O Estado de Minas Gerais está mudando a sua legislação ambiental durante uma das mais graves crises de sua história, provocada pelo rompimento de duas barragens de contenção de resíduos de mineração em Mariana, que gerou o movimento de uma lama gigantesca que percorre o Vale do Rio Doce e já chegou ao Espírito Santo. Entre estes dias 18 e 19 de novembro, as comissões de Meio Ambiente e Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovaram, por unanimidade, parecer do relator deputado Cássio Soares, relativo ao PL 2946, que modifica a lei ambiental do Estado. A modificação, proposta pelo governo muito antes do início da crise atual, tem sido muito criticada pelos ambientalistas.
A versão original, formulada e enviada pelo governo para a Assembleia bem antes do rompimento das duas barragens em Mariana, causou revolta entre funcionários do Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema), membros de comitês de bacias, do Conselho de Política Ambiental (Copam), do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH) e entidades ambientalistas. Duramente criticado, o governo parece ter recuado em alguns pontos, mas continua sendo, na visão da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), “um projeto de lei alheio às principais reivindicações da sociedade e que em nada mudará a situação de desestruturação do Sisema e do licenciamento ambiental no Estado”.
O substitutivo mantém a proposta original do governo quanto à criação de Câmaras Técnicas no âmbito do Copam para licenciar grandes empreendimentos. Mas, por outro lado, mantém também o poder da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Semad) “de licenciar a portas fechadas atividades econômicas que muitas vezes são consideradas erroneamente pela norma em vigor como de pequeno e médio potencial poluidor (classes 1,2,3 e 4)”, de acordo com comunicado da Amda.
Extração de areia e cascalho, empreendimentos agropecuários de grande extensão que normalmente são responsáveis por desmatamentos, frigoríficos, curtumes, indústrias, loteamentos em áreas cobertas por vegetação nativa como Mata Atlântica e outros, que são responsáveis por grande parte dos impactos ambientais sobre água, solo e biodiversidade, exemplificam esse equívoco, de acordo com a Amda.
“Parece que o governador, Faemg, Fiemg e setor imobiliário fizeram pacto para flexibilizar o licenciamento no Estado. Se autorizações para desmatamento forem feitas a portas fechadas como prevê o PL, Minas poderá estar entrando na rota final de extinção do que nos resta de Cerrado, Mata Seca e até de Mata Atlântica. Esta é uma lei econômica e não ambiental”, afirmou a superintendente da Amda, Dalce Ricas.
A criação de órgão vinculado ao Gabinete do secretário de meio ambiente, que poderia licenciar à revelia da sociedade empreendimentos causadores de grande impacto ambiental considerados prioritários pelo Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico e Social (Cedes), foi substituída por unidade administrativa integrada à estrutura complementar da Semad, que ao invés de licenciar irá analisar tais projetos.
A Amda continua afirmando que, “apesar do substitutivo prever que após concluída a análise os processos deverão voltar ao órgão competente para decisão (que diga-se de passagem pode não ser o Copam, dependendo do potencial poluidor da atividade, conforme dito anteriormente), o Cedes ainda será responsável por definir quais são esses empreendimentos. Além disso, o substitutivo não define como funcionará e qual será a composição dessa unidade administrativa”, completa a entidade.
Para a Amda, esta mudança parece indicar melhora na proposta original, mas ainda insuficiente. “Continua sendo esdrúxulo criar uma unidade ou órgão administrativo, separado do resto da estrutura técnica do licenciamento para analisar projetos pincelados por um Conselho que sequer conta com a participação da sociedade civil e Ministério Público Estadual (MPE). Isto é desrespeito aos técnicos do Sisema, ao Copam e à sociedade”, diz Dalce.
No que tange as manifestações no processo de licenciamento de órgãos ou entidades públicas, federais ou municipais, responsáveis pelo patrimônio histórico, terras indígenas, quilombolas, remoção de populações atingidas, e outros, o substitutivo retira da proposta original o caráter não vinculante das mesmas, o que é considerado positivo pela Amda.
Outra mudança foi referente aos prazos para análise e conclusão dos processos de licenciamento. De acordo com o substitutivo, se esgotados os prazos previstos sem que o órgão ambiental competente tenha se pronunciado, os processos serão pautados na URC respectiva para julgamento.
O PL original remetia a decreto o detalhamento de cargos do primeiro e segundo escalão do Sisema, aspecto que foi também muito criticado. Neste ponto o substitutivo, para a Amda, é melhor que o original ao detalhar as diretorias e superintendências hoje já existentes.
As competências do Copam, Semad e órgãos seccionais (IEF, Igam e Feam), antes remetidas a decreto, foram também objeto de mudança. No entanto, o PL “mantém abertura para intervenções diretas do governo, ao não deixar claro que as ações a serem realizadas pelos órgãos secionais da Semad, devem ser exercidas de acordo com diretrizes emanadas do Copam”, conclui a nota da Amda.
Na legislação vigente, cabe ao Copam definir políticas relativas às unidades de conservação, proteção da fauna e áreas consideradas prioritárias para proteção da biodiversidade. A proposta original e o substitutivo não incluem isto.
“São três aspectos da maior importância na política ambiental, por serem alvos diretos do desmatamento, abertura de rodovias, construção de barragens, implantação de condomínios. Consideramos então imprescindível que esteja clara a competência do Copam, onde a sociedade tem poder de voz”, registra Dalce.
O PL segue agora para primeiro turno no Plenário, e a Amda pretende apresentar emendas através dos poucos deputados que apoiam causas ambientais. “Não temos muita esperança de que serão aprovadas, pois a intenção do governo é “tratorar” e garantir aprovação do que quer. Mas vamos, até o fim, exercer nossos direitos e deveres de cidadãos garantidos constitucionalmente”, desabafa Dalce.