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ALEGRETE, A CIDADE

ALEGRETE, A CIDADE

O cidadão de 60 anos caminhava sorrateiro sobre as poças d’água. Pulava uma, pulava outra… Era a doce caminhada sobre poças.

Seria uma caminhada comum se o sexagenário não afundasse em uma delas e ali permanecesse durante longos segundos. As poças, naquelas circunstâncias, não deviam ter o que fazer naquela manhã.

Depois da queda imprevista em anos de observação do lugar, voltou ofegante à tona e tinha na face a angústia e, sobretudo, o brilho devido `a pedra que carregava em uma da mãos. A vida da cidade de Alegrete mudara a partir daí.

Atento ao que encontrara, o homem percebia algo com o objeto achado, atraente pelas cores da pedra, pelo peso e pela forma. Percebeu então que achara algo relevante. Também pelo mergulho que quase o tirou de cena, notou que o local nem sempre era um ponto para iniciantes.

Ele tinha certeza de que tudo mudara. O fato de ter quase morrido em função de uma poça que se mostrava delicada e o fundo que quase o engolira de vez apontou para a novidade.

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E ele já não seria mais um apanhador ocasional de ostras. Não seria um pescador abobado. Isto mostrava que seu conhecimento sobre poças não era totalmente desprezível e que agora mostraria um homem quase perfeito no assunto. Em resumo, tudo apontaria que um alegretense era, no mundo, o único observador atento às ostras.

Ele soube depois que um homem e sua mulher perambularam pelas poças dois dias atrás. Estavam em lua de mel e foram atraídos pelas poças quase grudadas ao hotel. A mulher bobeou e tombou entre elas.

Teria sido o começo da história. O casal sumira depois do tombo e fugira do hotel. Os donos do pequeno mas atraente estabelecimento trataram de calar a boca do restante da população. O presente pela mudez seria um prêmio aos habitantes.

Nada de tombo de uma mulher lindíssima que estava agora puta da vida com as poças, principal atrativo do hotel que se mostrava grande na pequena cidade.

Mas os donos do hotel deram um recadinho amoroso aos moradores da pacata cidade: boca calada e bolso cheio. Não se ouviu mais nem um pio sobre o assunto. Sabe-se que todos os moradores ganharam  uma geladeira nova. Viva!!!!

Sim, a geladeira não era um objeto tão comum na vida de Alegrete. Assim, o mundo calou-se sobre a tal pedra, a cidadezinha acalmou a voz  e seguiu cidadezinha. Mas os habitantes mais ousados, uns três, talvez, acreditavam que a cidade  podia virar o jogo ao reacender a história da pedra .

Alegrete merecia o presente, pensavam os ricos. Mas os mais ricos somavam duas famílias. Sim, só isto. E nada que se igualasse ao conteúdo da classe média da capital e dos estados maiores. Mas era uma merreca se pensássemos nestes locais.

Agora com a pedra viria um grande hotel para os alegretenses. O primeiro avaliador disse que não valia nada. O segundo disse a mesma coisa, o que também se repetiu com o terceiro.

O pessoal de Alegrete saiu batendo as tamancas.  Voltaram para a cidade natal e resolveram dormir. Dormiram cinco semanas. Enfim acordaram

Com os olhos ainda grudados, concluíram: não valia nada mesmo. Mas nenhuma cidade tem uma geladeira igual às que doadas pelos donos do hotel, ou mesmo um estado ou um país, quem sabe o mundo!!!!!

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Sobre Cacalo Fernandes

Ser paulistano foi o início de uma história de quem certo dia decidiu ser um escrevinhador. Mas quando a calça deixou de ser curta, lá no início, ajudou a construir esse lado que um dia pareceu esquisito. E hoje acho que não poderia ser outro.