Marilia respirou fundo, arrumou os seus papeis e encarou a pequena multidão. Um mosaico de cabelos azuis, vermelhos, com mechas brancas, curtos, compridos ou curtos de um lado e compridos de outro. Não importa a cobertura, a cabeça da moçada estava aberta para ouvir, com enorme atenção e respeito, a estudante de Biologia da Unicamp que apresentava, pela primeira vez, sua poesia no Sarau Arte Viva, a iniciativa que chegou à marca de 45 edições na tarde-noite deste sábado, 2 de abril, na Praça Imprensa Fluminense, no Centro de Convivência Cultural, Cambuí, Campinas.
A primeira edição aconteceu em novembro de 2011, logo após a Prefeitura anunciar o fechamento do teatro do Centro de Convivência, concebido pelo arquiteto Fábio Penteado para ser justamente o que o nome indica, um ambiente de reunião das pessoas, de diálogo de ideias diferentes, de expressão da diversidade. O teatro interno continua fechado por avarias na sua estrutura e, recentemente, até o teatro de arena foi interditado, por problemas semelhantes.
Não demorou para um grupo de estudantes secundaristas iniciar um sarau, para reunir poesia, música e outras linguagens artísticas, como forma de ocupação do espaço público e de chamar a atenção para o fechamento de um dos territórios de Campinas com vocação para abrigar o novo, o diferente. São mais de quatro anos de estrada, alguns dos jovens pioneiros já estão na faculdade ou no cursinho, mas a batalha para organizar o evento continua mais ou menos a mesma.
“Nós abrimos um evento em nossa página no Facebook (https://www.facebook.com/ArteVivaCampinas), convidamos umas cem pessoas e, através do boca a boca, logo temos milhares de convidados”, conta Nicole Della Courtte, que participa da ação desde os primórdios. A dificuldade em obter recursos e apoios para viabilizar o sarau também prossegue. O equipamento de som utilizado na edição deste sábado foi emprestado por um amigo do pequeno grupo de organizadores. “Quando necessário, passamos o chapéu”, completa Gustavo Longo.
Em 2015 foram três edições, mas neste ano a expectativa é de retomada com vigor e com novos roteiros. Nicole diz que uma das ideias é descentralizar a iniciativa, levando o sarau e seu vasto repertório para outros endereços. Música, poesia, artesanato, livros, circo e malabares compõem o cardápio Arte Viva, sempre aberto a novos talentos, como lembra outro organizador, Felipe Correa.
Foram vários artistas que se apresentaram pela primeira vez neste dia 2 de abril, como a própria Marilia Baltazar, que começou a escrever no ano passado e já se apresentou no sarau da Biologia da Unicamp. “Escrevo sobre o que estou sentindo, se estou alegre ou se estou triste”, resumiu.
Com 18 anos, Rafael “Fael” Calafati soube do sarau no cursinho, se inscreveu e também fez sua estreia ontem. Com mais de 50 músicas compostas, ele levou sua música plural para o palco improvisado. “Pô, cara, falo sobre política, amor, tudo o que for vida para a galera”, disse, sintetizando sua arte.
Outro estreante foi Luc Ship, membro da banda FODD, de Sumaré, que faz uma música que se auto-intitula anarcopunk, depois de ter iniciado como cover de Green Day. Os outros dois membros da banda não puderam ir e Luc, baterista, se apresentou sozinho, “para dar o nosso recado, contra o racismo, a homofobia”. Luc considera “da maior importância promover essa arte democrática, de graça, para os jovens, na praça”.
Mas havia lugar, claro, para grupos e artistas que participaram outras vezes do sarau. A banda Paralelo 38, de rock alternativo, foi um deles. Eles já abriram show do Fresno e preparam o lançamento do primeiro CD, para o segundo semestre. “É muito legal a energia do pessoal que está aqui, gostamos de tocar no Arte Viva”, explicou Vinicius Almeida, o “Valdivia”, do Paralelo 38.
Iniciantes ou não, os artistas independentes de Campinas e região continuam levando sua assinatura para o Sarau Arte Viva. O movimento que começou como protesto contra o fechamento do teatro do Centro de Convivência Cultural se consolidou como uma das mais longevas ações de ocupação de espaço público no Brasil e agora voltou, continuando a colocar o dedo na ferida. Em pé ou sentados no chão da praça do CC, como chamam carinhosamente, e com o jeitão tranquilo e coração aberto, os jovens dão sua mensagem. (Por José Pedro Martins)