São Paulo e outros estados brasileiros vivem uma crise hídrica sem precedentes, pela proporção que ela tomou, chegando por exemplo na possibilidade de adoção de rodízio de água na região mais rica e populosa do país, como anunciou nesta semana o novo presidente da Sabesp, Jerson Kelman. Para o professor Dr.José Gilberto Dalfré Filho, do Departamento de Recursos Hídricos da Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp, o cenário atual representa uma importante oportunidade para a sociedade em geral repensar o uso da água. Atitude fundamental, em um país rico de recursos hídricos mas que tem enfrentado situações cada vez mais graves de saturação e degradação dos corpos d´água.
“Nesses momentos e nesses locais em que ocorre diminuição da disponibilidade de água, é possível trabalhar para que cuidemos melhor, que tenhamos maior atenção para esse bem imprescindível que é a água”, destaca o professor Dalfré Filho. “Até há algum tempo havia de forma geral na sociedade uma ideia de muita disponibilidade, de que a água é um bem infinito, mas está cada vez mais claro que não é bem assim”, completa o especialista.
Doutor pela Unicamp e com pós-doutorado na Universidade de Toronto, no Canadá, o professor Dalfré Filho trabalha em parceria com órgãos como o CTH/DAEE/USP, Politecnico di Milano (Itália), Universidad Nacional de San Juan (Argentina), Instituto Tecnologico de Monterrey (México) e Instituto Superior Politécnico José Antonio Echeverría (Cuba). Na Unicamp, mantém linhas de pesquisas em Mecânica dos Fluidos e Hidráulica, principalmente em estruturas e equipamentos hidráulicos, sistemas de abastecimento de água, perdas em redes de água, cavitação e transitórios hidráulicos.
O especialista nota que existem várias soluções técnicas que podem ser adotadas, evitando ou reduzindo a necessidade de construção de grandes obras para assegurar o abastecimento de água. “É importante trabalhar na oferta, mas também é possível atuar na demanda”, assinala.
A redução das perdas de água nas redes de distribuição é um dos setores em que é possível avançar de forma expressiva, destaca o professor da Unicamp. As perdas, ou fugas, ocorrem por envelhecimento da rede, entre outros motivos. “As próprias gestoras dos sistemas de abastecimento de agua já percebem a importância de atuar nesse ponto, tanto que tem sido crescente a procura de qualificação do corpo técnico”, conta.
Algumas empresas já alcançaram índices satisfatórios de redução de perdas. Caso da Sanasa, de Campinas, que já reduziu para menos de 20% o seu índice de perdas, o que é um ótimo patamar considerando o panorama paulista e brasileiro em geral. Grande parte dos municípios tem índices de perdas acima de 40%.
Existem alguns desafios importantes nesse sentido, observa o professor Dalfré Filho. Um deles está relacionado às ligações clandestinas em áreas periféricas, dificultando as medições e identificação de pontos de fuga de água tratada.
Tratamento de esgoto e reuso – Outro território em que é necessário possível avançar muito, diz o especialista da Unicamp, é o da melhoria da qualidade dos corpos d´água, através da ampliação do tratamento de esgotos urbanos. “É possível ampliar o tratamento de esgoto e também aumentar a eficiência dos sistemas já existentes”, entende ele. Mais da metade do esgoto urbano produzido no Brasil não recebe nenhum tipo de tratamento atualmente.
Dalfré Filho cita o caso dos rios Tietê e Pinheiros, na Grande São Paulo, que poderiam ser mananciais de abastecimento, mas estão comprometidos pelo excesso de poluição. A própria represa Billings, lembra, poderia ser uma solução importante para o abastecimento da região, caso não estivesse tão poluída. Atualmente, apenas alguns braços da Billings (Taquecetuba e Riacho Grande) são usados para contribuir com o fornecimento de água.
A propagação do reuso da água é outro ingrediente importante, como parte do mix de soluções técnicas para enfrentar a crise hídrica, entende o especialista da Unicamp. O momento é de mudança, de transformar para melhor o olhar sobre o uso da água no país que tem 12% da água doce do planeta, mas que já tem áreas com déficits expressivos, que podem e devem ser enfrentados, visando um futuro com maior sustentabilidade no uso dos recursos hídricos.