Neste sábado, dia 16 de junho, acontece a quinta edição do Sarau da Dalvinha. Vinculado ao Sarau da Dalva, que habitualmente já recebe uma participação muito expressiva de crianças, a iniciativa é um trabalho voltado especificamente ao público infantil, iniciada neste ano de 2018, com realização sempre entre sábados e domingos, durante o dia.
Segundo Rafa Carvalho, idealizador do Sarau, o “Dalvinha” consiste em fundar mais um espaço comunitário dentro do Bar do Manoel – Estrela Dalva, destinado à convivência, mas focado na “passagem do tempo”. De acordo com o poeta, há uma relação bastante complexa entre as gerações. “(…) Por um lado, temos as raízes, tradições, heranças e legados. Nossa ancestralidade. Há nisso belezas imensas, mas também pendências, coisas que ainda não fizemos como humanidade. Por outro, há a potência imensurável das crianças, muito mais capazes que nós, a possibilidade do novo, mas, por uma das ironias da vida humana, dependentes de alguma tutela. Essa combinação gera a demanda de uma constante e mútua relação de ensino-aprendizagem e partilha. Isso é o que queremos com o ‘Dalvinha’. Que seja um espaço apenas à assimilação deste processo, que em suma, está acontecendo o tempo todo. A vida é convivência, formação. Construção, desconstrução, reconstrução. O tempo todo. É transformação. E há uma necessidade humana de transcendência, evoluir. A vida é uma escola. As escolas precisam se parecer mais com a vida. Não precisamos criar espaços específicos, mas sim entender que todo espaço é especial. (…)”
Com idealizações de Rafa e cumplicidade de Seo Manoel e de muitas pessoas envolvidas até aqui, com a história deste trabalho, o Estrela Dalva tem sido muito mais que um bar, um centro cultural e de convivência comunitária, resistência artística, atuação política e transformação social. Ainda assim, segue sendo um bar. E perguntamos a ele qual o efeito desse dado nas tentativas específicas com um sarau infantil: “(…) Não tem sido fácil. Só que nada foi fácil, em todo este processo, até aqui. Então, fico tranquilo. Estamos começando com um público muito pequeno, mas valorizando muito cada criança que se apresenta. E presenciamos nessas quatro edições iniciais, cenas muito impressionantes, representativas do que podemos alcançar com este trabalho. Eu cresci naquele bar, vendo tudo ser como é. E cresci naquele bairro. Soube da existência do crime, da droga, do tráfico, da corrupção, das violências, do sexo, testemunhei muitos de seus efeitos no dia a dia da comunidade, nas pessoas e paisagens. E não acho que isso me atrapalhou. Só, que me apresentou ao mundo em que vivo até hoje. Há uma hipocrisia absurda nos adultos. Ou não? Afinal, o mundo não é governado por crianças. Acessei pedagogias maravilhosas e trabalhei em escolas com propostas emocionantes, mas completamente desconectadas da ampla realidade brasileira. Se cria crianças em nichos, como se fosse possível poupá-las do mundo. E como se fosse interessante fazê-lo, caso fosse possível. Veja aonde esse papo do ‘politicamente correto’ nos trouxe. Veja onde estamos. Eu cresci com pais fumantes, num bar pré lei antifumo, fumando cigarrinhos de chocolate por brincadeira. E nunca virei um fumante de fato. Tomar consciência do mundo só nos faz ter bases melhores para nossas escolhas. O mundo gira. E nós esquecemos tudo que fizemos com nossos pais, quando criamos nossos filhos. Esquecemos de como é a nossa vida, quando idealizamos as deles. Forjamos lembranças nostálgicas, com aquele papo de que ‘antes era melhor, tinha mais respeito, segurança, etc.’. O ‘Dalvinha’ é só um evento-lembrança de que a vida está acontecendo o tempo todo. De que ela é cíclica e que podemos fazê-la espiralar, desenvolver. Nosso sarau é só uma zona autônoma realizável, facilitada em certa medida, para aproveitarmos, se quisermos. É um espaço livre, possível à experiência e à ação, aos adultos ‘doutores em Facebook’, que queiram fazer algo útil de fato. Um lugar pra quem cansar de ficar responsabilizando os outros, pelo desandar de tudo, inclusive da vida dos próprios filhos, e resolver trabalhar coletivamente, por passos conjuntos, bem dados e andados, no caminho da humanidade. Eu sei que a fala é dura. Mas é isso. O filho de um é o filho de todos. Todos os condomínios da Terra ainda ficam dentro da Terra. A vida precisa ser encarada. Melhor, se for com Poesia. Melhor, se for com disposição à alegria, ao prazer, à brincadeira, à leveza e à suavidade. Enfim, tudo que pode acontecer no ‘Dalvinha’, pode acontecer em qualquer lugar. Ali é só um espaço oferecido a isso, que vai florir, se pessoas juntas cultivarem. Bar, igreja, praça, escola, condomínio, ocupação. Tanto faz. O que sempre contou, e o que sempre vai contar, é o coração. E a intenção real das pessoas envolvidas.”
O sarau, que já contou com contações de história, oficinas diversas e teatro de mamulengos, nesta edição de Junho recebe a educadora Renata Meirelles, reconhecida no Brasil e fora dele por projetos como o “Território do Brincar”. Com ampla pesquisa realizada sobre a infância e o lúdico, e de todas as correlações que se estendem a partir destes temas, Renata coleciona viagens, participações, exposições, e uma larga produção artística, científica, audiovisual e bibliográfica, que motiva e inspira uma série de trabalhos e atuações pelo país e além. Para o Sarau da Dalvinha, ela traz uma partilha de pequenos filmes seus, feitos em diferentes regiões do Brasil, sobre este universo infantil, do jogo, da imaginação e do brinquedo, além de uma vivência com os presentes, sobre o brincar em si.
Rafa Carvalho nos contou da alegria e gratidão em receber Renata numa edição do “Dalvinha”. E perguntamos a ele se algumas atividades se destinariam exclusivamente às crianças: “ (…) Sim. Mas a coisa é que todos nós as somos. Em algum lugar interno, ali trancada, minguando, com fome, quietinha, emburrada, sempre há eternamente uma criança nossa, de cada qual, viva e indestrutível, por mais que as prendamos e não alimentemos. Essas crianças só morrem quando nós morremos. Ou nem isso. Logo, qualquer pessoa disposta pode chegar, como é com todos os nossos projetos ali. A única premissa é que não haja desamor. E com isso o espaço fica disponível. Aos resgates todos. Sempre há de ser tempo, enquanto a gente a quiser, pra valer.” O sarau também tem doces, salada de frutas fresquinha sempre feita com muito carinho por Seo Manoel. E pipoca quentinha saindo de tempo em tempo, tudo isso de graça. Com microfone aberto às crianças, biblioteca acessível e espaço criativo para desenhos e outras artes. Porque, segundo Rafa, criança serve pra isso, a arte deve servir às crianças. E nós também!
O “Sarau da Dalvinha” de junho acontece neste sábado, dia 16 de junho, a partir das 15h. E logo em seguida, às 18h, ainda tem o Samba no Maneco, roda de samba mensal do Estrela Dalva. Um dia inteiro de programação, para quem quiser e aguentar! O Sarau da Dalvinha compõe o projeto “Sarau da Dalva” e está contemplado este semestre pelo Proac, Programa de Ação Cultural, da Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo, contando assim, por este intermédio, com o apoio do povo paulista.
Serviço:
Sarau da Dalvinha (junho)
Bar do Manoel – Estrela Dalva
Av. Lafayete Arruda Camargo, 767. Parque São Quirino. Campinas – SP
Tel.: (19) 3296 4912