Por José Pedro Martins
O lobby da indústria nuclear está totalmente mobilizado para influenciar nos rumos da Conferência do Clima (COP-21), que começa na segunda-feira, dia 30 de novembro, e vai até 11 de dezembro em Paris. O objetivo do setor é consolidar a energia nuclear como uma das alternativas para a redução das emissões de gases que contribuem para as mudanças climáticas. A indústria nuclear tem defendido que essa fonte de energia tem “emissão zero” de gases-estufa, o que é contestado por vários estudos de especialistas e de organizações ambientalistas. O setor nuclear brasileiro também está mobilizado para participar do evento na capital francesa, que já foi muito afetado pelos ataques terroristas de 13 de novembro.
As portas para o uso da energia nuclear como uma fonte na redução de emissões de gases-estufa foram abertas pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Em seu relatório de 2007, o IPCC indicou a energia nuclear como uma das opções para combater as mudanças climáticas, com a observação de que “as questões de segurança, proliferação de armas e lixo continuam sendo preocupantes”.
A indústria nuclear comemorou, mas a euforia do setor passou com o acidente nuclear em Fukushima, Japão, a 11 de março de 2011. Três dos seis reatores nucleares da Central Nuclear de Fukushima derreteram, após a usina ter sido atingida por um tsunami provocado por um terremoto. Os planos de expansão da indústria nuclear também foram muito afetados pela tragédia.
Na COP-20, em Lima, Peru, no final de 2014, o então presidente do IPCC, o indiano Rajendra Pachauri, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 2007, voltou a afirmar que a energia nuclear é uma das alternativas para cortar emissões de gases-estufa. Destacando que o quinto relatório do IPCC reitera os riscos associados à energia nuclear, Pachauri ressaltou, contudo, em conversa com jornalistas: “Mas ela tem méritos enquanto emissões muito baixas ou quase zero e é opção para países que não têm outra alternativa para a substituição dos combustíveis fósseis”.
Pachauri renunciaria ao cargo de presidente do IPCC em fevereiro de 2015, após a controvérsia abertas pela denúncia de que teria cometido assédio sexual contra uma pesquisadora indiana. A polícia de seu país abriu inquérito para apurar o episódio. Pachauri, de 75 anos, sempre negou as acusações, mas renunciou ao cargo em fevereiro, sendo substituído pelo vice-presidente do IPCC, Ismail El Gizuli, que completou o mandato em outubro de 2015. Foi então nomeado um novo presidente, o sul-coreano Hoesung Lee, que estará representando o IPCC na COP-21 em Paris.
O lobby nuclear estará à vontade em Paris. Mais de 70% da eletricidade usada na França são derivados de fontes nucleares, um dos mais altos índices do planeta. São 19 usinas, operando 58 reatores. No Sul da França estão atualmente em desenvolvimento estudos relacionados à terceira geração da fusão nuclear.
Estudos contestam “emissão zero” – Apesar da repercussão global do acidente de Fukushima, a indústria nuclear voltou a ficar confiante e estará em peso na COP-21. Entre outros momentos, estará nos eventos que serão realizados pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) e Agência de Energia Nuclear da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento econômico, que reúne os países industrializados).
Serão dois eventos principais, nos dias 10 e 11 de dezembro, os últimos e mais críticos da COP-21, quando estará sendo definido o texto para o esperado acordo global de corte de emissões – se tudo correr como era previsto antes dos ataques de 13 de novembro. As duas organizações que promovem esses eventos paralelos à COP-21 lembram que a energia nuclear produz atualmente 11% da eletricidade global, sendo a segunda maior fonte de energia de “baixo carbono” depois da energia de fontes hídricas.
No cenário de cortes de emissões para evitar que o planeta supere os 2 ° C de crescimento até o final do século, a Agência Internacional de Energia (AIE) prevê que a quota de energia nuclear na produção global de eletricidade teria de aumentar de 11% em 2014 para 17% em 2050. A capacidade instalada teria de subir de 396 GW para 930 GW em relação ao mesmo período de tempo. As duas agências insistem em afirmar que a energia nuclear evita a emissão a cada ano de 2 G gigatoneladas de CO2, tendo evitado mais de 60 Gt de CO2 ao longo do período 1970-2015.
São vários estudos de especialistas e ambientalistas sustentando que não é bem assim. Um relatório da organização ambientalista internacional Greenpeace observa que as emissões indiretas da energia nuclear, quando são computadas as emissões nas fases de extração, processamento e transporte de urânio, entre outras etapas do circuito, representam um índice expressivo. Não existiria, portanto, a “emissão zero” apregoada pela indústria nuclear.
A Greenpeace Brasil fez um cálculo específico das emissões relacionadas à construção e operação da usina nuclear de Angra 3, cujas obras se arrastam há anos. O estudo considerou todo o ciclo nuclear e também as etapas de construção da infraestrutura da usina, gerenciamento dos resíduos radioativos e fase de descomissionamento, quer dizer, de desativação do complexo, após o fim de sua vida útil. A conclusão foi a de que as emissões de dióxido de carbono (CO2) em todas essas etapas seriam cinco vezes maiores do que as de fontes de energia solar e eólica, que poderiam ser desenvolvidas com a aplicação dos mesmos R$ 7 bilhões (ou mais) que serão gastos com Angra 3.
Importantes cientistas têm a mesma opinião. Ainda em 2011, Benjamin K.Sovacool, então doutorando na Virginia Polytechnic Institute and State University e graduate fellow do Oak Ridge National Laboratory, no Tennesse, escreveu: “O reprocessamento e o enriquecimento de urânio costumam depender de eletricidade gerada de combustíveis fósseis. Dados do Institute for Energy and Environmental Research e da Usec, uma empresa de enriquecimento de urânio, indicam que o urânio enriquecido necessário para produzir mil megawatts de eletricidade pode exigir até 5,5 mil megawatt/horas de eletricidade proveniente de gás e carvão. Duas das usinas a carvão mais poluentes dos Estados Unidos, em Ohio e Indiana, produzem primordialmente eletricidade para enriquecer urânio. Em outras palavras, muitas usinas nucleares contribuem de maneira indireta, mas não menos substantiva, para o aquecimento global, e em nada reduzem a dependência dos Estados Unidos do petróleo e do carvão”.
Lembrou ainda que a mineração e a trituração de urânio e a operação de reatores nucleares “também apresentam perigos graves para o meio ambiente”. Minas abandonadas no mundo em desenvolvimento, citou, “podem continuar apresentando risco de radioatividade por até 250 mil anos após seu fechamento. Usinas nucleares lançam poluentes e gases tóxicos, como carbono-14, iodo-131, criptônio e xenônio. Também produzem quantidades prodigiosas de resíduos, que permanecem perigosamente radioativos por mais de 100 mil anos. O Departamento de Energia dos Estados Unidos tem recorrido ao armazenamento recuperável desses resíduos no próprio local das usinas como uma solução temporária. Em 2003, mais de 49 mil toneladas de combustível nuclear irradiado [isto é, já gasto] foram guardadas em tambores lacrados e em piscinas de armazenamento em 72 locais diferentes dos Estados Unidos. Estima-se que a quantidade de resíduos deva chegar a 105 mil toneladas em 2035. A montanha Yucca – um depósito de armazenamento permanente financiado pelo governo federal em construção em Nevada – tem espaço suficiente para apenas 70 mil toneladas. Simplificando: não temos ainda uma solução duradoura para o problema de armazenamento de resíduos nucleares”, escreveu Sovacool, no artigo “Repensando a energia nuclear”, publicado no Brasil pela revista “Estudos Avançados”, do Instituto de Estudos Avançados da USP.
São várias questões, enfim, que devem ser consideradas, quando se aborda a questão da energia nuclear como uma das possíveis alternativas para cortar emissões de gases-estufa. A indústria nuclear brasileira também está mobilizada em função da COP-21 em Paris. Quatro entidades brasileiras que representam o setor no país foram signatárias do documento divulgado recentemente pela Nuclear for Climate, que reúne organizações de todo mundo.
O documento foi batizado de “Nuclear is part of the solution for fighting climate change” (Nuclear é parte da solução para o combate à mudança climática, em livre tradução), e tem como propósito reforçar a ideia de que seja incluído, no documento final da COP-21, o uso da energia nuclear como uma das fontes para combater o aquecimento global.
As quatro entidades brasileiras, entre as 140 que assinam o documento, são Associação Brasileira para Desenvolvimento das Atividades Nucleares (Abdan), Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Women in Nuclear Brazil e Brazil Young Generation Network.