Elas e eles atuam na promoção dos direitos dos moradores de rua, idosos, portadores de deficiência, mulheres, crianças, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade. São as educadoras e educadores sociais, ou comunitários, que enfrentam às vezes condições inadequadas de trabalho, e até o não reconhecimento da profissão, mas que persistem na busca de uma sociedade justa e fraterna. Representantes dessa rede de profissionais, de oito países, estiveram reunidos em Campinas nos últimos três dias, no I Encontro Latino Americano de Educadoras e Educadores Sociais. A crônica do compromisso ético com os setores mais vulneráveis da população.
A educação social está em construção e busca o reconhecimento na América Latina. Este foi o panorama geral entre os participantes do Encontro, realizado no Centro de Convenções da Unicamp e que termina neste sábado, com visita a espaços e organizações de atuação de educadores sociais em Campinas.
Uma das participantes foi Estefânia Crespo. Ela é espanhola, mas vive e trabalha em Cusco, no Peru. A trajetória de Estefânia é uma síntese das potencialidades e desafios da educação social.
Ela se formou em educação social pela Universidade de Barcelona, o que já indica o estágio mais consolidado da profissão em alguns – não todos – países europeus. Em função de sua vida acadêmica, teve então oportunidade de ir trabalhar no Peru, junto a comunidades vulneráveis.
Estefânia atua especificamente na capacitação de educadores, em cursos de “desenvolvimento de habilidades e formação para incidência social e política”. Para a espanhola, as educadoras e os educadores sociais latino-americanos lutam por “maior visibilidade e reconhecimento de seu trabalho, fundamental na promoção de direitos em uma sociedade hostil e muito complexa”.
Em Campinas, Estefânia esteve acompanhada de Juvenal Zamalloa, da Associação Civil “Pasa la Voz”. É uma organização constituída em 2005 e criada com o propósito de promover os direitos de “um grupo invisível e esquecido, o da infância e adolescência em situação de risco social”.
Estefânia e Juvenal participaram da organização do I Encontro de Educação Comunitária no Âmbito da Infância, da Adolescência e da Juventude, realizado em Cusco, dias 1 e 2 de outubro de 2014, com a participação de 200 pessoas, representando a educação social praticada no Peru.
O Encontro em Cusco resultou em oito propostas, que resumem um pouco os desafios para as educadores e os educadores sociais no continente, como foi reafirmado no Encontro Latino Americano em Campinas: Criar um coletivo de educadores comunitários; Atualizar a legislação vigente em matéria de Educação Comunitária; Gerar uma oferta formativa especializada para educadores comunitários. Promover o desenvolvimento de condições de trabalho dignas; Realizar atividades para difundir o trabalho dos educadores comunitários; Fortalecer os mecanismos e habilidades para o trabalho em equipe; Gerar e buscar mais recursos humanos e econômicos; e Melhorar o trabalho intersetorial no que se refere à atenção às crianças, aos adolescentes e jovens.
“Os educadores e as educadoras sociais exercem um trabalho de muito valor, e devem ser reconhecidos pela sociedade e o Estado. Este é um desafio”, sintetiza Estefânia Crespo.
Luta política – A educação social como luta política é ressaltada por Claudio De Santi, do Uruguai. Ele trabalha no Instituto das Crianças e Adolescentes, em Montevidéu, e observa que a educação “é um exercício político por excelência, pois trata da construção da consciência cidadã”. Na América Latina, os educadores sociais atuam em um contexto instável e de muitos desafios, nota o uruguaio.
Outro uruguaio participante do Encontro em Campinas foi Federico Garrido. Ele trabalha junto a moradores de rua em Montevidéu. Federico diz que as estimativas sobre a população de rua na capital uruguaia são subvalorizadas. Mas um indicador da gravidade da situação é o fato de que os abrigos já estavam lotados em pleno verão, quando o fato ocorre geralmente no inverno. “A educação apenas tem sentido de for coletiva, e a educação social é basicamente comunitária, é voltada para o fortalecimento da comunidade”, diz Federico.
Globalização – Os desafios comuns para os educadores e educadoras sociais, com as diferenças características de cada realidade, foram destacados pelo dinamarquês Benny Anderson, presidente da Associação Internacional de Educadores Sociais (AIEJI). É uma organização nascida na Alemanha, em 1951, do trabalho socioeducativo junto a jovens e crianças em situação de risco social.
Para a AIEJI, os educadores sociais são profissionais que trabalham com crianças, adolescentes e adultos, pessoal ou coletivamente, e que demandam ações socioeducativas. Estes educadores atuam em diferentes contextos através de ações individuais, comunitárias ou em instituições residenciais, respeitando a ética profissional. Exercem diferentes funções na prática educativa, na direção de programas, na formação, na pesquisa e na realização de ações como especialistas, no âmbito socioeducativo.
Benny Anderson reiterou que o reconhecimento do trabalho do educador social é um dos grandes desafios. “O trabalho às vezes é invisível para o público, mas tem grande impacto junto aos mais vulneráveis”, lembra o presidente da AIEJI. A organização se dedica agora à preparação do Décimo Novo Congresso Mundial dos Educadores Sociais, que acontecerá em 2017 no Brasil, na Região Metropolitana de Campinas (RMC) ou na Grande São Paulo.
O presidente da AIEJI nota que a globalização trouxe novos desafios para o trabalho dos educadores e educadoras sociais, na medida em que “colocou o mercado como prioridade e levou à privatização de muitos serviços, diminuindo o acesso dos setores mais vulneráveis a recursos que devem ser comunitários”.
No Brasil – Além dos aspectos derivados da globalização, os educadores e educadoras sociais têm um desafio enorme adicional no Brasil: a crise política em curso e um certo “esfriamento” dos movimentos sociais. A posição é de Ângela Maria Aparecida de Oliveira, educadora social em Campinas, atuando em serviço de média complexidade, voltado para atender vítimas de violação de direitos.
Pra ela, o Encontro em Campinas foi fundamental para o fortalecimento do trabalho dos educadores e educadoras sociais no continente. “A troca de experiências e informações é muito importante. Ela abre horizontes, e reafirma os nossos compromissos com os educandos e diante da sociedade civil”, assinala.
Coordenador geral do Encontro, Ney Moraes Filho, da AEESSP e AIEJI, diz que em Campinas, especificamente, existem muitos desafios para o trabalho do educador social. São desafios, resume, resultantes “da interpretação peculiar da legislação e de concepções de prática social tradicional”.
Um mosaico de opiniões, de visões e concepções. O I Encontro Latino Americano de Educadoras e Educadores Sociais, em Campinas, já é histórico. Um marco no fortalecimento da educação social no continente rico de dramas e potencialidades. (Por José Pedro Martins)