As fakes news e outras modalidades de desinformação podem ser devastadoras para os serviços públicos, como na meteorologia e saúde, e devem ser então combatidas de várias formas pelo conjunto da sociedade. Este foi o consenso entre os participantes do Fórum Fake News na Meteorologia, realizado na manhã desta quarta-feira, dia 27 de novembro, na Unicamp, sob mediação do jornalista Manuel Alves Filho.
O Fórum foi uma iniciativa do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp, em parceria da Secretaria Executiva de Comunicação (SEC) da Unicamp e da Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa (Cocen) da Universidade. O evento aconteceu no Auditório do Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS).
Fake news e o ecossistema da desinformação – O evento foi aberto pelo secretário de Comunicação da Unicamp, Peter Schulz, e a assessora da Cocen, a pesquisadora Raluca Savu, que destacaram a importância de aprofundamento da discussão sobre as fakes news, no contexto do papel cada vez mais importante das redes sociais na comunicação.
A primeira exposição foi do jornalista e escritor José Pedro Martins, editor da Agência Social de Notícias. Ele salientou que as fakes news, ou notícias falsas, são uma das modalidades do ecossistema da desinformação, formado ainda pelas notícias verdadeiras mas tiradas do contexto, os memes, o exército de trolls, os sites de humor (fontes de notícias difundidas eventualmente como verdadeiras) e as notícias com má-informação, como aquelas que acentuam a identidade de gênero de uma figura pública.
Todos esses formatos de desinformação, sublinhou o jornalista, foram possíveis pela proliferação das redes sociais, que também mudaram radicalmente o papel dos meios tradicionais de comunicação, como televisão, rádio, jornais e revistas. Estes passaram a vivenciar uma crise profunda no próprio modelo de financiamento.
Um dos principais impactos negativos das fakes news, disse José Pedro Martins, é o ataque a instituições consolidadas. Citou o caso envolvendo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que insistiu em que o furacão Dorian chegaria ao Alabama, o que foi logo desmentido pelo Serviço Nacional de Meteorologia. Trump continuou insistindo e a polêmica aumentou com a divulgação de um relatório sem identificação do responsável, mas atribuído à Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA). A própria direção da NOAA depois lamentou o episódio e, afinal, o furacão não chegou ao Alabama.
Outros efeitos desastrosos, acrescentou, Martins, estão no campo da saúde, como no caso da multiplicação de notícias falsas contra as vacinas. “É um exemplo de como as fake news podem ser muito prejudiciais para toda sociedade e motivo para o combate sem tréguas a elas e à desinformação em geral”, disse o editor da ASN.
Martins concluiu comentando os caminhos que estão sendo trilhados para combater as fake news, o da legislação (com o risco de ser utilizada de forma equivocada, em função de interesses políticos), da Alfabetização Midiática e Informacional (AMI, muito defendida por órgãos como a Unesco) e da checagem de dados, por agências como as brasileiras Lupa (pioneira), Aos Fatos e Agência Pública.
“É fundamental ampliar o debate e dar ferramentas para que os estudantes de hoje tenham condições de lidar com o arsenal de informação e desinformação que bombardeia a todos, todos os dias”, concluiu José Pedro Martins.
Meteorologia e Defesa Civil – A pesquisadora do Cepagri-Unicamp, Ana Ávila, falou em seguida sobre os efeitos das fake news na meteorologia. O maior risco, alertou, é o pânico da população em caso de informações falsas ou inexatas sobre os fenômenos climáticos extremos.
Ana Ávila citou dois casos recentes em que meteorologistas tiveram de esclarecer a respeito sobre notícias falsas veiculadas à exaustão nos meios de comunicação. Um, o de que o inverno de 2018 seria o mais rigoroso da história. Outro, o de que o mês de fevereiro de 2019 seria o mais quente da história. A pesquisadora do Cepagri advertiu para o imperativo de que as notícias em meteorologia sejam devidamente checadas, para verificação da fonte, se é um dos respeitados institutos de meteorologia que atuam no país.
Pânico desnecessário também foi citado pelo diretor da Defesa Civil de Campinas e da Região Metropolitana, Sidnei Furtado Fernandes. “Notícia falsa adora uma tragédia”, acentuou, relatando casos de grandes desastres que levaram à propagação de fake news, como os vários pedidos falsos de doações para as vítimas de Brumadinho (MG). Sidnei citou até o caso de um cidadão que se passou por membro da Defesa Civil para propagar notícia falsa sobre um temporal em Londrina (PR). “Tudo isso confunde a população e atrapalha os serviços públicos, como da Defesa Civil e dos Bombeiros”, disse Fernandes.
Propostas de ações – Os participantes do Fórum Fake News na Meteorologia apresentaram propostas de ação para o enfrentamento adequado das notícias falsas. Uma delas partiu do diretor da Defesa Civil, Sidnei Fernandes, no sentido de adaptação para a realidade local do guia elaborado por uma agência norteamericana que trabalha na área de desastres. O guia é direcionado ao combate das fake news sobretudo nas redes sociais, que hoje são a principal fonte de informação de grande parte da população.
O jornalista José Pedro Martins propôs a implementação de um projeto-piloto em escola de educação midiática ligada à meteorologia. Os resultados seriam depois multiplicados para outras escolas. Para Martins, é essencial a maior participação das Universidades na discussão, contribuindo com as ferramentas científicas no combate às fake news.
Os participantes do evento concordaram em que o debate deva continuar. Serão realizados outros encontros e convidados outros atores para a grande e urgente reflexão sobre como combater de forma adequada as fake news que tanto prejudicam os serviços públicos de interesse de todos.