Por José Pedro Soares Martins
Campinas, 10 de novembro de 2020
Desde o mês de abril, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) tem à disposição uma ferramenta para identificar de forma precoce os riscos ao abastecimento interno e às exportações em proteína animal, derivados da pandemia de Covid-19. São os painéis dinâmicos desenvolvidos pela Embrapa Territorial, situada em Campinas (SP). Os mapas e gráficos gerados permitem uma relação, em base territorial, entre a dinâmica temporal dos casos de Covid-19 em municípios brasileiros onde estão localizados os órgãos e as empresas com registro no Serviço de Inspeção Federal (SIF).
Os mapas e os gráficos, de uso restrito para o MAPA, contribuem com o poder público na tomada de decisão contra riscos de eventuais interdições, observa o analista Gustavo Spadotti, evidenciando também o seu uso para assegurar aos importadores da proteína animal brasileira de que não haverá riscos de desabastecimento nas exportações de produtos de origem animal do Brasil.
O recurso disponibilizado pela Embrapa Territorial é um exemplo de como a ciência e a extensão estão contribuindo diretamente para a manutenção do potencial agropecuário do país em plena pandemia, ao mesmo tempo em que garantem a comida na mesa dos brasileiros e incidem nos esforços para o combate à Covid-19. São várias as organizações científicas e tecnológicas localizadas no estado de São Paulo que colaboram para que o agronegócio continue batendo recordes e sirva ao abastecimento interno, de forma paralela à urgência de enfrentamento da pandemia. Essas ações de ciência e tecnologia, e também de extensão, beneficiam os produtores agrícolas de São Paulo e também de outras regiões do país.
Recorde de exportações – De acordo com o MAPA, nos primeiros nove meses de 2020 houve um recorde de saldo na balança comercial do agronegócio brasileiro para o período. O saldo foi de US$ 68,7 bilhões, resultante de um volume de exportação de US$ 77,9 bilhões e de 172 milhões de toneladas. “Em relação ao ano de 2019, o crescimento alcançado foi de 7,5% em valor e 14,8% em peso”, observa informe (aqui) da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
A soja em grãos (US$ 27,2 bilhões), a carne bovina in natura (US$ 5,4 bilhões), o açúcar de cana em bruto (US$ 5 bilhões), a celulose (US$ 4,5 bilhões) e o farelo de soja (US$ 4,5 bilhões) foram os principais grupos de produtos exportados no agregado dos primeiros nove meses do ano.
As projeções da CNA são de um valor bruto da produção (VBP) agropecuária brasileira em 2020 de R$ 855 bilhões, representando um aumento de 15,3% em relação a 2019. A produção agrícola estimada é de R$ 549,8 bilhões, um crescimento de 19,7% frente a 2019. “Já o VBP Pecuário deve chegar a R$ 305,7 bilhões, montante 8,1% maior que no ano passado”, informa a CNA (aqui).
O desempenho do agronegócio em São Paulo foi especialmente significativo nos primeiros nove meses do ano. Entre janeiro e setembro, as exportações do agronegócio paulista chegaram a US$ 12,65 bilhões, representando um crescimento de 11,3% em relação ao mesmo período de 2019, enquanto as importações somaram US$ 3,04 bilhões, o que representou uma queda de 13,1% em relação ao ano passado, de acordo com dados (aqui) do Instituto de Economia Agrícola (IEA). O superávit na balança comercial do agronegócio paulista foi de US$9,61 bilhões, representando 22,1% de crescimento em comparação com o mesmo período de 2019.
Um dos efeitos positivos do alto volume alcançado pelo agronegócio brasileiro, em plena pandemia de Covid-19, é a geração de postos de trabalho. A agropecuária foi o setor que mais produziu emprego em 2020 até setembro. Foram 102.467 novas vagas criadas no segmento nos primeiros nove meses do ano, resultantes do saldo entre contratações e demissões, conforme dados do Ministério da Economia.
Em seguida aparece o setor da construção civil, que abriu 102.108 vagas, e a indústria, com 689 vagas resultantes das contratações e demissões. Já os segmentos de serviços (-418.040 vagas) e comércio (-345.677) apresentam desempenho negativo em postos de trabalho em 2020, como resultante do grande impacto da pandemia.
Com a criação de 62.952 novos postos de trabalho, São Paulo é o Estado com melhor resultado na agropecuária no acumulado dos nove primeiros meses de 2020, seguido de Minas Gerais (+7.324 vagas), Goiás (+6.625), Bahia (+6.008), Mato Grosso (+4.474) e Paraná (+3.865). Um dos ingredientes responsáveis por esse desempenho positivo de São Paulo, refletindo a performance na balança comercial do agronegócio paulista, de acordo com os especialistas, é a intensiva utilização de ciência, tecnologia e extensão na agropecuária do estado.
“Não é possível pensar no crescimento da laranja no estado de São Paulo, por exemplo, sem a contribuição das pesquisas de Sylvio Moreira, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). E também não dá para falar na expansão do café, no sentido de crescimento dos cafés especiais, sem as pesquisas de Alcides Carvalho e outros no próprio IAC”, afirma o professor José Maria Ferreira Jardim da Silveira, do Núcleo de Economia Agrícola e do Meio Ambiente (NEA), do Instituto de Economia da Unicamp.
O professor da Unicamp entende que alguns fatores ajudam a explicar o bom comportamento de algumas áreas importantes do agronegócio em plena pandemia, como o câmbio “extremamente favorável, em um cenário de inflação baixa”. O clima também ajudou em 2020, observa, com a exceção do Rio Grande do Sul, onde uma forte estiagem atingiu a produtividade da soja e com a consequente diminuição da colheita. Boletim da consultoria INTL FCStone apontou uma queda de produtividade de 2,88 para 2,04 toneladas por hectare na safra de soja naquele estado, levando a uma grande redução na produção.
“Em muitas áreas há o duplo cultivo. As áreas já estavam plantadas. Se houver algo ruim para a colheita, de modo geral, será em 2021″, entende o especialista. Ele também lembra que “a alimentação é o último item a ser cortado em uma situação de crise, embora a diminuição da renda de fato contribua para a redução do consumo”.
O professor José Maria Silveira acompanha há anos a evolução em diversas áreas agrícolas de São Paulo e do Brasil e reitera que os avanços científicos e tecnológicos têm sido fundamentais para a atividade. Cita o caso da cana-de-açúcar, onde há seguidos avanços tecnológicos, sobretudo em território paulista, onde a área plantada cresceu de 1 milhão de hectares em 1980 para 5,5 milhões em 2018 e a produção saltou de 66 milhões de toneladas para 333 milhões de toneladas no mesmo período. Com um valor de US$4,32 bilhões vendidos, o complexo sucroalcooleiro foi o principal grupo exportador do agronegócio paulista nos primeiros meses de 2020, segundo o Instituto de Economia Agrícola.
Um gargalo no processo de mecanização, que já atinge 100% em vários municípios paulistas, é o da qualidade das colheitadeiras, nota o pesquisador da Unicamp. José Maria Silveira entende que a ciência pode continuar contribuindo muito para um dos grandes desafios para a agricultura brasileira, que é agregar valor aos negócios. E acredita que ramos promissores para o investimento científico e tecnológico são o da bioenergia e o dos recursos hídricos. “O Brasil é muito rico em água, mas ainda continua poluindo os rios. Precisamos uma economia mais circular, com respeito ao meio ambiente e com o uso de inteligência. Temos muito conhecimento acumulado”, defende.
Ciência Agrícola contra a Covid-19 – Várias instituições de ensino e pesquisa na área agrícola no estado de São Paulo passaram a implementar ações no contexto do combate à pandemia de Covid-19, contribuindo para o prosseguimento das atividades do setor que quebra recordes em produção e exportação.
Entre outras ações, um laboratório foi montado em parceria entre a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP) e o Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena/USP), ambos localizados em Piracicaba (SP), para realizar diagnósticos de Covid-19 em pessoas que trabalham na linha de produção de alimentos e logística, colaborando na manutenção das atividades de abastecimento para toda população. O laboratório é mantido com apoio da Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq), através do projeto Fealq pela Vida (aqui).
Desde o mês de agosto, o laboratório passou a oferecer o serviço a baixo custo também para prefeituras da região de Piracicaba. Segundo o professor Luiz Lehmann Coutinho (Esalq/USP), coordenador do trabalho com a professora Tsai Siu Mui (Cena/USP), o objetivo da oferta de testes paras Prefeituras é o melhor aproveitamento da capacidade de análises do laboratório da Esalq/Cena, ampliando o oferecimento de diagnósticos nas cidades da região de Piracicaba.
O projeto MVZ em Foco, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (FZEA/USP), parceiro do “Fealq pela Vida”, também passou a oferecer os testes PCR. Outra parceira é a Embrapa Pecuária Sudeste de São Carlos (SP).
O Instituto Agronômico de Campinas (IAC) também participa do esforço de proteção aos trabalhadores do campo. Referência internacional em trabalhos científicos sobre equipamentos e vestimentas de proteção para aplicação de defensivos agrícolas, o Centro de Engenharia e Automação do Agronômico (CEA-IAC) colaborou na produção de nota técnica para orientações a serviços de saúde, no que se refere a Equipamentos de Proteção Individual (EPI), com medidas de prevenção e controle que deveriam ser adotadas durante assistência a casos suspeitos de Covid-19.
Também contribuindo com o esforço de combate à Covid-19, a Embrapa Instrumentação, de São Carlos (SP), doou luvas e máscaras para fiscais agropecuários das Superintendências Federais de Agricultura (SFA), braços estaduais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), e outros materiais para o Instituto Adolfo Lutz de Ribeirão Preto.
Além disso, a Embrapa Instrumentação produziu em parceria com a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP) uma cartilha com recomendações a respeito de compra, armazenamento e consumo de frutas e hortaliças no período da pandemia.
“As frutas e hortaliças são produtos perecíveis e sazonais. Por isso era muito importante que os consumidores tivessem essas informações para ajudá-los no consumo e conservação, neste momento de dificuldade de acesso ao alimento para muitos”, explicou Marcos David Ferreira, pesquisador da Embrapa Instrumentação e um dos editores da cartilha, ao lado de Maria Fernanda Berlingieri Durigan, também da Embrapa Instrumentação, e Fabiane Mendes da Camara, da Seção do Centro de Qualidade Hortigranjeira (SECQH) da CEAGESP.
A cartilha Recomendações para compras, armazenamento e consumo de frutas e hortaliças foi disponibilizada gratuitamente em formato digital, para acesso e conhecimento geral. São cinco dicas básicas para o momento das compras e cinco para a hora da preservação dos produtos em casa.
A Embrapa Instrumentação também participou do lançamento de outra cartilha, em parceria com a CEAGESP e a Maurício de Sousa Produções. É a cartilha “Dicas contra o desperdício de alimentos em tempos de coronavírus”, voltada para as crianças e com sugestões para o momento de compra, higienização e armazenamento das hortaliças e frutas. A cartilha também teve o pesquisador Marcos David Ferreira como um dos editores e foi disponibilizada gratuitamente.
Em plena pandemia, a Embrapa Instrumentação – assim como outros órgãos de pesquisa e desenvolvimento agrícola – continuou o esforço de produzir ciência e tecnologia para o campo. O uso de drones cooperativos, ou “enxame de drones”, para monitoramento de áreas agrícolas e pulverização em cafezais e áreas florestais, por exemplo, foi tema de apresentação do pesquisador da unidade, Lúcio André de Castro, na DroneShow/Mundo GeoConnect. Foi um evento online que teve a participação de dezenas de especialistas, sobre diversos usos dos drones na chamada agricultura de precisão.
Agricultura de precisão é uma das principais tendências do uso da ciência e tecnologia em benefício dos produtores rurais. “O que vem sendo feito hoje, para aumentar a produtividade e diminuir riscos, é consequência do uso da ciência e tecnologia, sem isso seria muito difícil manter a atividade”, confirma Luiz Antonio Assumpção, que produz soja e milho em Itaí, na região de Avaré, interior de São Paulo.
Uma das principais commodities do agronegócio brasileiro, muito presente nas regiões Centro-Oeste e Sul, com apoio da ciência e tecnologia a soja, de fato, avança em território paulista. De acordo com o Instituto de Economia Agrícola (IEA), entre 2010 e 2019 a área plantada com soja em São Paulo foi duplicada, até atingir mais de 1 milhão de hectares, enquanto a produção aumentou três vezes, até superar a marca de 3 milhões de toneladas. A soja já ultrapassou o milho e outros grãos em termos de área plantada em território paulista.
Ainda segundo o IEA, entre 2010 e 2019, a soja teve um crescimento de 9,47% ao ano em área plantada em São Paulo, melhor desempenho entre os grãos, enquanto outros produtos tradicionais, como algodão, arroz e feijão (menos o feijão irrigado), apresentaram taxas negativas.
IMPACTO DA PANDEMIA NAS PESQUISAS
Como em quase todos ramos de atividade, o setor de pesquisas foi afetado pela pandemia de Covid-19. As atividades presenciais foram suspensas nas Universidades e centros de pesquisa. Os trabalhos continuaram basicamente de forma remota, com o uso intensivo da internet. Proliferaram as lives e o trabalho de modo digital em geral e na área da pesquisa agrícola não foi diferente. Os pesquisadores tiveram que reorganizar o seu cotidiano, particularmente para aqueles com filhos pequenos em casa e que não puderam mais ir à escola.
No estado de São Paulo, os órgãos públicos seguiram as determinações governamentais com relação aos protocolos de segurança, sobretudo no caso dos profissionais dos grupos de risco e com comorbidades, que passaram a atuar essencialmente no modelo de teletrabalho.
As atividades que dependiam de ações presenciais foram prejudicadas, como na limpeza e aplicação de herbicida ou nos cruzamentos de variedades nos campos experimentais do Centro de Café do Instituto Agronômico de Campinas, na Fazenda Santa Elisa.
De acordo com o diretor do Centro de Café, Julio Cesar Mistro, algumas atividades de laboratório foram retomadas a partir de agosto, com profissionais que não estão em grupos de risco e em sistema de rodízio, sempre com a observação dos protocolos de segurança. Caso das análises sensoriais, para aferição da qualidade da bebida.
Como lembrou o professor José Maria Ferreira Jardim da Silveira, do Instituto de Economia da Unicamp, é inestimável a contribuição do IAC para a agricultura brasileira, como no caso do café. O Instituto Agronômico desenvolveu dezenas de cultivares da bebida que é preferência nacional e que tem sido fundamental para o brasileiro enfrentar o grande desafio coletivo ainda em curso.
BENEFÍCIOS DA EXTENSÃO RURAL: A FAZENDINHA FELIZ
No final do mês de agosto, o agrônomo Michel Siqueira acompanhou produtores rurais de Cajuru, na região de Ribeirão Preto, ao projeto Fazendinha Feliz, vinculado à Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS), em Campinas. Órgão da Secretaria de Estado da Agricultura de São Paulo, a CDRS está instalada em Campinas, ao lado da Fazenda Santa Elisa, do IAC.
No espaço da Fazendinha Feliz, o grupo conheceu o trabalho do projeto com as Plantas Alimentícias Não Convencionais, as PANC, que têm atraído interesse crescente sobretudo na esfera da agricultura familiar. De modo específico, o agrônomo Siqueira e os produtores de Cajuru receberam informações sobre o ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata), em função do interesse em produzir farinha com essa variedade para o mercado vegano, em ampliação em todo país.
“Fomos muito bem recebidos e o responsável pela Fazendinha Feliz, o agrônomo Osmar Mosca, também esclareceu sobre outras espécies de PANC”, conta Siqueira. O grupo recebeu algumas matrizes de ora-pro-nóbis e o primeiro plantio já foi feito na propriedade rural em Cajuru. “Tudo será feito de acordo com os princípios da agricultura orgânica e adotando as diretrizes da linha vegana”, completa Michel Siqueira.
A atuação da Fazendinha Feliz é mais um exemplo de como a extensão rural também tem dado importante contribuição com a continuidade da produção agrícola, em São Paulo e em todo país, inclusive na pandemia.
O engenheiro agrônomo Osmar Mosca Diz, responsável pelo projeto Fazendinha Feliz, tem sua trajetória profissional na área da extensão rural. Formado na Escola Superior de Agricultura de Lavras, atual Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais, trabalhou como extensionista no Oeste de Santa Catarina, antes de ingressar no serviço público em São Paulo. Há 11 anos trabalha na CDRS, sucessora da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI).
Criado em 2011, o Projeto Fazendinha Feliz abrange uma área de treinamentos na CDRS, em Campinas, onde são desenvolvidas atividades como de abelhas sem ferrão e de Plantas Alimentícias Não Convencionais.
“Os agricultores têm percebido que as PANC são uma alternativa muito interessante e promissora”, confirma Osmar Mosca. Assim a Fazendinha Feliz tem colaborado na multiplicação de conhecimento sobre espécies como ora-pro-nóbis, taioba, caruru, almeirão de árvore e outras. Espécies muitas vezes consideradas “apenas mato” e historicamente excluídas do cardápio e das atividades agrícolas, mas que “podem enriquecer a merenda e aumentar a renda do produtor que deseja diversificar seu plantio”, diz Mosca.
Em quase dez anos de atividades, a Fazendinha Feliz criou uma rede de apoiadores e simpatizantes. São realizados encontros regulares, com a troca de experiências e conhecimento. Além do apoio aos produtores rurais, a Fazendinha Feliz tem uma forte atuação junto a escolas, através de palestras e outras atividades, no sentido de difundir a importância da agricultura entre as crianças e adolescentes. “Procuramos plantar uma sementinha de respeito, reverência e gratidão com aqueles que trabalham com a terra e que nos propiciam os alimentos”, diz Osmar Mosca.
A disseminação de hortas escolares é um dos resultados do trabalho da Fazendinha Feliz no campo da educação, em um esforço que prosseguiu no período da pandemia. Um caso é o da Escola Estadual Artur Segurado, localizada em Campinas, bem próxima de onde está instalada a Fazendinha Feliz.
Em 2019 Osmar Mosca contribuiu com a instalação de uma horta na EE Artur Segurado. “Com muito entusiasmo, ele ensinou as crianças como plantar e quais os cuidados que devemos ter com a terra e a natureza em geral”, relata Valdilene Concesso Silva Marcelino, membro da Associação de Pais e Mestres da escola, onde atua como voluntária em várias iniciativas. Valdilene conta que o extensionista, “com um carinho, conhecimento e didática ímpar”, deu importante auxílio com formação e ajuda prática, na montagem da horta escolar. Essa ação específica da EE Artur Segurado está ligada a projeto apoiado pelo Instituto Arcor Brasil, como parte do Programa Aprendendo com Prazer, para Crescer Saudável.
Com a pandemia o panorama mudou e as escolas passaram a funcionar apenas de modo remoto. Mas a EE Artur Segurado manteve o foco no trabalho com a horta escolar. A partir do conceito original, implantado com apoio da Fazendinha Feliz, evoluiu a ideia de multiplicação de hortas em pequenos espaços, nas casas dos alunos, que pudessem ser criadas e mantidas por eles em conjunto com os pais.
Assim, centenas de lares de Campinas passaram a ter pequenas hortas, em um processo educativo e ao mesmo tempo contribuindo com complemento à alimentação, em momentos de dificuldade de acesso em função da pandemia. Isso foi possível pelo preparo e distribuição de milhares de mudas de diversas hortaliças, legumes e plantas medicinais (como alface, rúcula, almeirão, salsinha, cebolinha, sementinha mini tomate, camomila e outras), entregues aos pais junto com os kits escolares montados pelo governo estadual em razão da crise sanitária. “A sementinha deu muita colheita”, completa Valdilene Marcelino.
Desde os grandes plantios e comercialização das commodities do agronegócio, até as hortas de fundo de quintal. A ciência, a tecnologia e a extensão garantiram a continuidade das atividades agrícolas em um ano que passará para a história como um dos mais desafiadores para a humanidade.
CIÊNCIA PARA ALTERNATIVAS NA AGRICULTURA
A ciência e a tecnologia têm sido fundamentais para a expansão do agronegócio brasileiro, que tem batido recordes de produção, comercialização e produtividade até em momentos de extrema gravidade como a pandemia de Covid-19. Mas os estudos e pesquisas também podem contribuir com a agricultura familiar e com outras alternativas agrícolas.
“A alta tecnologia e a inteligência artificial podem sim ser aplicadas à agricultura familiar”, sustenta Ivan André Alvarez, pesquisador da Embrapa Territorial, de Campinas. Ele cita o caso do Circuito das Frutas, nas regiões de Jundiaí e Campinas, cuja produção “vem sendo muito pressionada pelo avanço da urbanização”.
Com o uso de imagens de satélites e outros recursos digitais e de inteligência artificial, a Embrapa Territorial vem estudando, em conjunto com os produtores do Circuito das Frutas, alternativas para responder à transformação no uso das terras nesses municípios. “O trabalho tecnológico tem que ser feito em conjunto com as comunidades, de forma horizontal”, ele defende.
Alvarez adverte, entretanto, que alguns desafios precisam ser superados para a ampliação da ciência e tecnologia para a agricultura familiar. Um deles é a inclusão digital para os produtores rurais. A respeito, cita a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE de 2018, que revelou um alto déficit de acesso à internet no meio rural. Em áreas rurais, o índice de pessoas sem acesso à internet chegava a 53,5%, contra 20,6% em áreas urbanas. Outro desafio é o fortalecimento, e não o enfraquecimento, da extensão rural, “que trabalha na ponta, junto com o produtor”.
Uma agricultura tropical e diversificada é por sua vez defendida por especialistas como Afonso Peche, pesquisador do Centro de Engenharia e Automação do Instituto Agronômico de Campinas (CEA-IAC). “Boa parte da agricultura no Brasil segue o modelo da agricultura de matriz europeia. Temos condição de desenvolver uma agricultura mais tropical, que considere por exemplo nossa rica biodiversidade”, comenta o pesquisador.
Peche entende que um modelo agrícola diversificado e orgânico é mais adequado ao ambiente tropical brasileiro, sendo inclusive mais resiliente quanto à ação de agentes patogênicos ou a fenômenos climáticos extremos. “O convívio harmonioso da diversidade de culturas com a diversidade de espécies locais mantém e fortalece a estabilidade e a resiliência dos agroecossistemas”, defende o pesquisador científico do IAC.
Ele ressalta que a agricultura orgânica favorece e valoriza as interdependências naturais dos ecossistemas. “Os agricultores podem seguir o exemplo da natureza, que levou milhões de anos para construir ambientes harmônicos e sustentáveis, e buscar o equilíbrio dos processos naturais”, frisa Afonso Peche.
“Com uma abordagem holística e direcionada para o futuro, a agricultura orgânica contribuiu para o estabelecimento de uma agricultura tropical sustentável”, acrescenta o pesquisador, para quem a ciência e a tecnologia já fornecem os recursos necessários para o desenvolvimento da agricultura orgânica. Mais uma alternativa no país que tem uma das maiores áreas agricultáveis no planeta