Por José Pedro Soares Martins
Campinas, 10 de dezembro de 2019
Um Laboratório de Ensino de Matemática em Contagem (MG), a utilização de jogos em uma escola de Mogi das Cruzes (SP), atividades promovidas pelo Sebrae no âmbito escolar, um programa pelo letramento financeiro em Campinas (SP). Estas são algumas ferramentas que já vêm sendo realizadas em escolas públicas e privadas no Brasil, para a difusão da Educação Financeira entre os alunos. A prática tende a se intensificar nos próximos anos, em função da inclusão da Educação Financeira como tema transversal na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
“É um avanço a BNCC trazer em seu escopo a Educação Financeira, pois é um documento normativo para a educação”, comenta a professora Renata Rodrigues de Matos Oliveira, licenciada em Matemática e Física pela PUC-MG, com curso concluído em 2004, que liderou o processo de implantação de Laboratórios de Estudos de Matemática (LEM) em Contagem, em parceria com a professora Fernanda Rodrigues Alves Costa. O LEM foi implantado em várias escolas da cidade mineira e vem sendo utilizado para disseminação de noções de Educação Financeira.
Educação Financeira na BNCC – Após ampla discussão, envolvendo vários atores, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi homologada pelo Ministério da Educação em dezembro de 2017 (aqui). A homologação atingiu inicialmente a Educação Infantil e Ensino Fundamental. A BNCC do Ensino Médio foi homologada em dezembro de 2018. O Brasil passou a ter, então, uma base normativa contemplando um conjunto de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica.
A BNCC tem seus antecedentes e fundamentos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que em seu Artigo 26 regulamenta uma base nacional comum para a Educação Básica. A Lei de Diretrizes e Bases orientou a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que até a homologação da BNCC eram a referência para os currículos escolares no país.
Uma das novidades da BNCC é a inclusão da Educação Financeira como tema transversal, sobretudo no âmbito do ensino de Matemática e Ciências da Natureza no Ensino Fundamental. Como tema transversal, entretanto, outras disciplinas podem promover e realizar atividades em Educação Financeira.
Após a homologação, o ano de 2019 foi dedicado à adaptação da BNCC para as realidades estaduais. Vários estados discutiram e aprovaram um currículo alinhado com a BNCC, em regime de colaboração com os municípios. O ano de 2020 será o do início de implantação de fato da BNCC e a perspectiva é que a Base Nacional Comum Curricular opere, então, como alavanca de propagação da Educação Financeira através da gigantesca rede formada pelas mais de 200 mil escolas públicas e privadas em todo território brasileiro.
Desafios para implementação – O desafio está na preparação para que essa implementação ocorra, de acordo com os especialistas ouvidos pela Agência Social de Notícias. “Em meu ponto de vista, como profissionais abordamos a Educação Financeira, entretanto com pouca prioridade, tendo em vista a quantidade de conteúdos que temos que ministrar. Assim as escolas tratam do assunto, mas estamos longe de uma abordagem muito efetiva”, observa a professora Renata Rodrigues de Matos Oliveira, de Contagem.
Ela nota que Contagem já teve programas juntamente com a Escola de Administração Fazendária (ESAF), para auxiliar professores de diversas áreas a abordar a Educação Financeira. “Esse programa propunha atividades e oficinas para que fossem abordadas nas escolas ou em setores públicos, no intuito de auxiliar a população”, explica a professora Renata, para quem a parceria com instituições especializadas é um caminho, então, de preparação das escolas.
É o que tem ocorrido com as escolas atendidas pelo Programa Nacional de Educação Empreendedora (PNEE), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). A grade curricular do PNEE, que leva noções de empreendedorismo e gestão para as escolas, contempla conceitos de Educação Financeira.
O material didático do PNEE, disponibilizado para as escolas, inclui itens como (1) Palestra “Gestão de Finanças Pessoais”; (2) Série “Eu e meu dinheiro”; e (3) Materiais Didáticos do Programa Educação Financeira nas Escolas do CONEF, que é o Conselho Comitê Nacional de Educação Financeira.
“A inclusão da Educação Financeira na Base Nacional Comum Curricular é um passo muito importante, pois é um assunto essencial para a formação do cidadão, para a consciência de seus direitos, mas de fato é decisivo pensar na preparação adequada das escolas e dos profissionais para que a implementação ocorra de modo apropriado”, alerta o professor Vladimir Cardoso de Oliveira, diretor da Escola de Educação Integral/Educação de Jovens e Adultos Dr.João Alves dos Santos, de Campinas.
A EEI/EJA é uma escola enorme, com mais de 850 alunos, e seu conjunto de gestores e professores está sempre buscando alternativas para garantir a educação em tempo integral para os estudantes, de preferência de modo transversal e interdisciplinar. O diretor Vladimir ressalta que ainda não foi possível, contudo, ampliar o ensino e aprendizado sobre Educação Financeira, além de noções básicas ministradas. “É preciso uma metodologia bem pensada, pois saber lidar com dinheiro, orçamento privado e público e outras questões é essencial, hoje, para a própria cidadania”, complementa o diretor da EEI/EJA Dr.João Alves dos Santos.
Diretora da Escola Municipal Professor Augusto Elias Salles, em Rio das Pedras (SP), a professora Daniela Adriana Osti também compartilha da opinião sobre o imperativo de uma boa capacitação dos professores para a implementação da Educação Financeira – e outros temas transversais – a partir do que prevê a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). “O processo de ensino e aprendizado hoje é muito dinâmico, em função das novas tecnologias, então é necessário estar sempre atualizado, o que nem sempre a escola pode fazer. É preciso pensar uma política de capacitação mais abrangente”, defende a gestora, que conhece e considera interessante a metodologia aplicada pelo Sebrae, através do PNEE, mas entende que é possível ampliar e contemplar outras atividades.
Professora e ex-diretora da Escola Municipal José de Moura, no distrito rural de Cachoeira, em Maranguape (CE), Antônia Leda Costa de Assis aplaude a inclusão da Educação Financeira na BNCC e vê boas perspectivas de difusão do assunto como tema transversal a partir de 2020. “É muito importante para a formação das crianças. Às vezes os alunos pensam que o livro didático, por exemplo, é de graça, não têm a noção de que são custeados com o dinheiro dos impostos. Enfim, é uma questão de cidadania”, afirma. A professora nota que os alunos de modo geral já recebem noções elementares de Educação Financeira, mas entende que é fundamental a preparação adequada para a sua implementação com melhores resultados, o que pode ocorrer agora a partir das janelas abertas pela BNCC.
Potencial das escolas – A atenção cada vez maior das escolas para a Educação Financeira e o potencial dessas unidades para a disseminação de conceitos e informações no segmento foram indicadas na segunda edição do Mapeamento de Iniciativas de Educação Financeira (aqui), projeto da Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF).
Política de Estado, a ENEF é uma mobilização multissetorial em torno da promoção de ações de educação financeira no Brasil. Ela foi criada pelo Decreto Federal 7.397/2010, como resultado da articulação de nove órgãos e entidades governamentais e quatro organizações da sociedade civil, integrantes do Comitê Nacional de Educação Financeira (CONEF). Essas organizações, como o Banco Central, deram importante contribuição para a inserção da Educação Financeira na BNCC.
O Brasil é, portanto, um dos mais de 60 países que já formularam sua Estratégia Nacional de Educação Financeira. A ENEF brasileira reúne várias ações e uma delas é o Mapeamento de Iniciativas de Educação Financeira, que teve uma primeira edição em 2014, com a identificação de 803 ações em várias regiões do países. A segunda edição, de 2018, já identificou 1383 iniciativas, com um notável incremento entre as escolas, sobretudo entre as escolas públicas. O Mapeamento revelou que Secretarias de Educação não costumam oferecer cursos de capacitação, o que reforça a percepção dos gestores ouvidos pela Agência Social de Notícias.
De acordo com o Mapeamento, quase 90% das iniciativas de Educação Financeira promovidas por instituições de ensino são feitas por escolas públicas e em 92% dos casos de forma transversal, embora com maior presença da Matemática nos projetos transversais (82% dos casos), seguida de Língua Portuguesa (49%), História (42%) e Geografia (40%). O Mapeamento também revelou que 59% dos professores passaram por capacitação em Educação Financeira – ou seja, um expressivo contingente, de 41%, não tinha frequentado cursos com esse objetivo. De qualquer modo, o Mapeamento ratificou o potencial das escolas públicas em multiplicar a Educação Financeira, de modo transversal, como postula a Base Nacional Comum Curricular, que deve intensificar sua influência a partir de 2020.
EXPERIÊNCIAS EM EDUCAÇÃO FINANCEIRA
Beatriz Paulo, Caio Kojima, Davi Coelho e Larissa Almeida, todos alunos da Escola Municipal Dr.Isidoro Boucault, de Mogi das Cruzes, se divertiram com o “banco de brinquedos”, jogo utilizado em projeto sobre Educação Financeira conduzido pela professora Mônica Raquel de Souza Matheus Felismino.
A professora percebeu que a maioria de seus alunos tinha dificuldades com numerais da classe da unidade de milhar em diante. Além disso, apresentavam limitações na execução de operações de cunho monetário e mais da metade da sala, de 35 alunos, não conseguia interpretar dados gráficos e tabelas.
Pensou então em como trabalhar a Educação Financeira de forma lúdica, que atraísse a atenção dos alunos. “Uma das ações foi trabalhar com um jogo, o banco de brinquedos, espécie de banco imobiliário, para facilitar a compreensão. Eles mesmos fizeram os tabuleiros, as casinhas, as lojinhas. Ganhava quem conseguia poupar mais e gastar menos”, detalha a professora Monica.
Ela conta que, com o tempo, os alunos foram avançando no processo de aprendizagem. Outra iniciativa de impacto foi uma visita a uma feira de filatelia e numismática. “Os alunos ficaram encantados com os selos, moedas e notas antigas. Então houve um casamento da questão do dinheiro com história, geografia”, comenta a educadora.
A professora Monica explica que um passo seguinte foi estimular os alunos a trabalharem com o orçamento da própria escola, para que soubessem de onde vem e como o dinheiro é aplicado. “Assim eles tiveram uma dimensão maior de como a escola funciona, como trabalham os conselhos e como é importante a participação de todos nas decisões, enfim, a Educação Financeira assume outra proporção, de reforço mesmo da cidadania”, completa a professora Monica, para quem a inserção da Educação Financeira na BNCC pode efetivamente fomentar a sua implementação, com ótimos resultados no desenvolvimento integral. “É muito bom, porque os alunos passam a ter mais noção de como trabalhar com os recursos e não apenas financeiros, com os recursos ambientais também, por exemplo”, completa.
A professora Renata Rodrigues de Matos Oliveira, de Contagem, também ficou entusiasmada com a inclusão da Educação Financeira na BNCC e confia no grande potencial do Laboratório de Ensino de Matemática (LEM) como uma das ferramentas para a sua implementação, em projetos de cunho transversal.
A sua participação na estruturação de um Laboratório de Ensino de Matemática começou quando era professora na Escola Municipal Vereador José Ferreira de Aguiar, entre 2007 e 2009. “Os profissionais fizeram uma avaliação diagnóstica, sobre as potencialidades e dificuldades dos estudantes, diante dos requisitos Básicos da Matemática para a inserção no terceiro ciclo”, comenta a educadora. Depois da experiência na EM Vereador José Ferreira de Aguiar, o projeto do LEM foi levado para outras escolas, como a EM Hilton Rocha.
“Ao trazer a abordagem da matemática financeira, a BNCC reafirma o papel da matemática para auxiliar na reflexão social de nosso contexto”, diz a educadora. Para ela, a educação matemática pode auxiliar na Educação Financeira de algumas maneiras. “Em primeiro lugar, trazendo o tema à tona para que se possa desmistificar alguns pontos. E para que se tenha espaço de dialogar sobre a temática. Em segundo lugar, pode fornecer ferramentas para que auxilie na compreensão de temas financeiros. Ou seja, pode torná-lo palpável, acessível para nossos estudantes. E em terceiro, o ensino de matemática propriamente pode estabelecer uma proximidade com o cotidiano através da Educação Financeira”, acrescenta.
No que se refere ao Laboratório de Ensino de Matemática, ela salienta que “esse é um espaço que pode contribuir muito com o estudo da Educação Financeira, trazendo uma proposta que contribua para o uso de uma matemática crítica”. O LEM, continua, é “uma ferramenta que pode potencializar o ensino e complementar o que fazemos em sala de aula. A abordagem da matemática financeira nesse espaço pode tomar uma dimensão prática e essencialmente crítica em seu fazer”.
A professora Renata Oliveira frisa que, na abordagem da Educação Financeira no contexto escolar, e especificamente no Laboratório de Ensino de Matemática, “podemos oportunizar que a comunidade escolar tenha contato com uma organização financeira e que possa refletir sobre o seu contexto de vida e em formas para melhorar a sua vida e transformar a comunidade à qual pertencem”. Isso é possível, ela acrescenta, em função de o LEM trabalhar com brinquedos e outros recursos que tornam os conceitos matemáticos mais claros para os alunos, o que também pode ser feito quando se trabalha com a Educação Financeira.
EDUCAÇÃO FINANCEIRA PARA A CIDADANIA, PELO PROFESSOR BORO
Em 2015, o PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos, implementado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – avaliou também o letramento financeiro, justificando que as finanças fazem parte da vida das crianças e que elas deverão enfrentar escolhas financeiras complexas e desafiadoras na vida adulta. Jovens de 15 anos já tomam decisões financeiras no seu cotidiano e precisam ter consciência das consequências das suas escolhas.
Para o professor Eli Borochovicius, da PUC-Campinas, os resultados não podem ser considerados otimistas, pois o Brasil apresentou mais de 53% dos alunos com nível 1 ou abaixo no desempenho de letramento financeiro. “Para efeito de comparação, a média de alunos com nível 1 ou abaixo dos países da OCDE é 22,3%. São alunos que, no melhor das hipóteses, conseguem identificar a diferença entre necessidades e desejos e identificar uma fatura. No nível 5 (mais alto) são apenas 2,6%, já na média dos dez países participantes da OCDE, 11,8%”, comenta o especialista em Educação Financeira.
De acordo com o Informe de Resultados do PISA, continua o professor Eli Borochovicius, “[…] esses estudantes conseguem analisar produtos financeiros complexos, resolver problemas financeiros não rotineiros e demonstrar uma compreensão do cenário financeiro mais amplo. São capazes, por exemplo, de identificar um e-mail com informações financeiras fraudulentas”.
Os dados com relação ao Brasil, diz o professor da PUC-Campinas, ajudam a explicar o contexto atual. “Momentos de crise, como a que passamos a partir de 2014, geram necessidade de replanejamento financeiro e uma boa educação financeira certamente reduziria o alto índice de inadimplência que o país ainda vive. O não pagamento da dívida em um país com altas taxas de juros reflete também nas relações sociais e pode ser um grande transtorno para as famílias. Problemas financeiros são causadores de stress e a consequência é drástica, podendo causar problemas cardiovasculares, depressão, úlcera e, para as mulheres, menopausa precoce”, ele adverte.
A Educação Financeira faz parte há muitos anos da trajetória profissional de Borochovicius, conhecido como professor Boro pelos seus alunos. Entre outras ações, ele é coordenador no Brasil do programa The Money Camp, voltado ao desenvolvimento do letramento financeiro para crianças desde o Ensino Fundamental II até o Ensino Médio. Chegou ao Brasil em 2006, mas em Campinas os trabalhos foram iniciados em 2016 e atualmente o programa está funcionando no Colégio Múltiplo, atendendo a crianças do 7º ano.
O professor Boro explica como funciona: “Para implementar o programa de Educação Financeira, basta a escola solicitar uma visita para apresentação do conteúdo que trabalhamos. Todo o material é do programa e costumamos solicitar que cada criança tenha uma pasta para o arquivamento das suas atividades. A aula geralmente dura 50 minutos e é inserida na grade curricular da escola, podendo ser desenvolvida também no contra turno. Os trabalhos são desenvolvidos em sala de aula, com turmas de até 30 alunos por sala”.
O curso, continua, “assume a responsabilidade de fazer com que as crianças e os jovens conheçam, de forma lúdica e por meio de dinâmicas, a realidade da energia do dinheiro e os tipos e formas de investimento. Objetivamos fazê-las compreender que a vida é feita de escolhas e que o dinheiro é parte coadjuvante na história da vida delas, desde que saibam entender a linguagem do dinheiro. Ensinamos os alunos a tornarem-se adultos financeiramente independentes, que farão suas escolhas da melhor forma, porque receberam conhecimento financeiro suficiente para não caírem nas armadilhas dos crediários, cartões de crédito, cheque especial, dentre tantas outras formas de endividamento”.
“Educação Financeira é muito mais do que falar de dinheiro. Trabalhamos organização, planejamento, respeito, responsabilidade e autonomia”, adverte o professor Boro, que defende, então, uma visão ampla do tema, com muitos impactos positivos na vida do aluno, de sua família e da sociedade com um todo.
“Se a criança aprender a organizar o seu dinheiro, por consequência, ela aprende também a organizar o seu espaço e os resultados são, ainda que não comprovados cientificamente, mas sim empiricamente, melhores notas nas disciplinas curriculares. Se o aluno assume que é responsável pelas suas decisões financeiras, ele também assume a responsabilidade de se dedicar aos estudos e a consequência, mesmo que de forma indireta, são melhores resultados”, comenta o professor Boro.
Para ele, a proposta central da Educação Financeira é portanto “trabalhar para formar cidadãos conscientes, capazes de compreender e transformar a realidade, atuando na superação das desigualdades e do respeito ao ser humano. Ao tratar de impostos, por exemplo, é importante que o aluno entenda para que servem e como os impostos podem ajudar o governo a desenvolver suas atividades, melhorando a vida das pessoas. É necessário que o aluno compreenda como é viver com um salário mínimo, o que é o FGTS, o INSS, discutir a questão previdenciária, taxas de juros, orçamento doméstico, consumo consciente dos recursos naturais, além de investimento”.
Ele comenta a inclusão na BNCC da Educação Financeira como um tema transversal, que deve ser incorporado ao currículo (Parecer CNE/CEB nº 11/2010 e Resolução CNE/CEB nº 7/2010). “No entanto, são temas que podem ser abordados por professores de distintas áreas do saber e não por especialistas. No meu entendimento, é como disponibilizar um livro de química a um professor de história e pedir que ministre aulas de química. Logicamente o professor faria os seus maiores esforços para atender à demanda, mas não é possível afirmar que faria com a mesma qualidade de um professor de química. É possível introduzir alguns conceitos do dinheiro, a exemplo das contas de troco na disciplina de Matemática, mas não caberia discutir a diferença de preço e valor, mais apropriado para a Educação Financeira”, ele comenta.
O professor Boro entende assim que a Educação Financeira deva ser tratada como “uma disciplina nova, cuja importância começa a ser reconhecida pelas autoridades públicas e em breve muitas escolas desejarão incorporá-la ao seu currículo. Em algumas escolas já é uma realidade, mas ainda tímida. É possível que em breve ganhe a importância que merece, assim como aconteceu com a língua inglesa”, completa o especialista.
UMA EMPRESA QUE PROMOVE A EDUCAÇÃO FINANCEIRA
Uma das únicas iniciativas na Região Metropolitana de Campinas, listadas no Mapeamento de Iniciativas de Educação Financeira, da ENEF, é a EducaFinanceira, uma empresa que nasceu em 2003, idealizada por Arethuza Helena Zero, mediante um convite desafiador de uma instituição de ensino: dar aulas de Economia para crianças a partir da então 5ª série.
“Os alunos estavam ansiosos para aprender o novo tema, e a escola buscava se destacar com a inserção de uma disciplina inovadora. Mas faltava apenas um detalhe nessa história, o material didático. Os alunos aprenderiam baseados em qual livro?”, lembra Arethuza.
Não havia livros sobre o tema para crianças, recorda. “Foi naquele momento que a EducaFinanceira começou a crescer. As aulas de Economia na tal escola tornaram-se, então, aula de Educação Financeira! A cientista social que, naquele ano, era aluna de Mestrado no Instituto de Economia da UNICAMP começou a perceber que o assunto deveria ser discutido desde a infância. As aulas foram desenvolvidas com muito êxito, mas foi imprescindível muito planejamento de conteúdos e atividades que promoveram a análise, o debate e a reflexão sobre o tema tão inexplorável”, conta Arethuza, que é graduada em Ciências Sociais pela UNESP – Araraquara e em Pedagogia pela UNIMES, com mestrado em História Econômica e doutorado em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da UNICAMP e MBA em Gestão de Negócios pela Esalq/USP, em Piracicaba.
De acordo com a idealizadora, a EducaFinanceira busca então “instruir crianças e adolescentes, instrumentalizar pais e docentes, possibilitando o desenvolvimento de uma consciência crítica diante do tema Educação Financeira. Além de contribuir de forma efetiva para o desenvolvimento de uma mentalidade saudável em relação ao dinheiro: como ganhar, gastar, poupar, investir e doar”.
A EducaFinanceira também auxilia na capacitação de professores, para que eles se habilitem a trabalhar a Educação Financeira “de forma criativa e lúdica, agregando conteúdo e valores na formação de cidadãos críticos e conscientes da realidade”, completa Arethuza.
Na sua opinião, apesar da sociedade brasileira “não estar habituada a lidar adequadamente com suas finanças, com o dinheiro e com as relações de consumo, a Educação Financeira pode reverter esse cenário”. Ela defende que a Educação Financeira deva caminhar junto com a educação formal como uma disciplina e deve ser tratada de forma interdisciplinar.
“Os conhecimentos adquiridos na escola transcendem os muros, porque os alunos levam para dentro de casa o que aprenderam, e dessa forma, podem ajudar a modificar, transformar os hábitos de consumo e as relações com o dinheiro de sua família”, ela continua. Arethuza ressalta que há também os benefícios para a própria escola, inclusive as escolas privadas, “que, além de se destacarem no mercado por oferecer um ensino diferenciado, podem ter a inadimplência reduzida ao estender o ensinamento para os pais, ajudando-os a lidar melhor com suas finanças. Essa é a principal contribuição da educação financeira: quebrar o ciclo de gerações de pessoas endividadas e criar uma nova geração de pessoas e famílias equilibradas financeiramente”.
A idealizadora da EducaFinanceira entende que o tema da Educação Financeira deve ser tratado de fato de forma interdisciplinar e com responsabilidade. Ela avisa: “Há muitas pessoas, muitas escolas, que afirmam trabalhar com o tema educação financeira. No entanto, frisam apenas questões relacionadas ao enriquecimento e ao empreendedorismo. A Educação financeira transcende esses temas, devendo proporcionar as crianças e aos adolescentes uma reflexão sobre o trabalho, o consumo consciente e o dinheiro”.
“Antes de ensinarmos a criança ser um empreendedor, precisamos fazer com que ela saiba a diferença entre o desejo e a necessidade. Precisamos ensiná-la a consumir com consciência, sabendo que os recursos são escassos e limitados. Ela precisa entender que é importante apagar a luz ao sair da sala, desligar uma televisão, não tomar um banho muito demorado, entre outros comportamentos ligados ao consumo consciente. Ela precisa ter consciência que esses hábitos cotidianos influenciam diretamente no orçamento da família”, comenta Arethuza.
Ela lamenta que esteja vendo “muitas pessoas despreparadas falando do tema (principalmente na internet). Peço aos pais e educadores que fiquem atentos. Precisamos de educadores e estudiosos trabalhando o tema. Pessoas que conhecem a realidade vivenciada em uma sala de aula, pessoas que vivenciam a prática docente e compreendem o desenvolvimento infantil”, alerta.
Em relação aos materiais sobre o assunto, Arethuza considera que o tema deva ser tratado com uma linguagem adequada para cada faixa etária. Ela evidencia a inclusão da Educação Financeira na BNCC e vê boas perspectivas no ensino e aprendizado do tema a partir de 2020 como tema transversal, deixando de ser tratado então apenas na área da Matemática. Com isso, a EF “poderá ser abordada em diferentes componentes ou em projetos que visam trabalhar habilidades socioemocionais e reforçar a conexão entre o ensino e a realidade das crianças”.
Como educadora financeira e pesquisadora, Arethuza idealizou e escreveu uma coleção de livros para o Ensino Fundamental que trazem diversas orientações para a resolução de problemas dentro do contexto da Educação Financeira. A coleção favorece um estudo interdisciplinar envolvendo as dimensões culturais, sociais, psicológicas, políticas e econômicas sobre as questões do consumo, trabalho e dinheiro.
“É extremamente importante ensinar os alunos a lidar com o dinheiro, pois eles podem ser agentes multiplicadores dessas discussões junto às suas famílias, pois hoje está evidente que muitos adultos sofrem com o endividamento e vivem uma vida financeira repleta de oscilações”, conclui Arethuza Helena Zero.
AÇÕES DE EDUCAÇÃO FINANCEIRA EM OUTROS PAÍSES
Alemanha – Programa operado pelo Sparkassen-Finanzgruppe (SBFIC) elabora e distribui material para o ensino da Educação Financeira, promove fóruns estratégicos para discutir o futuro da EF e apoia iniciativas de Educação Financeira em vários países da América Latina.
França – O Ministério da Economia, da Indústria e do Emprego desenvolve um programa em cooperação com organismos públicos e privados. O Instituto pela Educação Financeira do Público (IEFP) implementa o Finance pour Tous (finanças para todos), programa de educação financeira executado com formação presencial e virtual, no site www.lafinancepourtous.com
Itália – O Programa Nossa Comunidade procura incluir as finanças em situações da vida comum. Orientado para crianças e adultos, no site http://www.economiascuola.it/programmi/
Reino Unido – Várias iniciativas, públicas e privadas, como o Financial Literacy Resource Centre, um centro de alfabetização financeira que disponibiliza materiais para crianças, jovens e adultos. https://www.financialeducatorscouncil.org/
Suécia – Programa coordenado por Kronofogden (equivale ao Ministério da Fazenda) conduz ações como Economia do Lar desde a Infância, que contempla o ensino da disciplina Lar e Economia em todas as escolas, colégios e institutos. Em toda prefeitura da Suécia existe um profissional denominado “assessor de dívidas”, que presta assessoria a qualquer cidadão que necessite orientações sobre questões financeiras. https://www.kronofogden.se/