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Indústria de seguros alavanca agendas ESG e 2030 no Brasil
Muitas casas em Campinas foram atingidas pela microexplosão atmosférica em junho de 2016: eventos climáticos extremos tendem a se multiplicar (Foto José Pedro S.Martins)

Indústria de seguros alavanca agendas ESG e 2030 no Brasil

Por José Pedro Soares Martins

Campinas, 30 de maio de 2022

No Brasil, chuvas intensas com as seguidas inundações e desmoronamentos deixaram um saldo de mais de 200 mortes em Petrópolis (RJ) em fevereiro e fenômeno climático semelhante provocou mais de 90 óbitos na Grande Recife (PE) em maio de 2022. Nos Estados Unidos, a Califórnia continua sofrendo com uma seca extrema que impõe sérias limitações ao uso da água no estado. Esses dois eventos climáticos extremos são mais uma prova dos impactos das mudanças climáticas de caráter global, que estão exigindo atenção e mobilização cada vez maior da comunidade internacional e de todos os setores da economia.

No âmbito empresarial, uma das ações que se fortaleceram nos últimos dois anos, no contexto da pandemia de Covid-19 que ampliou as discussões sobre os desafios socioambientais planetários, é o da disseminação da chamada Agenda ESG, sigla da expressão em inglês Environmental, Social and Governance (Meio Ambiente, Sociedade e Governança). A adoção dos princípios ESG é o caminho para uma empresa alcançar a sustentabilidade em termos ambientais, sociais e de governança, contribuindo para a geração de valor para os seus stakeholders (rede de parceiros, como funcionários, fornecedores e clientes), para a sociedade onde está inserida, para o planeta e para os seus acionistas.

No Brasil, a indústria de seguros, pela própria natureza do seu negócio, é uma das pioneiras na assimilação de princípios associados à Agenda ESG, o que já tem um impacto expressivo em termos do exercício de premissas de sustentabilidade no país, considerando o peso do setor na economia. A indústria de seguros arrecadou R$ 500,9 bilhões (sem DPVAT) em 2020, o que significou um crescimento de 3,0% com relação a 2019. A receita anual de prêmios do setor de seguros representa cerca de 6,7% do PIB, se considerada a participação da Saúde Suplementar, e 3,7% sem esse segmento. Entretanto, uma medida esperada da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), a agência reguladora do setor, deve impulsionar ainda mais o movimento pela internalização dos conceitos de sustentabilidade ambiental, social e de governança em várias áreas da economia, como mais uma contribuição da indústria de seguros para a disseminação de práticas sustentáveis em território brasileiro.

Entre os meses de janeiro e março de 2022, a SUSEP promoveu uma consulta pública sobre circular que irá indicar premissas de sustentabilidade a serem adotadas por todas as seguradoras, resseguradoras nacionais, organizações de previdência complementar e sociedades de capitalização. O objetivo é que as empresas do setor, segundo a minuta da circular, adotem “processos, procedimentos e controles específicos para identificar, avaliar, mensurar, tratar, monitorar e reportar, de forma tempestiva, os riscos de sustentabilidade” a que se encontram expostas. Outro propósito é que as empresas estabeleçam, quando apropriado, “limites para concentração de riscos e/ou restrições para a realização de negócios que considerem a exposição de setores econômicos, regiões geográficas, produtos ou serviços a riscos de sustentabilidade”.

Um dos impactos da circular será que a indústria de seguros como um todo irá considerar as variáveis ambientais, sociais e de governança em sua subscrição de riscos. Assim, a definição dos valores de indenização, prêmios e outros itens nos contratos com os segurados terá como fundamentos os princípios de sustentabilidade. Um dos resultados esperados é que os setores econômicos de forma geral acabem adotando, por sinergia, os princípios da Agenda ESG, na medida em que as diferentes atividades produtivas, como regra geral, são objeto de contratos de seguros.

A consulta pública e a futura circular a ser emitida pela SUSEP foram bem recebidas pela indústria de seguros. “Apesar de muitas empresas adotarem políticas socioambientais consolidadas, ao criar regras gerais e definir condições mínimas a SUSEP impulsiona, estimula condições para que o setor como um todo possa evoluir e desenvolver ações de sustentabilidade mais concretas”, comentou a respeito o então presidente da CNSeg, Marcio Coriolano.

O presidente na época da CNSeg lembrou que, de acordo com o último relatório de sustentabilidade do setor, cerca de 90% das empresas da indústria de seguros afirmaram que já adotam questões ambientais, sociais e de governança em seus planejamentos estratégicos. Entretanto, somente 47% das empresas informaram praticar critérios de sustentabilidade na gestão de investimentos e nos processos de subscrição de riscos, daí a relevância de uma normativa para o setor como um todo.

Marcio Coriolano notou, entretanto, que para a adoção integral das premissas propostas na minuta da circular SUSEP, será necessário um período de transição para a sua adoção progressiva pelo conjunto da indústria de seguros. “Para garantir efetividade e objetivos definidos é essencial que os reguladores reconheçam o período de transição e de grandes transformações regulatórias, principalmente no que tange à gestão de riscos, o que exige muito esforço, por um lado, das seguradoras, e por outro muito diálogo e flexibilidade do regulador”, afirmou, para o podcast Fala Presidente, da CNSeg. Coriolano deixou a presidência da CNSeg em abril de 2022, depois de seis anos no cargo. O novo presidente é Dyogo Oliveira.

Marcos Cunha: "A indústria de seguros é fundamental para precificar riscos" (Foto Arquivo Pessoal)

Marcos Cunha: “A indústria de seguros é fundamental para precificar riscos” (Foto Arquivo Pessoal)

Profissionais que trabalham há anos com as questões da sustentabilidade consideram de enorme relevância a adoção de princípios da agenda ESG pela indústria de seguros, pelo seu impacto na economia como um todo.  “A indústria de seguros tem um papel essencial na questão da sustentabilidade, ao garantir que os riscos existentes em várias atividades econômicas sejam precificados e atenuar prejuízos que uma empresa possa ter”, comenta o engenheiro sanitarista Marcos Cunha, diretor da Ciclo Ambiental Engenharia Ltda.

Ele cita algumas possíveis contribuições do setor para a temática da sustentabilidade. “Quando você vai fazer o fluxo de caixa de um projeto, às vezes as externalidades que podem levar um risco ao negócio podem ser diluídas por um seguro”, afirma Cunha. O engenheiro sanitarista entende que o setor ainda pode avançar mais, ampliando a sua contribuição para a adoção da agenda ESG. “A indústria de seguros é um importante stakeholder para o mundo corporativo, nesse momento de transição energética que estamos vivendo, para uma economia de baixo carbono”, acrescenta Cunha, que é Mestre em Planejamento de Sistemas Energéticos (Faculdade de Engenharia Mecânica /UNICAMP) e Especialista em Stakeholders & ESG (FIA/USP).

Indústria de seguros atenta aos conceitos de sustentabilidade desde o início do século 21

A Agenda ESG se tornou um dos assuntos mais relevantes para os diversos setores econômicos desde o ano 2020, coincidindo com a eclosão da pandemia de Covid-19. Entretanto, a temática da sustentabilidade já é parte permanente das ações da indústria de seguros desde o início do século 21.

De fato, uma iniciativa denominada Princípios para Sustentabilidade em Seguros (PSI) vem norteando atividades no setor, como resultado de uma ação desenvolvida no âmbito da Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP FI), que entre 2006 e 2009 realizou uma série de estudos visando identificar os riscos e oportunidades para o setor de seguros, ligados à integração das questões ambientais, sociais e de governança (ASG, considerando a expressão em português).

Capa de um dos estudos já produzidos no âmbito dos PSI-UNEP FI

Capa de um dos estudos já produzidos no âmbito dos PSI-UNEP FI

Entre 2009 e 2011 os estudos foram aprofundados e muito discutidos entre os componentes da UNEP FI e em 19 de junho de 2012 os PSI foram então lançados, no momento de realização, no Rio de Janeiro, do 48º Seminário Anual da International Insurance Society e da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). Foi na Rio+20 que a comunidade internacional aprovou a implementação, até 2030, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como sucedâneos dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que vigoraram entre 2000 e 2015.

O propósito central dos PSI é direcionar e fomentar o engajamento da indústria global de seguros no território da sustentabilidade, considerando a própria inclinação do segmento à gestão de riscos e a necessidade de enfrentamento dos desafios contemporâneos, de alcance global, como as mudanças climáticas mas também outros. Os PSI foram logo assumidos pelo segmento, inclusive por terem nascido no contexto da UNEP FI, maior articulação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente com a área empresarial (site de PSI/UNEP FI, aqui).

OS QUATRO PRINCÍPIOS PARA SUSTENTABILIDADE EM SEGUROS

Princípio 1 – Incluiremos em nosso processo de tomada de decisão questões ambientais, sociais e de governança que sejam relevantes para nossa atividade em seguros.

Princípio 2 – Trabalharemos em conjunto com nossos clientes e parceiros comerciais para aumento da conscientização sobre questões ambientais, sociais e de governança, gerenciamento de riscos e desenvolvimento de soluções.

Princípio 3 – Trabalharemos em conjunto com governos, órgãos reguladores e outros públicos estratégicos para promover ações amplas na sociedade sobre questões ambientais, sociais e de governança.

Princípio 4 – Demonstraremos responsabilidade e transparência divulgando com regularidade, publicamente, nossos avanços na implementação dos Princípios.

A indústria de seguros no Brasil rapidamente se sensibilizou pelas diretrizes indicadas nos PSI e o país se tornou um daqueles com maior número de empresas do segmento signatárias dos Princípios para Sustentabilidade em Seguros. São 120 companhias signatárias em todo mundo, sendo 10 do Brasil: Bradesco Seguros, Brasilcap, Brasilseg, Caixa Seguradora,  Liberty Seguros, Mongeral AEGON, Porto Seguro, Seguradora Líder, Sompo Seguros, SulAmerica.

Duas instituições brasileiras também assinaram os PSI e, portanto, passaram a difundir os princípios nos seus perímetros de atuação: a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg), associação civil, com atuação em todo o território nacional, que reúne as Federações representativas das empresas dos respectivos segmentos.

Cidades e microsseguros – A rede de organizações apoiadoras dos princípios e diretrizes unidos na Iniciativa PSI  tem crescido nos últimos tempos. Em maio de 2017, a Iniciativa PSI e a UNEP FI estiveram representadas na cidade de Bonn, na Alemanha, na primeira reunião de cúpula marcando a colaboração entre a indústria de seguros e as cidades para a construção de aglomerados urbanos resilientes e sustentáveis. No encontro foi estabelecida a parceria entre Iniciativa PSI e UNEP FI com a ICLEI – Governos Locais para a Sustentabilidade, uma rede que representa mais de 1.500 municípios de todo o mundo (www.iclei.org).

Na cidade alemã, as novas parceiras lançaram o documento “Ambição de Bonn”, com três objetivos a serem atingidos até 2018, quando ICLEI realiza seu próximo Congresso Mundial em Montreal, no Canadá. Os objetivos são: 1. Criar os Objetivos de Desenvolvimento de Seguros para as Cidades – A ideia é que ICLEI e a Iniciativa PSI convertam o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11 (“Construir cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis”) em Objetivos de Desenvolvimento de Seguros, norteando uma agenda de longo prazo entre a área de seguros e as cidades, para enfrentar por exemplo o agravamento do aquecimento global e reduzir os riscos de catástrofes naturais nos centros urbanos; 2. Desenvolver roteiros de ação colaborativa e estratégica entre as cidades e o setor de seguros; e 3. Organizar a primeira mesa-redonda entre CEOS da indústria de seguros e lideranças globais das cidades, no Congresso Mundial de ICLEI em Montreal, visando aprofundar a parceria.

Outra ação recente, decorrente dos esforços das seguradoras que compõem a Iniciativa PSI, é a parceria estabelecida com a Microinsurance Network (Rede de Microsseguros). A parceria foi firmada no final de agosto de 2017 e tem como propósito avançar, nos planos social e financeiro, na inclusão do seguro sustentável na agenda internacional, objetivando reduzir o fosso entre as perdas econômicas decorrentes de desastres e as perdas seguradas. De acordo com a Swiss Re, essa diferença foi de US$ 121 bilhões em 2016, com tendência de crescimento em razão das incertezas decorrentes do aquecimento global e outros fatores.

“O desenvolvimento sustentável exige reconhecer que a sustentabilidade econômica, social e ambiental
estão interligados e se reforçam mutuamente. Portanto, a erradicação da pobreza, a equidade social, a boa saúde,
redução do risco de desastres e adaptação e mitigação das mudanças climáticas fazem parte de uma agenda unificada. Neste contexto, a inclusão social e financeira tem sido um pilar integral da agenda do seguro sustentável
desde o início “, disse Butch Bacani, que lidera a Iniciativa PSI no UNEP, por ocasião da parceria com a Microinsurance Network.

A Iniciativa PSI e a Microinsurance Network vão, assim, identificar várias áreas de colaboração, incluindo
compartilhamento de conhecimento, engajamento de políticas, capacitação e eventos. Microinsurance Network ajudará, por exemplo, nos esforços de PSI e ICLEI para criar, até 2018, os Objetivos de Desenvolvimento de Seguros para as Cidades, visando ajudar a  construir cidades inclusivas, resilientes e sustentáveis.

Desafios – Apesar dos avanços contabilizados, ainda existe um percurso para a indústria de seguros no Brasil assumir, em sua integridade, os princípios e diretrizes indicados na Iniciativa PSI, ou seja, para incorporar estratégias de sustentabilidade em seus negócios. Isto ficou evidente no relatório de sustentabilidade da CNSeg 2020, ao indicar que 47% das empresas já adotavam critérios de sustentabilidade na gestão de investimentos e nos processos de subscrição de riscos, e também em uma pesquisa que a própria SUSEP fez junto às entidades de seguros reguladas no país, antes da decisão de propor uma consulta pública sobre minuta de circular normatizando o setor em termos de adoção de critérios sustentáveis.

A pesquisa colheu respostas de 75% de 172 companhias de seguros brasileiras e revelou que 80% das empresas consideram as questões ambientais como relevantes para suas estratégias globais de negócios, mas “muito poucas implementaram políticas ou mecanismos para considerar e mitigar os impactos das mudanças climáticas na política de subscrição, gerenciamento de riscos ou decisão de investimento”, segundo informou o relatório “Sustainable Insurance – The emerging agenda for supervisors and regulators”, lançado em agosto de 2017 pelo Fórum de Seguro Sustentável (SIF, na sigla em inglês), criado com apoio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) e Iniciativa PSI (relatório aqui).

A pesquisa da SUSEP mostrou, segundo o relatório do Fórum de Seguro Sustentável, que, enquanto as empresas brasileiras “são mais ativas no lado do design do produto – com alguns líderes empresas que oferecem produtos de seguros para apoiar atividades de baixo carbono ou implementando políticas de subscrição ligadas aos aspectos ambientais – menos progressos foram feitos na incorporação dos riscos ASG (ambiental, social e governança corporativa) no processo de subscrição e dentro do espaço de investimento”.

Diante deste cenário, a SUSEP indicava que iria  intensificar suas ações junto ao setor de seguros, visando reforçar a incorporação de estratégias de sustentabilidade, através de: 1) Melhoria da divulgação através de relatórios aprimorados; 2. Incentivar as empresas a desenvolver produtos para apoiar atividades com baixas emissões de carbono; 3. Incentivar investimentos verdes; 4. Promover a integração dos riscos ambientais na política de subscrição; e 5. Aumentar a conscientização dos segurados, intermediários e parceiros de negócios sobre questões de sustentabilidade.

Depois de alguns anos, a SUSEP assumiu então a iniciativa de propor uma consulta pública sobre a minuta de circular, em consonância com normas do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central, adotadas em 2021, visando a internalização das premissas da sustentabilidade em seu segmento de mercado. Neste período houve muitos avanços na adoção dos conceitos da Agenda ESG pelo setor financeiro em âmbito internacional.

No dia 21 de abril de 2021, véspera da abertura da Cúpula do Clima convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, foi lançada a The Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ). A iniciativa é presidida por Mark Carney, Enviado Especial da ONU para Ação Climática e Finanças, e reúne mais de 160 empresas que somam ativos superiores a US$ 70 trilhões e participam das principais ações do setor financeiro voltadas para acelerar a transição para emissões líquidas zero de Gases de Efeito-Estufa (GEE) no máximo até 2050.

Várias iniciativas, no âmbito do setor financeiro e envolvendo trilhões de dólares em ativos, já vinham sendo desenvolvidas voltadas com o argumento de financiamento da a descarbonização da economia, com impacto na redução de emissões de GEE. Casos da Paris Aligned Investment Initiative, da Race to Zero e da Net Zero Asset Owner Alliance da ONU.

Todas as ações se somaram agora na The Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ), com o anunciado propósito de “alinhar as emissões operacionais e atribuíveis de suas carteiras com caminhos para emissão líquida zero até 2050 ou antes”. Em julho de 2021, novos trilhões de dólares foram acrescentados a essas iniciativas, com o lançamento pelas grandes seguradoras da Net-Zero Insurance Alliance (NZIA).

A NZIA foi lançada na Cúpula do Clima do G20 em Veneza em julho de 2021 por seus oito membros fundadores: AXA (NZIA Chair), Allianz, Aviva, Generali, Munich Re, SCOR, Swiss Re e Zurich Insurance Group. Essas seguradoras estão se baseando em sua liderança climática à medida que os investidores por meio de sua adesão à Aliança de Proprietários de Ativos Net-Zero (NZAOA) convocada pela ONU, criada em 2019.  Outras gigantes se somaram à NZIA, muitas delas com representação no Brasil, ampliando o fomento à Agenda ESG no país.

SEGUROS NO CUMPRIMENTO DOS ODS

Ao avançar na adoção da agenda ESG, a indústria de seguros também caminha para intensificar sua contribuição para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável  (ODS), previstos na Agenda 2030 das Nações Unidas. É no cotidiano dos cidadãos, sociedades e governos que os benefícios dos seguros se manifestam mais claramente, contribuindo assim para o cumprimento dos 17 ODS e suas 169 metas e, como consequência, para a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável, inclusivo e justo. Também é neste campo que ficam evidentes os muitos desafios e oportunidades ainda existentes para uma maior atuação da indústria de seguros na implementação dos ODS.

ODS 1 – Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares – A pobreza tem várias faces e dimensões. O documento “Insurance 2030 – Harnessing Insurance for Sustainable Development” (aqui), elaborado pela plataforma PSI/UNEP FI, afirma em relação ao ODS 1: “O acesso a seguros pode aumentar a proteção social, através de mecanismos como o microsseguro”. Algumas ações em esfera global no âmbito do setor de seguros, relacionadas ao ODS 1, são elencadas no documento “SDG Industry Matrix – Financial Services”, produzido pelo Global Compact das Nações Unidas e KPMG International (documento aqui).

O documento relaciona por exemplo a Blue Marble Microinsurance, uma incubadora de microsseguros desenvolvida por um consórcio de seguradoras e resseguradoras para conduzir produtos, distribuição e inovação operacional no lançamento de novos empreendimentos de microsseguro nos próximos anos. O consórcio inclui o Zurich Insurance Group; Yes; American International Group, Inc .; Aspen Insurance Holdings Limited; Guy Carpenter & Company; LLC & Marsh & McLennan Companies, Inc .; Hamilton Insurance Group Ltd .; Old Mutual plc .; Transatlantic Reinsurance Company; e XL Catlin. A tecnologia é uma parte integrante e importante do projeto.

ODS 2 – Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável – O seguro agrícola é tradicional no Brasil e um dos elementos que tornaram o agronegócio brasileiro um dos mais fortes no mundo. No documento “Seguro agrícola no Brasil e o desenvolvimento do Programa de Subvenção ao Prêmio”, publicado pelo IPEA (aqui), Gesmar Rosa dos Santos, Alexandre Gervásio de Sousa e Gustavo Alvarenga ressaltam que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (em inglês, Food and Agriculture Organization – FAO) “tem destacado a importância do seguro para aumento da produção de alimentos. De acordo com Kang (2007), há sete motivos para as preocupações da FAO, que são: i) aumento da incidência de pragas, de eventos climáticos extremos e de especialização de cultivos em mercados integrados; ii) integração da agricultura com grandes investidores que exigem seguro como redutor de riscos dos contratos; iii) regulamentos da Organização Mundial do Comércio (OMC) aceitando subsídios de governos ao seguro, um tanto ao contrário da orientação geral para a agricultura; iv) incremento de cultivos passíveis de coberturas e novos produtos oferecidos pelas seguradoras; v) introdução acidental de pragas e doenças de um país para outro; vi) expansão de padrões de qualidade e segurança alimentar com proteção ambiental, inclusive com maior controle de fertilizantes, agroquímicos e medicamentos para animais; e vii) liberalização do comércio agrícola levando ao aumento da competição e necessidade de se reduzir riscos”. Enfim, os autores entendem que o seguro agrícola vai adquirir importância cada vez maior para a segurança alimentar global. Permanece contudo o desafio de ampliação do seguro para a agricultura familiar.

ODS 3 – Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades – São várias seguradoras que estão impulsionando ações em promoção da vida saudável. Por exemplo, o Instituto de Longevidade, iniciativa lançada em 2016 pela Mongeral Aegon, está voltado ao público com mais de 50 anos. Entre os princípios que orientam a atuação do Instituto de Longevidade Mongeral Aegon está o de que “manter-se ativo e engajado é decisivo para que as pessoas preservem a saúde física, mental e cognitiva”. Entre as ações do Instituto está o oferecimento de cursos de requalificação, empreendedorismo e de atividade física para a população 50+.

ODS 4 – Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo dos anos – Seguradoras brasileiras têm desenvolvido importantes iniciativas educacionais próprias, além de oferecer o seguro educação. O Grupo Bradesco Seguros estabeleceu, nesse sentido, parceria com a Fundação Bradesco do Rio de Janeiro, para a implementação do Programa Integração Empresa Escola (PIEE), que contribui para a integração social, formação da cidadania e qualidade de vida, por meio do esporte e cultura.

Em 2021, em função das restrições derivadas da Covid-19, a Bradesco Seguros promoveu transmissões digitais dos espetáculos “Loloucas”, “Tudo que eu queria te dizer”, “Minimanual de qualidade de vida”, “Selfie”, “Ninguém Dirá que é Tarde demais”, “Balletto di Roma em homenagem ao centenário de Astor Piazzolla” e “Doidas e Santas”. Os conteúdos foram exibidos no YouTube da Bradesco Seguros, levando atividades artísticas para um público de mais de 1 milhão de pessoas durante a pandemia.

ODS 5 – Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas – Ainda persistem desafios para as seguradoras em relação a este ODS. O relatório de sustentabilidade de 2020 da CNSeg mostrou que 21,1% das 34 seguradoras pesquisadas têm metas para reduzir a diferença entre os salários recebidos por homens em relação a mulheres e 15,8% têm metas para ampliar participação de mulheres em cargos de gestão.

ODS 6 – Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos – Área estratégica e desafiadora, na qual ainda existe grande espaço para a atuação do setor de seguros. O déficit fica evidente na informação de que mais de 100 milhões de brasileiros ainda não têm esgoto coletado e 35 milhões não têm acesso a água tratada, conforme dados do “Ranking do Saneamento – Instituto Trata Brasil 2022″ (aqui).

ODS 7 – Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos – Avança no conjunto das seguradoras a atenção aos desafios de viabilização de uma energia limpa, sustentável, como um dos marcos da economia de baixo carbono. Este é um dos propósitos acenados na minuta da circular da SUSEP para o setor. Entre outras iniciativas do setor, em 2020 a Zurich lançou o Zurich4Power, um seguro para instalação de painéis de energia fotovoltaica disponível para pessoas físicas e empresas. A empresa também foi pioneira dois anos antes, quando apresentou ao mercado brasileiro um seguro para veículos elétricos e híbridos.

ODS 8 – Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos –  A viabilização de ambientes agradáveis e inspiradores de trabalho para os colaboradores tem sido uma preocupação de seguradoras brasileiras. Entretanto, desafios persistem, como novamente indicou o Relatório de Sustentabilidade 2020 da CNseg. O Relatório mostrou que 45% das seguradoras participantes ofereceram treinamentos periódicos sobre temas ESG para as lideranças em 2020. Em 20% dos casos, as metas de desempenho da alta liderança incluem questões ESG em percentuais relevantes.

ODS 9 – Construir infra-estruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação – Os episódios de Mariana (MG), em 2015, e de Brumadinho (MG), em 2019, com o rompimento de barragens de mineração provocando a morte de centenas de pessoas, comprovam que há um grande espaço para a ação dos seguros na área industrial no Brasil.

ODS 10 – Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles – Garantir a igualdade de direitos para todos, em todas as idades, é um desafio global e não é diferente no Brasil, onde o envelhecimento acelerado da população gera muitos dilemas em termos de ações para a qualidade de vida na Terceira Idade. De acordo com o IBGE, a proporção de brasileiros com 60 anos ou mais no total da população saltou de 9,8% em 2005 para cerca de 15% em 2021. A pandemia de Covid-19 evidenciou os enormes desafios para a proteção da saúde dos idosos no Brasil. Cerca de 70% dos mais de 660 mil óbitos pelo novo coronavírus foram de pessoas com 60 anos ou mais. Um enorme desafio para a sociedade brasileira, incluindo a indústria de seguros.

Sidnei Fernandes: seguros para continuidade de negócios pós-eventos extremos (Foto Adriano Rosa)

Sidnei Fernandes: seguros para continuidade de negócios pós-eventos extremos (Foto Adriano Rosa)

ODS 11 – Construir cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis – O alto índice de acidentes de trânsito, com milhares de mortes anuais, é um dos principais indicadores de que ainda falta muito para o Brasil ter cidades seguras e sustentáveis. Esta é uma área de intensa atuação do setor de seguros. E há muitos outros aspectos a considerar para a construção de cidades resilientes no Brasil. Quem afirma é o próprio coordenador da Campanha “Construindo Cidades Resilientes” no país, Sidnei Furtado Fernandes. A Campanha do Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNISDR/ONU) está baseada em dez passos, ou compromissos, que os municípios precisam assumir, ao decidirem aderir à iniciativa. São medidas para garantir a resiliência e reconstrução após desastres, como treinamento de equipes, construção de planos de uso do solo, educação e sensibilização das comunidades, proteção dos ecossistemas e dos serviços essenciais (saúde, educação e saneamento) e diagnóstico dos riscos, entre outras.

“A questão do seguro é muito importante para a construção das cidades resilientes, embora ainda não seja uma prática comum na administração pública brasileira”, comenta Sidnei Fernandes. Ele cita uma das prioridades elencadas no Marco de Sendai, como ficou conhecido o conjunto de ações e diretrizes aprovado na Terceira Conferência Mundial sobre a Redução de Risco de Desastres, realizada em março de 2015 em Sendai, no Japão. A Prioridade 3 (“Investir na redução do risco de desastres para a resiliência”) inclui o item: “Promover mecanismos para a transferência de riscos de desastres e seguros, compartilhamento de riscos e retenção e proteção financeira, conforme apropriado, para investimento público e privado, a fim de reduzir o impacto financeiro dos desastres sobre os governos e as sociedades, em áreas urbanas e rurais”.

Em Campinas, interior de São Paulo, a adoção dos conceitos das Cidades Resilientes tornou-se uma prioridade ainda maior depois dos impactos da microexplosão atmosférica – fenômeno meteorológico semelhante a um tornado – registrada na cidade na madrugada do dia 5 de junho de 2016. Foram poucos segundos e estavam no chão tanto jequitibás-rosa centenários como palmeiras imperiais plantadas há poucos meses. Estes são alguns dos marcos localizados, respectivamente, no início e no final da rota da destruição provocada por microexplosões atmosféricas na madrugada deste domingo, 5 de junho. Mais de 160 árvores derrubadas, destelhamento de residências e complexos como o Galleria Shopping, corte de energia para milhares e várias ruas e avenidas interditadas: este foi o saldo material dos impactos de ventos que chegaram a 120 km por hora. A empresa Bambini, o Educandário Eurípedes e o Lar dos Velhinhos, onde dezenas de pessoas idosas são abrigadas, foram muito atingidos.

“Pelo menos cobrimos, com o seguro, parte do que foi perdido”, afirmou na época Feliciano Campos Ursulino, membro do Comitê Gestor do Educandário. “Por precaução, uma das minhas primeiras medidas foi fazer um seguro para a estrutura da portaria e foi o que nos salvou”, contou, por sua vez, Sebá Torres, na época presidente da Sociedade dos Amigos de Caminhos de San Conrado, o condomínio muito afetado pela microexplosão, que reiterou como um intenso fenômeno climático atinge as diversas classes sociais.

Cobertura do Educandário Eurípedes foi praticamente toda destruída com a microexplosão atmosférica em Campinas em 2016 (Foto José Pedro Martins)

Cobertura do Educandário Eurípedes foi praticamente toda destruída com a microexplosão atmosférica em Campinas em 2016 (Foto José Pedro Martins)

ODS 12 – Assegurar padrões de produção e consumo sustentáveis – Seguradoras brasileiras estão implementando ações que contribuem para o cumprimento deste Objetivo de Desenvolvimento Sustentável.  Já em 2009, o Grupo Bradesco Seguros lançou o Programa de Auto Reciclagem, introduzindo no mercado segurador nacional a prática de reciclar peças resultantes de reparos de carros, caminhonetes, caminhões e motocicletas, danificados em acidentes com segurados e terceiros. O mesmo Grupo Bradesco Seguros oferece o “Assistência Sustentável”, um serviço domiciliar de descarte ecológico correto de bens em desuso, como: móveis, colchões e equipamentos eletrodomésticos.

ODS 13 – ODS 13 – Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos –Divulgado em setembro de 2016, o Relatório “Insurance 2030 – Harnessing Insurance for Sustainable Development”, desenvolvido pela UNEP Inquiry (ver documento aqui), já destacava que a mudança climática poderia ser o fio condutor para a inovação e o estímulo de novas formas regulatórias de seguro em vários países.  E foi de fato o que ocorreu, com o incremento das iniciativas no setor de seguros, preocupado com o agravamento das mudanças no clima, como no caso da Net-Zero Insurance Alliance (NZIA).os grandes desafios globais para o século 21.

ODS 14 – Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável – Proteger os oceanos e mares e sua rica biodiversidade representa um dos grandes desafios globais para o século 21. Avança no setor de seguros e resseguros a preocupação om o futuro dos oceanos e mares, sobretudo em função do aquecimento de suas águas em decorrência das mudanças climáticas. É o que indicou o estudo “Aquecimento dos Oceanos e Implicações para a Indústria do (re)seguro”, divulgado já em 2013 pela Geneva Association. No documento de 38 páginas, a Geneva Association reforçou a necessidade de que as seguradoras não observem apenas dados históricos, mas também compreendam as “mudanças nas dinâmicas dos oceanos e a complexa interação entre o oceano e a atmosfera”.

A preocupação do setor de fato cresceu depois disso. Por exemplo, a seguradora global AXA XL tem trabalhado na identificação de riscos relacionados aos oceanos, sobretudo em pequenos estados insulares em desenvolvimento e economias costeiras emergentes. “Estamos avaliando a complexa gama de riscos decorrentes das mudanças climáticas, com foco nos danos das tempestades costeiras”, afirmou Chip Cunliffe, Diretor de Desenvolvimento Sustentável da AXA XL, em webinar promovido pela Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP FI) em dezembro de 2020. “Por exemplo, sabemos que em 2050 mais de 800 milhões de pessoas provavelmente serão afetadas por enchentes costeiras, tempestades e eventos climáticos extremos”, afirmou o diretor.

ODS 15 – Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda da biodiversidade – Um dos grandes dilemas socioambientais no Brasil é garantir a proteção e recuperação da Amazônia, que já tem cerca de 20% da floresta desmatados, e da Mata Atlântica, que originalmente cobria todo o litoral brasileiro, com 1,3 milhão de quilômetros quadrados, e hoje está reduzida a menos de 10% da extensão original. O dilema da degradação da Amazônia, com impactos climáticos e na erosão da biodiversidade, tem chamado a atenção da sociedade mundial, e também no setor de seguros.

Entre 15 de fevereiro e 10 de julho de 2022, o Sesc Pompeia, em São Paulo, está sediando a exposição “Amazônia”, de Sebastião Salgado. A mostra que apresenta o resultado de sete anos de experiências e expedições fotográficas na Amazônia brasileira, pelo famoso fotógrafo brasileiro, tem patrocínio global da Zurich Insurance Group. Por ocasião da inauguração da exposição em São Paulo, depois de passar por Paris, Roma e Londres, Edson Franco, CEO Brasil da seguradora multinacional, declarou: “Por acreditarmos no poder da imagem como instrumento de conscientização sobre as mudanças climáticas, apoiamos este projeto fotográfico de Lélia e Sebastião Salgado, que compartilham a nossa visão e aspiração por um mundo melhor, e com quem já temos estabelecida uma parceria no Instituto Terra”. O CEO também afirmou que, “como seguradora, lidamos com impactos climáticos todos os dias e acreditamos que a sensibilização sobre este risco inspirará mais pessoas a tomarem medidas pelo planeta”.

ODS 16 – Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis – O Mapa da Violência, produzido durante vários anos pela FLACSO-Brasil, sob coordenação de Julio Jacobo Waiselfisz, e depois o Atlas da Violência, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mostram que desde 1980 mais de 1,2 milhão de brasileiros morreram por armas de fogo. Um grande desafio para toda a sociedade, incluindo a indústria de seguros.

ODS 17 – Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável – As parcerias são fundamentais para a implementação dos ODS e as seguradoras brasileiras parecem cientes dessa realidade, como demonstra a sua importante adesão aos PSI. As seguradoras também têm ampliado parcerias próprias. Em 2021, a Zurich desenvolveu com o Instituto da Qualidade Automotiva o Selo Verde para Oficinas Mecânicas, para certificar parceiros preocupados com a diminuição do impacto ambiental de suas atividades. A expectativa é de que 50% da rede credenciada sejam certificados até 2023.

 

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