Neste domingo, dia 9 de novembro, o Distrito de Sousas, em Campinas, sedia a 17ª edição do Reviva o Rio Atibaia. Em 2014, o Atibaia vive uma das mais graves crises de sua história, em função de uma estiagem severa e prolongada mas, sobretudo, pela falta de planejamento, pelo descaso e por decisões autoritárias. O rio Atibaia, um dos formadores da bacia do rio Piracicaba, é a síntese de como os recursos hídricos são maltratados no país com alma de água. Mas ele insiste em resistir.
O rio Atibaia é um dos mais impactados pela construção do Sistema Cantareira, o conjunto de reservatórios que abastece metade da Grande São Paulo e que já está no uso do que resta do seu Volume Morto. Estes reservatórios são formados na divisa de Minas Gerais e São Paulo, nas nascentes dos rios Atibaia e Jaguari.
O estudo “Análise de séries temporais de vazão e de precipitação na Bacia do Rio Piracicaba) realizado por pesquisadores do Centro de Energia Nuclear da Agricultura (CENA), órgão da USP localizado em Piracicaba, comprovou que as vazões médias do rio Atibaia, um dos principais formadores da bacia do rio Piracicaba, foram reduzidas após a entrada em operação do Cantareira, em 1974.
Os pesquisadores (Juliano Daniel Groppo, Luiz Carlos Eduardo Milde, Manuel Enrique Guamero, Jorge Marcos de Moraes e Luiz Antonio Martinelli) compararam as vazões de 1975 a 1996 com as de 1947-1974, em três pontos de medição, e concluíram que elas caíram entre 14,5 e 18,5% após 1974.
Segundo o mesmo estudo, a queda das vazões médias foi ainda mais significativa no rio Jaguari, outro dos formadores do rio Piracicaba. A queda foi de 37,70% entre os períodos 1947-1981 e 1982-1996. No próprio rio Piracicaba, a queda das vazões médias foi de 7,63% a 11,54%, entre os períodos 1947-1974 e 1975-1996.
“A comparação do comportamento dos rios com e sem a influência do Sistema Cantareira e a análise dos períodos em que as mudanças ocorrem sugerem que a retirada de água da bacia para o abastecimento da Grande São Paulo é a mais provável causa da tendência negativa na vazão”, concluem os autores.
Descaso local – Mas não foi somente o Sistema Cantareira a causa da degradação acelerada do rio Atibaia nas últimas décadas. O desmatamento ciliar e o uso inadequado do solo, levando ao assoreamento e à devastação das nascentes, também contribuíram. Isto ficou claro no estudo “APA de Campinas: Situação dos recursos hídricos da Bacia do Ribeirão das Cabras: Identificação, caracterização e georreferenciamento dos açudes, poços, represas e das nascentes da sub-bacia do Alto Ribeirão das Cabras”, realizado pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Campinas e concluído em 2012.
O estudo verificou a situação de 145 nascentes principais e mais 12 associadas. O resultado mostrou que 77 nascentes estavam em condição Ruim, oito em condição Péssima, 15 em condição Regular e 57 em condição boa. Ou seja, cerca de 30% somente das nascentes estavam em boa situação, pelos critérios adotados pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Campinas.
É importante observar que o estudo abrangeu somente a sub-bacia do Alto Ribeirão das Cabras, que é muito maior. De qualquer modo, o estudo comprovou a urgência de um uso mais racional do solo e de medidas de recuperação das nascentes, visando a proteção dos recursos hídricos na região da APA de Campinas.
Bacia do Atibaia – A bacia do rio Atibaia, com seus 2,8 mil km2, representa 22,8% da bacias do rio Piracicaba, que por sua vez representa 82,1% das bacias do Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ).
A área da sub-bacia do rio Atibaia é a que apresenta maior demanda de água no contexto das bacias PCJ. A bacia do rio Atibaia tem uma demanda de 9,78 metros cúbicos, ou 9,78 mil litros, de água por segundo, sendo 5,26 m3/s de demanda para abastecimento urbano (majoritariamente para o abastecimento de Campinas, mas também de outras cidades), 1,05 m3/s para uso agrícola e 3,46 m3/s para uso industrial, em boa parte para o polo petroquímico de Paulínia.
As demais sub-bacias do PCJ têm as demandas totais de água: Piracicaba (8,34 m3/s), Jaguari (5,47), Jundiaí (4,94), Capivari (3,95), Corumbataí (2,95) e Camanducaia (0,91 m3/s).
Estes números ratificam o imperativo do desenvolvimento sustentável na sub-bacia do rio Atibaia, no conjunto das bacias PCJ, o que passa pela reestruturação da gestão do Sistema Cantareira mas também por um uso muito mais adequado do solo em esfera dos municípios que compõem a sub-bacia, como o caso de Campinas, que tem mais de 95% de seu abastecimento dependente do Atibaia.
Daí a importância estratégica da APA de Campinas e de sua ocupação ordenada. Além dos recursos hídricos, a APA de Campinas tem enorme riqueza em biodiversidade. Já foram catalogadas na APA 478 espécies de árvores, além de uma raríssima vegetação rupestre, e animais (475 espécies identificadas, sendo 55 de anfíbios, 39 de répteis, 311 de aves e 70 de mamíferos). Também está localizada em Sousas, desde a década de 1930, a principal captação de água para Campinas.
Este é o pano de fundo de mais uma edição do Reviva o Rio Atibaia, no ano de completa desolação do rio. O Reviva o Rio Atibaia é o mais antigo evento ambiental em atividade no estado de São Paulo, fruto da parceria entre Jaguatibaia – Associação de Proteção Ambiental, Associação de Remo de Sousas e Laboratório MSD.
Considerando questões macro, como o Sistema Cantareira, ou questões micro, como o uso local do solo, a verdade é que o rio Atibaia é um exemplo de como a região de Campinas passou por um processo de crescimento insustentável. A hora é de mudança, como reitera com veemência a crise hídrica de 2014. (Por José Pedro Martins)