Por José Pedro Soares Martins
O dia 11 de novembro de 2017 tornou-se uma data tristemente histórica para os trabalhadores brasileiros. Naquele dia entrou em vigor a Lei 13.467, com os termos da reforma trabalhista proposta pelo governo do ex-presidente Michel Temer e aprovada pelo Congresso Nacional. “A reforma derrubou vários direitos que vinham sendo defendidos por documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e consagrados pela legislação brasileira”, lamenta Antônio Augusto Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP).
Por meio de sua atuação no DIAP, Antônio Augusto Queiroz tem sido uma figura chave no debate sobre os direitos dos trabalhadores nas últimas três décadas. Ele foi um dos protagonistas da projeção nacional alcançada pelo DIAP, durante os trabalhos de Assembleia Nacional Constituinte, eleita em novembro de 1986 para redigir uma nova Constituição brasileira, condição essencial para marcar o novo período político após a ditadura de 1964-84.
O DIAP foi fundado oficialmente em 19 de dezembro de 1983, como fruto de resolução aprovada em 1981, no I Congresso Nacional de Estivadores, Portuários, Marítimos, Fluviários, Aeroviários, Aeronautas e Pescadores, em agosto, em Fortaleza (CE). A resolução previa a criação de um órgão para prestar assistência às entidades sindicais em relação ao andamento de projetos de lei e estudos legislativos do interesse da classe trabalhadora junto aos Poderes da República.
A atuação do DIAP na monitoria dos projetos e ações de interesse do trabalhador, no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, alcançou especial expressão durante a Assembleia Constituinte. Sempre com a participação do jornalista Antonio Augusto Queiroz, o DIAP passou a editar a publicação “Quem é Quem”, com a análise da atuação do deputado federal e senador na respectiva legislatura. Ser “Nota Dez do DIAP” passou a ser uma meta dos parlamentares, significando que eles votaram a favor das propostas positivas para o trabalhador.
A previsão de que a legislatura 2015-2018 seria contrária aos interesses do trabalhador foi apontada pelo DIAP logo após as eleições de 2014. Em seguida à divulgação dos resultados, o DIAP publicou levantamento, mostrando que a bancada sindical na Câmara dos Deputados havia sido reduzida de 83 para 46 parlamentares. O órgão intersindical esclareceu que foram reeleitos 32 parlamentares e eleitos 14 novos deputados, com trajetória favorável aos direitos dos trabalhadores. “Uma bancada sindical menor vai reduzir o poder de enfrentamento com a agenda empresarial”, disse Antônio Augusto Queiroz na época.
As expectativas foram confirmadas e, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, ganhou força a mobilização pela reforma trabalhista, que acabou sendo sacramentada com a Lei 13.467. “A“Reforma” Trabalhista, materializada pela Lei 13.467/2017, foi pensada para reduzir custos do empregador, ampliar o lucro e a competitividade das empresas, além de facilitar a precarização das relações de trabalho e o enfraquecimento da representação sindical. Só vale a lei de proteção ao trabalhador quando o acordo ou a convenção coletiva não dispuser em sentido diferente”. Assim o DIAP resumiu a nova lei, no primeiro parágrafo da cartilha “Reforma trabalhista e seus reflexos sobre os trabalhadores e suas entidades representativas”.
Em 62 páginas o documento, editado pouco depois da publicação da nova legislação, comentou os vários efeitos diretos sobre os direitos dos trabalhadores no Brasil. Flexibilização de direitos trabalhistas previstos legalmente, resguardados apenas os que estão escritos na Constituição Federal; ampliação das possibilidades de terceirização e pejotização (contratação do trabalhador como pessoa jurídica e sem vínculo empregatício); criação de novas formas de contratação, especialmente o autônomo exclusivo e o intermitente; restrições de acesso à Justiça do trabalho; e retirada de poderes, atribuições e prerrogativas das entidades sindicais – estes foram apenas alguns dos impactos negativos elencados pelo DIAP (aqui).
“Vários direitos dos trabalhadores, essencialmente vinculados aos direitos humanos básicos, foram retirados dos trabalhadores, como a proteção contra o trabalho insalubre”, protesta Antônio Augusto Queiroz. Para ele, a reforma trabalhista atingiu em cheio os sindicatos, que “ficaram fragilizados na defesa dos trabalhadores mais vulneráveis”.
Eventuais mudanças, com o resgate de alguns dos direitos cortados, acredita o diretor do DIAP, dependem do resultado das eleições parlamentares, de governadores e presidenciais de 7 de outubro de 2018. “Estão em disputa no momento três propostas. Uma que retoma a ideia do Estado de proteção social e portanto resgata a noção de direitos humanos. Outra é de cunho neoliberal, reduzindo os recursos para a área social. E a terceira é a pior de todas, pois prevê um Estado penal, com tendência a punir os mais vulneráveis”, alerta Queiroz.
Ele entende, entretanto, que o cenário brasileiro não é diferente daquele verificado em várias partes do mundo. “Os direitos humanos vinham em uma ascendente, mas tem havido retrocessos em várias regiões, como o avanço da xenofobia na Europa e Estados Unidos”, conclui o diretor do DIAP.
A questão do trabalho no mundo contemporâneo vem provocando, de fato, muita reflexão entre ativistas, intelectuais e artistas. Foi o caso da exposição “O Feito, Trabalho”, dos artistas Fábio Lopes, João Nakacima, Thales Lira e Thiago Fernandes, “em diálogo com Gustavo Torrezan”, realizada ainda em 2014 no Museu de Arte Contemporânea de Campinas (MACC).
Em contraponto com a hegemonia do mass mídia, os artistas apresentaram suas ideias em uma plataforma mais do que tradicional. As frases expressando preocupação com os rumos do trabalho no cenário da globalização foram escritas em giz, nas paredes que simulam um quadro negro, tão presente no imaginário de tantas gerações. É como que os autores estivessem dizendo: tudo mudou, e muda rapidamente, mas muita coisa ainda não mudou. As relações de trabalho continuam injustas em muitas situações mundo afora.
(23º artigo da série DDHH Já, sobre os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos no cenário brasileiro. No 23º dia do mês de janeiro de 2019, o artigo corresponde ao Artigo 23: 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.)