Por Eduardo Gregori
A morte do norte-americano George Floyd, repercutida pela imprensa portuguesa, reacendeu um debate sobre a condição dos negros no mundo e, claro, em Portugal. Enquanto o governo vai controlando bem a infecção pelo novo coronavírus na maioria do país, é justamente em comunidades negras de Lisboa que ele tem escapado. A Amadora, cidade-dormitório vizinha de Lisboa, é um das preocupações da Direção Geral de Saúde.
Reduto de imigrantes das ex-colônias africanas, a Amadora expõe as mazelas da sociedade portuguesa ao revelar que ali as pessoas não vivem em boas condições. Muita gente dividindo pequenos espaços e em trabalhos que não se pode fazer de casa. Estes foram os ingredientes perfeitos para manter aceso o foco do vírus, mesmo com ações governamentais.
Uma ação social escancarou a situação em que vivem os residentes do local. Uma igreja anunciou a doação de alimentos. Os veículos de imprensa que lá estiveram, testemunharam um gigantesco número de pessoas que buscavam comida. A fome era tamanha que muitos, de outras religiões, não se importaram em adentrar um templo diferente do seu.
Mas não é só na margem norte do Tejo que a população africana é a mais atingida pela Covid-19. Do outro lado da margem, a região do Vale do Tejo também preocupa o governo. O Vale do Tejo reúne cidades majoritariamente negras, como o Seixal e o Barreiro. O Seixal acendeu o alerta vermelho para as autoridades sanitárias logo que deixamos o Estado de Emergência.
Para quem pensa que não existe favela na Europa, em sua próxima viagem a Portugal, faça uma visita ao Bairro da Jamaica. Confinados em apartamentos pequenos e até mesmo em imóveis invadidos e condenados, sem estrutura sanitária, sem energia, gás ou água, a população não conseguiu evitar o desejo de ir para a rua assim que o governo autorizou.
E foram justamente os mais jovens que, após uma festa de 3 dias, impulsionaram a infecção. A repercussão foi tão grande que, para não sair do controle, o governo decidiu adiar a continuidade do desconfinamento para a terceira fase, na qual os centros comerciais seriam reabertos.
Escuto a notícia em um café e os comentários à volta me chocam. “Não devem mesmo abrir o Colombo, aquilo lá fica cheio de pretos”. O Colombo é um dos maiores centros de compra de Lisboa e ponto de encontro de jovens, na sua maioria, negros.
Lisboa vive esta tensão racial meio velada, que as vezes explode, mas é logo varrida para baixo do tapete. A cidade do Seixal é um dos melhores exemplos do estopim de um conflito que vem desde os descobrimentos. Deste lado do Tejo, muitos cabo-verdianos e de San Tomé de Príncipe “escolheram” a favela para viver.
Escolheram porque não há outras opções. A pressão do turismo expulsou da bela Lisboa quem não pode pagar aluguéis de 1 mil 1,5 mil euros. Até bem pouco tempo, antes da cidade frequentar páginas e páginas de revistas de viagens e ganhar muitos prêmios de melhor destino europeu, com 400 euros era possível alugar um apartamento. Hoje, talvez um quarto.
O clima no Seixal é tenso. Um amigo que chegou do Rio tentou alugar casa lá. Ruivo e branco, foi ver o imóvel, mas antes de entrar foi abordado por outros residentes que lhe aconselharam a não fechar negócio. Ele ficou com medo e nunca viu de fato o imóvel.
A população negra parece cansada de ser varrida da margem norte e agora que a pressão do turismo acena para margem sul, decidiram se unir e marcar território. Não os culpo, mesmo se forem mesmo responsáveis por manter vivo o foco da infecção. Irresponsabilidade, sim, mas gostaria de ver algum governante deixar a sua bela morada de 1 milhão de euros no Parque das Nações para viver em uma kitinete sem luz, gás e água e ainda ter de trabalhar muitas horas, se explorado pelo patrão e não poder reclamar porque afinal, é um imigrante e deveria ter gratidão.
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