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Porque a crise hídrica pode mudar o mapa político do Brasil em seis passos

Porque a crise hídrica pode mudar o mapa político do Brasil em seis passos

Com ensaio fotográfico de Adriano Rosa

O estado de São Paulo, e boa parte da Região Sudeste, vivem uma crise hídrica sem precedentes, pelo número de pessoas e produtores atingidos. Duas das regiões mais populosas e ricas do país, a Região Metropolitana de São Paulo e a Região Metropolitana de Campinas, estão sendo especialmente afetadas. Pelas suas proporções, e pelas perspectivas de que não será equacionada tão cedo, a crise hídrica pode provocar mudanças importantes no mapa político e econômico do Brasil. São Paulo terá uma posição cada vez mais vulnerável para garantir a continuidade do desenvolvimento e da qualidade de vida.

1. São Paulo é o motor econômico do Brasil, embora esteja diminuindo a cada ano a distância para outros estados. Em 1970, segundo o IBGE, São Paulo respondia por 39,36% do PIB brasileiro. O segundo lugar cabia ao Rio de Janeiro, com 16,07%, e o terceiro ao Rio Grande do Sul, com 8,73%. A participação de São Paulo no PIB brasileiro passou a cair com maior velocidade a partir do fim do regime militar. Em 1985 a participação paulista era de 38,90% do PIB nacional. Em 2002 era de 34,63%, sendo seguido por Rio de Janeiro (11,60%) e Minas Gerais (8,65%). Em 2011, último ano com dados já divulgados, São Paulo tinha 32,6% do PIB, contra 11,2% do Rio de Janeiro e 9,3% de Minas Gerais. Há uma queda nítida na participação paulista no PIB brasileiro e a crise hídrica de 2014 pode reforçar essa tendência.

2. São Paulo tem somente 1,6% dos recursos hídricos do Brasil, em 2,4% do território nacional, mas concentra mais de 20% da população e cerca de um terço do PIB. Sua liderança econômica e demográfica deve-se em grande parte, portanto, ao uso intensivo das águas, particularmente na Macrometrópole, a área mais populosa, urbanizada e forte em termos econômicos e políticos. Mas a recente crise hídrica confirma que os limites ambientais na Macrometrópole Paulista já foram superados e que o crescimento urbano e econômico nesta área terá cada vez mais barreiras intransponíveis ou no mínimo muito difíceis de superar. A Macrometrópole é formada pelas regiões metropolitanas paulistas, somando quase 180 municípios, onde vivem 75% da população do estado.

Rio Atibaia, cujas nascentes contribuem para abastecer metade da Grande São Paulo (Fotos Adriano Rosa)

Rio Atibaia, cujas nascentes contribuem para abastecer metade da Grande São Paulo (Fotos Adriano Rosa)

3. A crise hídrica é crônica principalmente nas regiões metropolitanas mais populosas, ricas e fortes politicamente de São Paulo. A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) usa 432% da vazão de água mínima natural na bacia do Alto Tietê, onde está situada. Ou seja, a RMSP, a mais poderosa do país, usa quatro vezes mais o volume de água que tem naturalmente à disposição. O abastecimento é apenas garantido pela importação de água da bacia do Rio Piracicaba, por meio do Sistema Cantareira. A situação é igualmente crítica na Região Metropolitana de Campinas (RMC), localizada justamente nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ). A região do PCJ já consome quase 100% da água que tem à disposição. A recente crise hídrica ratificou a vulnerabilidade do Sistema Cantareira. A continuidade do abastecimento de água na Região Metropolitana de São Paulo apenas foi garantida com o uso do “volume morto” do Cantareira.

4. A escassez de água nas regiões mais populosas, ricas e fortes politicamente de São Paulo deve impulsionar a migração de negócios industriais e em demais setores para outras áreas do país. Por causa da escassez de água, muitas empresas já tiveram que se mudar da Região Metropolitana de São Paulo para outras regiões do território paulista. Com a grave crise hídrica de 2014, atingindo outras regiões de São Paulo, novos negócios tendem a se transferir para outros estados, com maior disponibilidade de água. E isto levará a uma maior diminuição da participação paulista no PIB brasileiro.

Rio Atibaia, em Campinas: aqui havia uma cachoeira

Rio Atibaia, em Campinas: aqui havia uma cachoeira

5. Os estudos feitos pelo próprio governo paulista comprovam os enormes desafios para satisfazer a demanda de água em São Paulo nas próximas décadas. O Palácio dos Bandeirantes fez um estudo sobre as demandas de água na Macrometrópole Paulista até 2035. Os cálculos são de que em 2035 serão necessários 60 metros cúbicos, ou 60 mil litros de água por segundo de “vazão nova”, para garantir a continuidade do abastecimento industrial, agrícola e urbano no estado. Serão necessários novos 17 mil litros de água por segundo somente para o setor industrial, o equivalente à metade do que a Região Metropolitana de São Paulo já importa hoje do Sistema Cantareira. Ou seja, uma “meia Cantareira” será necessária para assegurar somente o abastecimento industrial até 2035.

6. As estimativas são de que, em 2035, a Macrometrópole Paulista (formada pelas regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas, Baixada Santista e Vale do Paraíba/Litoral Norte, e aglomerados urbanos de Jundiaí, Sorocaba e Piracicaba) terá 6 milhões de moradores a mais do que hoje. O Plano Diretor de Aproveitamento dos Recursos Hídricos para a Macrometrópole Paulista apontou nove arranjos, com novas fontes de abastecimento, considerando a necessidade de novos 60 mil litros de água por segundo para satisfazer o abastecimento urbano, indústria e agricultura. Entretanto, esses nove arranjos apontados no estudo representam no máximo 30,59 metros cúbicos, ou 30 mil litros de água por segundo a mais, ou seja, cerca de metade do que a Macrometrópole precisará até 2035. Outras alternativas terão que ser identificadas. Até lá, novos negócios industriais e em outras áreas tendem, de fato, a migrar para outros estados, com repercussão direta na continuidade da diminuição do poder político e econômico de São Paulo.

Desolação, a solidão do barco

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Sobre José Pedro Soares Martins

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