Maria Rita Amoroso
“Com o desenvolvimento dos primeiros planos relacionados com a temática ambiental – Saneamento Básico, Recursos Hídricos, Verde e Educação Ambiental – iniciamos o basilar caminho que leva a uma gestão ambiental integrada, em que (…) as ações se somam e potencializam os seus efeitos positivos sobre a urbe.” (Revisão do Plano Diretor, publicado em 2017)
Exclusivamente gostaríamos de comentar hoje as recentes propostas de mudanças no zoneamento urbano de Campinas e, após recordar as palavras acima, pontuar a responsabilidade da Prefeitura Municipal frente à questão socioambiental, sempre no horizonte da revisão do Plano Diretor Estratégico da cidade (em andamento). Sabe-se que desde o último dia 6 (cf. Correio Popular) o prefeito de Campinas, Dário Saad, afirmou que haverá alterações no zoneamento urbano de área específica em Barão Geraldo a fim de que seja implementado um Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS), inserido no Polo de Inovação e Desenvolvimento Sustentável de Campinas (PIDS) localizado ali no distrito. Atualmente voltado para o setor industrial, ali haverá um funcionamento misto com instalação de múltiplos setores, tanto habitacionais como comerciais.
Estamos falando da área que engloba o campus da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Fazenda Argentina (agora propriedade da Unicamp), margeada pela Companhia de Desenvolvimento do Polo de Alta Tecnologia de Campinas II (Ciatec II) e pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC).
Criar um distrito tecnológico e sustentável, dentro do conceito de cidades inteligentes, é realmente uma ótima notícia para Campinas e precisa ser iniciado . Importante lembrar que dentro da atual revisão do Plano Diretor Estratégico -PDE, somente esta “nova cidade” (no Distrito de Barão Geraldo) está longe de melhorar as demais áreas da cidade, bem como as condições de vida de seus atuais habitantes, incluindo o atendimento das demandas urbanas mais urgentes como, por exemplo, o investimento nos aspectos ambientais do município.
É preciso esclarecer que o discurso sobre inovação e investimento futuros costuma se sobrepor aqueles que dizem respeito ao presente, daí a importância de conhecermos os atuais “números” que a cidade de Campinas apresenta no presente e ver se iremos prosseguir com os mesmos para a revisão do PDE.
Como já teria sido divulgado também em 2017 (na revisão do Plano Diretor), no contexto ambiental, “as Áreas Verdes do município totalizam 9,47 mil ha, o que corresponde a 87,67 m²/habitante, considerando a população determinada pelo IBGE para 2010 (1.080.113 habitantes)”. Para entendermos o que significa este fato isolado, que pode parecer positivo, devemos inseri-lo em outro contexto, o de “Índice de Área Verde Social” ou IAVS, pois este índice é que corresponde efetivamente à atual Área Verde do município para cada habitante. O resultado (ainda publicado de 2017, mas válido até hoje) é que, das 86 Unidades Territoriais Básicas (UTB) existentes em Campinas, 63 UTBs possuem um “IAVS Nulo”, ou seja, não possuem nenhum Parque ou Bosque, enquanto 13 UTBs enquadram-se na categoria de menor valor, “IAVS Muito Baixo”, restando 10 unidades entre índices Baixo/Médio/Alto/Muito Alto. Ou seja, quase três quartos do território municipal e seus habitantes não possuem área verde. É extremamente urgente que isso seja encarado com seriedade e competência adotando índices corretos para essa leitura ficar clara.
Só esta realidade já demonstraria o enorme desafio para se resolver a problemática ambiental do município na atualidade. O fato é que existem também o “Panorama das Áreas Verdes com Função Ecológica” (unidades de conservação, bens naturais tombados, vegetação natural), que também trazem números preocupantes e de difícil gestão no contexto urbano (conforme publicado em 2017). Chama a atenção, porém, que partindo de informações (e estatísticas) atuais, a prefeitura e a revisão do PDE não tenham declarado como pretendem relacionar com pertinência a questão das Áreas Verdes/Função Ecológica com a Função Social, outro aspecto essencial que deveria estar integrado às novas políticas estratégicas, mas que se mostram apartadas de diretrizes e objetivos em conjunto (como dito, não basta implantação de cidades “novas”: é preciso melhorias na cidade atual).
Primeiramente, então, enquanto neste semestre será apresentado o projeto de lei propondo mudanças no zoneamento urbano para permitir a implementação do HUB Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS), este posicionamento isolado da Prefeitura dificulta o entendimento, por parte do cidadão, da visão “macro” do planejamento da cidade: por exemplo, das características de seu território, da urbanização, dos vetores de crescimento e da ligação destes com a alteração de seu Macrozoneamento (e assim por diante). Sabemos que uma compreensão por parte da população é fundamental para sua participação neste processo democrático, em que a Prefeitura incentiva a sociedade civil a debater e apresentar sugestões e contribuições às propostas de alteração do Plano Diretor, como tem ocorrido nas revisões, sobretudo quando o prazo para concluir a revisão intermediária do PDE ficou estipulado por lei para 31 de julho de 2022). Mais ainda, é dever de nossos dirigentes esclarecer como pretendem sanar problemas antigos relacionados à “sustentabilidade” de nossa atual cidade, pois só assim poderemos, junto aos novos espaços projetados, acreditar que Campinas está caminhando para se alinhar aos objetivos da Agenda 2030 do Brasil (como de fato estará o HIDS).
Em segundo lugar, este é um posicionamento não-integrador justamente criticável num cenário de (re)planejamento estratégico. Sem querer tirar o mérito da implementação do HIDS, sem dúvida uma notícia positiva para Campinas e muito bem vinda , a área de Barão Geraldo em questão precisa de estudos para um levantamento mais detalhado de seus “Aspectos Ambientais”, justamente os quais devem ser “preservados” para usos na região do HIDS. Sem isso não se pode falar de sustentabilidade, pois não adianta destruir o “verde” original nos lugares da grande cidade onde eles ainda restam, para depois se construir espaços “sustentáveis” e cidades “inteligentes”. É preciso entender, enfim,como esta área entre a Unicamp (e a Fazenda Argentina), a Ciatec II, a PUC e demais indústrias irão preservar seus remanescentes arbóreos e seu patrimônio inclusive históricos tornando-se exemplo de uma ação sustentável para um município que apresenta números e índices como estes vistos acima principalmente se forem mantidos como referencia.
Fica aqui o nosso alerta: que esta “iniciativa inédita no Brasil”, segundo Saad, “que vai caminhar para consolidar a cidade como um grande ecossistema de inovação, um grande ambiente de inovação no Estado de São Paulo”, uma “iniciativa ousada”, enfim, que ela não deixe de lado “o basilar caminho que leva a uma gestão ambiental integrada” de Campinas, conforme a revisão do Plano Diretor, e possamos receber investimentos também dentro da temática ambiental e patrimonial que se relaciona com Saneamento Básico, Recursos Hídricos, Verde e Educação Ambiental e Patrimônio Cultural– todas estas previstas no atual PDE.
E no próximo artigo prometo falar do Parque Patrimonial do Café em Campinas, também ele um caminho para somar e potencializar efeitos positivos sobre a cidade e seus habitantes. Até lá!
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