Por José Pedro Soares Martins
Nesta quinta-feira, dia 17 de janeiro, aconteceu mais uma vez a cerimônia de lavagem da escadaria da Igreja do Senhor do Bomfim, em Salvador (BA), com a presença de milhares de cristãos, praticantes do Candomblé e turistas. Cerimônia ecumênica semelhante é realizada desde 1985 na Catedral Metropolitana de Campinas, que no final de 2018 foi o palco de uma grande tragédia (aqui).
Mas a cerimônia da lavagem da Catedral de Nossa Senhora da Conceição é basicamente um ato de paz. O ritual se repete há 33 anos. Aos poucos, a praça em frente à Catedral dedicada à padroeira da cidade é tomada por uma multidão de pessoas vestindo branco. Mulheres, homens e crianças, de diversas idades, tomando posição para lavar as escadarias da Catedral.
A cerimônia de lavagem da Catedral de Campinas começou em 1985 e é realizada sempre no Sábado de Aleluia, pelas comunidades das religiões afro-brasileiras. Não é, entretanto, a única manifestação do tipo. Não muito longe da Catedral, outra cerimônia com o mesmo corte ecumênico é realizada no Largo de São Benedito, sempre no dia 20 de novembro, dedicado a celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra.
Nessa data, rodas de jongo são realizadas pela Comunidade Jongo Dito Ribeiro. Dito Ribeiro é um mineiro que chegou a Campinas na década de 1930 e desde sempre praticou o jongo em sua casa. Era devoto de São Benedito e de Mestre Tito, um ex-escravo cujo túmulo no Cemitério da Saudade atrai milhares todos os anos. Foi de Mestre Tito a ideia inicial de construir a Igreja de São Benedito naquele local. Falecido em 1882, não conseguiu ver o seu sonho realizado – a Igreja foi inaugurada em 1885.
“Para mim é um enorme privilégio contribuir com o resgate e a divulgação dessa tradição”, diz a Dra.Alessandra Ribeiro, admitindo que apenas na idade adulta teve contato com o jongo, em um processo de construção da própria identidade, como acontece com grande parte da comunidade afro-brasileira. Hoje é a líder da Comunidade Jongo Dito Ribeiro e gestora cultural da Casa de Cultura Fazenda Roseira.
Em quase toda história do Brasil, e até boa parte do século 20, comenta a Dra.Alessandra, liberdade religiosa era sinônimo de liberdade para exercer a fé católica. Entre o final do século 20 e inicio do século 21, houve um expressivo avanço de expressões de fé protestantes, com reflexos inclusive na eleição de grandes bancadas nos Parlamentos, nacional, estaduais e municipais. E, agora, completa a líder da Comunidade Jongo Dito Ribeiro, “o próprio tensionamento contribuiu para que o budismo, o terreirismo e outras expressões religiosas deixassem os seus espaços para promover um grande debate, um grande diálogo sobre a verdadeira diversidade religiosa”.
“Assim como nunca se discutiu tanto sobre racismo, sobre gênero, também nunca se falou tanto sobre diversidade religiosa, e isso é muito positivo”, comenta. Nesse sentido, a Dra.Alessandra Ribeiro acredita que “houve sim um avanço, em termos da mobilização que faz a política avançar, para que os direitos humanos sejam de fato respeitados em sua integridade”.
(18º artigo da série DDHH Já, sobre os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos no cenário brasileiro. No 18º dia do mês de janeiro de 2019, o artigo corresponde ao Artigo 18: Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.)