Por Carlos Eduardo Cantusio Abrahão
Na abertura da Conferência “Sadia qualidade de vida e Princípio da Precaução”, do Prof. Dr. Paulo Affonso Leme Machado ocorrida em agosto deste ano no Auditório do Centro Infantil Boldrini, a Prof. Dra. Silvia Brandalise abriu o evento usando de fina ironia: “nós médicos sempre chegamos atrasados”.
O evento fez parte de um importante trabalho de conscientização e pesquisa empreendido pelo Fórum Meio Ambiente e Câncer da Criança, com o Apoio do Centro Infantil Boldrini. Sem dúvida que não quis ela se referir ao pequeno atraso de quinze minutos para o início dos trabalhos, mas ao fato do quanto estamos distantes na clínica da precaução no caso da incidência e prevalência, além da mortalidade, por certas formas de patologias emergentes, entre elas, dos cânceres, e de sua relação com a exposição ambiental de largas massas populacionais na humanidade.
Demonstrando através de dados epidemiológicos que crianças, jovens, adultos e idosos estamos cada vez mais sujeitos ao câncer de diversas formas, Dra. Silvia chamou a atenção para o enorme descompasso entre as possíveis medidas de cautela e precaução e essa preocupante elevação nas ocorrências. E tais medidas são tão mais importantes quanto a exposição se amplia; e tão mais simples quando a consciência da gravidade do problema se amplia e dissemina.
Médicos vêm sendo chamados para cuidar do câncer já instalado, sendo pouca ou quase nenhuma nossa contribuição na “prevenção” do agravo, mesmo já sabendo dos fatores ambientais que indiscutivelmente interagem com vulnerabilidades constitucionais para desencadear seu aparecimento. E não podemos isolar os cânceres em todas as faixas etárias de patologias correlatas, como aplasias, displasias, alergias e neoplasias, além da teratogênese relacionada a indivíduos suscetíveis e exposição ambiental em médio e longo prazos.
Nesse sentido foram apresentadas sugestões que incluam o “Princípio da Precaução” na revisão do Código de Ética Médica Brasileiro em 2009. Infelizmente ainda não foram incorporadas, porém permanecem ainda mais procedentes.
O estabelecimento de nexos causais, que muitas vezes a clínica escancara, fica envolto outras vezes num mutismo acobertador. É o que vemos acontecer com categorias de trabalhadores expostos a agentes nocivos, população essa que se constitui sentinela para o aparecimento de eventos mórbidos aqui abordados. Neste sentido é digno de nota a primeira publicação nacional pelos Ministérios do Trabalho e Emprego, Saúde e Previdência Social da Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos (LINACH), através da Portaria Interministerial no 9 de 7 de outubro de 2014 (Diário Oficial da União de 8/10/2014).
A listagem é uma iniciativa necessária, porém ainda incompleta e insuficiente para se estacionar “como referência para a formulação de políticas públicas”. A exposição humana a agentes “cancerígenos” aparece de forma escancarada no ambiente de trabalho, porém dissimulada nos demais ambientes em geral, destacadamente na exposição a agentes na água e alimentos, nos ambientes domésticos e empresariais, além dos de trabalho. Isso implica em que esse conhecimento seja tomado com rigor na sua aplicação quando se trata destacadamente de gestantes, recém-nascidos e crianças, adolescentes, adultos e idosos, no dia-a-dia das pessoas.
E, ao mencionar “políticas públicas”, deixa no ar a responsabilidade social-ambiental das empresas e indústrias, a sustentabilidade, destacadamente das que produzem e operam com esses agentes agressores.
No que diz respeito a políticas públicas, Campinas é abatida na Lei das Antenas; no enfrentamento veneno dependente da epidemia de dengue; nas posturas globais que culminam com a expansão urbana e a incapacidade de suporte quanto a produção de resíduos, poluição e contaminação do ar e da água. Não se trata de condenar esse ou aquele prefeito, mas salientar de como aplicar na vida real da cidade a precaução.
No caso da Lei das Antenas de Campinas, entre as pioneiras no país, estava bem-posta e de acordo com a precaução; foi desfigurada em pontos essenciais por pressão corporativa e agora é letra morta, virou burocracia e descontrole por parte dos aparelhos de Estado.
A estrondosa epidemia de dengue demonstra o mau exemplo que, sob o manto da “saúde coletiva”, a aplicação química de venenos tem impacto negativo no descontrole do descalabro e impacto imensurável no desequilíbrio ecológico e principalmente na exposição inadvertida de pessoas sensíveis (gestantes, crianças, idosos).
O uso do lodo do volume “morto” para obter-se água “potável” no Sistema Cantareira fala por si só.
Carlos Eduardo Cantusio Abrahão é médico e sanitarista. Ex presidente do COMDEMA e ex-coordenador de Saúde Ambiental em Campinas.