Por Adriano Rosa
Andréia Preta, cantora campineira que morou em Minas e que tem raízes nordestinas na família, compositora, lança seu primeiro trabalho solo, o CD “Doce de Salgar”, autoral e totalmente temperado pela sonoridade do universo rítmico da música brasileira, com lançamento oficial nessa quinta-feira, dia 17 de março às 19h30 no Museu de Arte Contemporânea de Campinas (MACC), entrada grátis, como parte do projeto Quinta no Museu.
“Doce de Salgar” apresenta uma Andréia crua, linda e quase nua coberta de argila e céu, desde a capa e encarte do CD até a sonoridade do disco, onde o samba, forte companheiro de trajetória da cantora, aparece em apenas duas oportunidades, mas com a identidade necessária que a autora sabe imprimir em suas aparições ao vivo pela cidade.
O samba belisca o repertório em “Na Cachaça”, com a presença luxuosa do mestre Osvaldinho da Cuíca tocando pandeiro, tamborim, ganzá, reco-reco e, é claro, fazendo chorar manhoso sua cuíca inigualável em arranjo impecável de Thiago Liguori. Aliás, é Thiago quem assina a direção e produção musical do disco.
Mas antes do próximo samba, Andréia escala seu time de onze músicas com melodias e sonoridades modernas, mas apresentando a brasilidade que trás no sangue de seus antepassados, como em “Maria de Salgar”, um coco adocicado pelo bendir de João Dalgalarrondo e os samples do Dj Barata, trazendo para o futuro as tantas Marias inspiradoras e bonitas como a rainha do cangaço, como define a cantora: “Chego à conclusão que sou um pouco Maria Bonita, que era tão doce, mas também era de salgar.”
“Doce de Salgar” é um disco pra quem está carente de boa música, e a tradição vem com modernidade, chamando pra dançar em “Fogueira”, onde Andréia se abre com “As folhas secas/Se espalham com o vento/ Tem argumento no ar/Tem movimento”, movimento juntando a viola caipira de Ricardo Matsuda com a guitarra e alfaias de Thiago Liguori.
“Libido”, adocicada pelo reggae melódico recortado por rabecas e guitarras, é a terceira faixa do CD, onde Andréia confessa uma paixão ao avesso ou o avesso da paixão nas frases: “Cantiga que não foi cantada/O apreço que não foi cuidado/O amor, perdido da hora, chegou atrasado.”
Desprendido de rótulo, “Doce de Salgar” revela talvez uma outra Andréia, compositora sim, autora sim, mas que traz em onze faixas quinze anos de carreira como cantora, criando grupos ou participando de bandas, inquieta em xote e baião com solos rasgados e profundos, uma trilha sonora para algum trecho de estrada, onde diz: “Perdi o rumo do caminho de casa/E na beira da estrada/Eu corria da dor/Mas ela vinha, magoava de um jeito/Eu corria, ela alcançava/Eu perdi o meu amor.”
Drama estacionado em algum canto de Nordeste, remete aos beirais do cancioneiro da dor de cotovelo de Odair José a Reginaldo Rossi, mas com propriedade de quem já viveu um grande amor. Tudo isso sem culpa, num quase tango de sertão, “Amor Rasgado”, clima esse causado pela sanfona dolorida de Edu Guimarães.
Sonho que não se sonha sozinho, “Um Sonho…uma ciranda”, onde Andréia, cantarolando aparece numa canção assim, muito bem acompanhada “sem pensar no fim”, onde trombone e sax tenor passeiam entre todas os personagens que a autora juntou e que se torna realidade em alguma praia do litoral nordestino, bem aqui, onde na mesma praia se forma uma roda de capoeira, onde não tem bobo não, se tiver passa a vez, mas entra na Capoeira assim: “O povo na dança do bobo/O bobo, da vez é João/Parece que ficou tonto/Ou o teto que virou chão.”
Poético e visceral, bateria e percussão ao redor de samples e piano rhodes, num techno mangue beat que vai criando perna, buscando raízes, marcante e robusto, chamando pra praça, ladeira, preguiça, mas chamando em “Mais um Dia”, onde Andréia conclama o vento cantando: “Vamos gente, arregala essa vida!/À tarde, o sol se pondo/Merece poesia/À noite, o sono chega/E depois outro dia.”
Juntando e trazendo gente pra roda, pra rua o movimento está em “Tom Maior”, com percussões do convidado especial Lucas dos Prazeres, de Recife (PE), onde a letra confessa saudades de lugares, sons e pessoas, como o mestre Naná Vasconcelos, mestre de batucada de Leandro, homenageando em tempo: “Lembro quando ti vi, alegre exaltando o mar/Alfaia, xequerê/Gonguê, cantratempo no ganzá/Quero dançar pra você/Um maracatu e te olhar.”
Mas e o samba que Andréia tanto canta com estilo e identidade, cadê? Está aceso em “Fogo Altaneiro”, fechando as onze faixas está a única parceria de Andréia com o músico e compositor Diogo Nazareth, apenas ao violão, sem precisar de mais nada, pois está tudo ali, alma lavada, corpo fechado, ginga, mandinga, carnaval, feitiço e tradição ancestral, raízes negras a que pertence o “Doce de Salgar” de Andréia Preta, “Ê Padê, Laroyê”.
E temperando, salgando e adocicando os arranjos musicais do CD está o jovem Thiago Liguori, que também cuidou da direção musical, dirigindo um time de primeira na produção do disco, como os convidados especiais Osvaldinho da Cuíca, Lucas dos Prazeres e Ricardo Matsuda, muito bem acompanhados por João Dalgalarrondo, Allan Abbadia, Diogo Nazareth, Dj Barata, Edmar Pereira, Eduardo Pereira, Edu Guimarães, Felipe Trez, Fernando Sagawa, Mario Porto, Rafael Martins e as vozes de Maíra Guedes, Mariana Castrillon, Gabriela Nunes e Gu Siqueira.