulam e nos divertem. A jovem jornalista cai de bandeja no meio da turma do cinema, vira musa, se deslumbra, toma uns vinhos a mais, se encanta por um galã latino (Diego Luna), e principalmente se molha. O protagonista, que vê a namorada escorrendo de suas mãos, vaga pela cidade e tem oportunidade para pensar no que quer da vida, e olha que não é muito, e até faz uma ponta em um filme de um amigo, quando reencontra a irmã caçula de um romance do passado, vivida por Selena Gómez, cuja morenice e esperteza servem de contraponto.
O roteiro segue no ritmo Woody Allen, entre encontros e desencontros, e com personagens secundários que roubam a cena, como o irmão do protagonista, que quer desistir do casamento porque não suporta a risada da noiva. O, digamos, clímax da história é quando Gatsby consegue finalmente enfrentar a mãe (Cherry Jones), em uma conversa surpreendente, uma das melhores cenas do filme, que eu gostaria de rever qualquer hora no original.
Depois da ótima estreia no cinema da Itália, a chuva nos espera do lado de fora. Antes de voltar para a nova casa, uma parada obrigatória na fila do Bar Sottozero, bem em frente, para um panzerotto, uma espécie de pastel que aquece a alma. Até a próxima sessão.
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