Há um mês, dia 2 de setembro, a imagem do menino sírio de 3 anos encontrado sem vida na areia de uma praia turca chocou o mundo e chamou a atenção para um movimento que já acontece há muitos anos. Na mesma quarta-feira em que Alan morreu, 100 pessoas foram resgatadas, também na travessia da Turquia para a ilha grega de Kos pelo Mar Egeu.
O jornalista Álvaro Kassab, assessor de imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), escreveu sobre a possibilidade de acontecer com qualquer um dos seus antepassados sírios o que aconteceu com Alan. Num desabafo poético, que a Agência Social de Notícias (ASN) reproduz abaixo, ele lembra que há séculos a população da Síria foge de regimes opressores. Kassab escreveu o texto em alguns minutos de reflexão ainda sob o impacto da imagem que chamou a atenção do mundo inteiro para os conflitos que ocorrem naquela região.
Por Álvaro Luís Kassab
“Aylan poderia ter sido Afifi, Anis, Nazira, Leila, Nazir, Nádima, Abrahão, Nadim, Said e tantos outros sírios (e/ou filhos e netos de) que me foram tão caros.
Aylan poderia ter sido meu avô, Anis, flauta de bambu nos lábios, a sintonizar uma rádio de Damasco.
Aylan poderia ter macerado o trigo no pilão, a exemplo de Afifi (bisavó) e Nazira (avó). Aylan poderia ter sido André, meu filho, que decidiu – vejam vocês – casar-se à beira-mar no mês que vem.
Aylan poderia ter se banhado em Camburi, mas tombou na Turquia – vejam vocês –, cujos déspotas de um longínquo império fizeram com que meu (bis)avô empreendesse a travessia, por meses, de outros mares há mais de século.
Aylan poderia ter sido poupado por outros impérios que chancelam e fomentam o livre trânsito de banqueiros, fanáticos religiosos, ditadores sanguinários, mercadores de escravos e magnatas das petroleiras e da indústria bélica.
Aylan poderia ter andado nos parreirais, assim como Leila, minha mãe. Aylan poderia ter sido Adonis, poeta sírio que escreveu, vejam vocês, “O que é a praia? travesseiro para descanso da onda”.
Aylan poderia ter conhecido as ruínas de Palmira. Aylan poderia ter colhido damascos e estendido a massa folhada. Aylan poderia ter sido eu a encontrar uma compota de essências na vaga desenhada por um vento qualquer.”
Crise mundial
Segundo a Anistia Internacional e a Comissão Europeia, vivemos hoje a pior crise mundial de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial. A Organização Internacional para as Migrações (OIM) calcula que em 2015 (até setembro), 2.643 pessoas morreram ao fazer a travessia por mar em direção à Europa, de um total de 350 mil que fugiam dos conflitos no Oriente Médio.
Em 2014, o número de imigrantes que fizeram o mesmo percurso, por bote ou embarcações lotadas, chegou a 219 mil – a maior parte deles levados por traficantes que lucram com a esperança de liberdade e paz dos refugiados. A situação deflagrou nos últimos meses uma série de discussões nos países europeus sobre os fluxos migratórios.
O Brasil tem sido um dos principais destinos procurados pelos sírios depois que já estão em terra. Nos últimos quatro anos, até agosto de 2015, o País recebeu 2.077 refugiados da Síria, que fugiam especialmente do Estado islâmico.