Por José Pedro Martins
Um labirinto de prazeres, um coquetel de delícias. Circular pelo Mercadão é uma festa para os sentidos do corpo e uma imersão no sentido de comunidade – exercício saudável em tempos de contatos e amizades voláteis. Mas o espaço mais democrático da cidade, onde todos são tratados por igual, e que comemora 107 anos neste domingo, acha que ainda pode ser mais conhecido e, por que não, valorizado por Campinas.
Gerações se sucedem na relação amorosa – e saborosa – com o Mercadão, inaugurado a 12 de abril de 1908 pelo primeiro prefeito eleito diretamente, Orosimbo Maia. Caso da família Perez, há décadas vivenciando – e fazendo – o cotidiano do local.
No atual comando da Feijoada Brasileira, José Antônio Perez, o Tony, já passou praticamente 51 dos seus 58 anos de vida no Mercadão. Seu pai, Getúlio, e dois amigos iniciaram o negócio, na década de 1960, a partir de uma novidade que chamou atenção na época: eles traziam ingredientes para a tradicional feijoada diretamente do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Os componentes do prato mais amado dos brasileiros continuam sendo muito apreciados no box dirigido por Perez, mas há muitos outros quitutes do gosto nacional à disposição: peixes, vinhos, molhos. Água na boca apenas olhando, ainda mais degustando.
“Está vendo aquele menino ali? É meu neto. Aqui criei três filhos, aqui passei grande parte da minha vida e adoro”, resume Tony, apontando para uma criança serelepe, correndo para cima e para baixo. “Eu fazia a mesma coisa”, lembra o comerciante, uma boa dose de nostalgia no olhar. A vida exibe seus fluxos nos corredores do Mercadão.
Puro creme do milho
Confirmando que o Mercadão de Campinas é um templo para a cozinha verde-amarela, bem perto da Feijoada Brasileira está o box da Claudinha da Pamonha. Cláudia Lourenço, a dona, também foi pioneira ao trazer a pamonha como item fixo de comercialização para Campinas.
Ela serve pamonha de todo tipo, para todos os gostos, além de salgados e outras guloseimas. Empreendedora nata, aliás como quase toda a linhagem de comerciantes do Mercadão, Claudinha também foi inovadora em lançar uma carta de sucos naturais que faz sucesso desde o início. Resultado: sua loja é sempre citada pelas publicações especializadas como uma das melhores de sucos em Campinas.
Claudinha destaca o espírito democrático que paira sobre o primeiro centro de compras de Campinas, concebido pelo célebre arquiteto Ramos de Azevedo. “Todos são tratados da mesma forma por aqui. Do cidadão mais humilde ao grande empresário. Todos vêm fazer suas compras no Mercadão e são recebidos por igual, como seres humanos”, diz a comerciante, há 28 anos atuando ali, desde os tempos em que sua avó fazia cinco, seis pamonhas para venda. O sinônimo do Mercado Municipal de Campinas é trabalho.
Quitutes, em português e japonês
É muita coisa boa, é só olhar do lado. Em um dos cantos está o Bar do Rafa, como é conhecido Rafael Donizete da Silva. Ele é um dos membros da nova geração de comerciantes do Mercadão, e diz que não pretende sair dali tão cedo.
“É muito bom aqui, o contato com as pessoas, ver que os clientes ficam satisfeitos”, diz Rafa, que trabalha com praticamente toda a família no bar inaugurado pelo tio, o Dito. O movimento é frequente, por pessoas atraídas pelo cardápio apetitoso e consistente: caldo de mocotó, língua de boi ao molho, dobradinha à moda do Porto, costelinha de pacu… Sem falar nos salgados de todo jeito.
Democrático e cosmopolita. O Mercadão também abre os horizontes aos frequentadores para culinárias de outras matrizes culturais, como a japonesa. Igualmente da nova geração de comerciantes do local, Carlos Shimojo dirige uma loja de alimentos japoneses, repleta dos mais variados itens: molhos, biscoitos, temperos, arroz integral.
Ele entende que os hábitos alimentares dos brasileiros foram ampliados, abrindo espaço para a comida mais saudável que é a japonesa. E aqui entra o grande diferencial do Mercadão: o atendimento personalizado e, no seu caso, com importantes requintes culturais.
“As pessoas gostam de vir aqui porque recebem um tratamento pessoal. Nós conseguimos explicar em detalhes sobre esse ou aquele produto, para que serve este ou aquele chá, por exemplo. Isto não dá para fazer em um grande supermercado”, compara. De novo o contato cara a cara, a conversa olho no olho, a marca do Mercadão.
Comunicação e revitalização
Os comerciantes antigos ou mais novos amam, sim, o lugar, mas todos reconhecem que é possível melhorar, de modo que o conjunto de cerca de 140 boxes seja ainda mais atraente para a população de Campinas e região, aliás como acontecia na origem do Mercadão – construído ao lado de uma estação ferroviária da Companhia Funilense, cujas composições traziam moradores de lugares distantes (como as atuais Paulínia e Cosmópolis) para se divertir e comprar no prédio bonito, de estilo mourisco.
A melhoria no estacionamento e na segurança é citada por Tony Perez. “O Mercadão merece mais carinho de nossos dirigentes”, ele afirma. E também indica a necessidade de reformas na parte hidráulica e de saneamento.
Rafael Silva e Claudia Lourenço concordam em um ponto. O Mercadão demanda uma melhor estratégia de comunicação. “O lugar merece ser melhor conhecido e divulgado”, propõe Rafael. “Seria muito bom mostrar que o Mercadão é um lugar seguro, bonito, onde vem muita gente. E dá para vir mais”, completa Claudia.
O dono do Bar do Rafa também acredita que o Mercadão pode receber adequações no espaço, para a montagem por exemplo de uma Praça de Alimentação. “Gostaríamos de servir melhor ainda os fregueses, mas às vezes falta espaço”, assinala.
Em coro, os comerciantes concordam em que as sonhadas melhorias para o Mercadão dependem, em grande parte, da requalificação de todo centro de Campinas. A cidade é uma das únicas de seu porte e importância no Brasil que ainda não recebeu uma grande iniciativa, de fato, de revitalização de sua região central. Nesse sentido, o projeto da atual administração municipal, de requalificação da avenida Francisco Glicério (projeto já com obras iniciadas), soa como uma esperança de reflexos positivos em outros pontos do centro.
Enquanto as melhorias não chegam, nada melhor que curtir o que o espaço já tem de bom, e é muito. Transitar pelo Mercadão é uma viagem garantida ao coração apetitoso de Campinas.