Nesta segunda e terça-feira, dias 23 e 24 de maio, a cidade de Istambul, na Turquia, sedia a Conferência Humanitária Mundial, convocada pelas Nações Unidas. O evento terá uma ausência notável, a dos Médicos Sem Fronteiras, uma das mais importantes organizações humanitárias atuando em esfera planetária. MSF divulgou nota afirmando não ter mais esperança de que a Conferência “vá abordar as debilidades na ação humanitária e na resposta de emergência, particularmente nas zonas de conflito ou em situações de crises epidêmicas”. A organização termina neste domingo, dia 22, a série Conexões MSF, que trouxe várias atividades a Campinas, primeira cidade a receber a iniciativa que busca ampliar a divulgação do trabalho e aproximar ainda mais os Médicos Sem Fronteiras da sociedade em geral.
Médicos Sem Fronteiras lembra que, em 2015, 75 hospitais administrados ou apoiados pela organização humanitária internacional foram bombardeados. “Isto foi uma violação das regras mais fundamentais da guerra que conferem status de proteção aos centros médicos e a seus pacientes, independentemente se se tratam de civis ou combatentes feridos”.
Além dos hospitais, continua MSF, civis estão sendo mortos ou feridos pela guerra indiscriminada que está acontecendo na Síria, Yemen, Sudão do Sul, Afeganistão e em outros locais. Ao mesmo tempo, observa a organização, o tratamento aos refugiados e migrantes na Europa e outras regiões tem ocorrido com “uma surpreendente falta de humanidade”.
Diante desses fatos, Médicos Sem Fronteiras assinala que “nunca tem sido mais necessária uma conferência humanitária onde as agências das Nações Unidas e as organizações não-governamentais se reúnam para discutir esses assuntos urgentes”. Com isso, a organização entende que a Conferência Humanitária Mundial (WHS, na sigla em inglês) a ser realizada na Turquia “poderia ter sido uma oportunidade perfeita para isso”.
MSF lembra ainda que esteve “envolvida de maneira significativa no processo da Conferência durante os últimos 18 meses, incluindo a preparação de notas informativas sobre diversos temas – uma mostra de nossa vontade de estar envolvidos”. A Conferência Humanitária Mundial, acrescenta MSF, “tem feito um trabalho admirável ao abrir um setor humanitário a um grupo mais amplo de atores, liderando um processo inclusivo”.
Contudo, Médicos Sem Fronteiras salienta que, “com pesar”, tomou a decisão de não participar do evento. “Já não temos nenhuma esperança de que a WHS vá abordar as debilidades na ação humanitária e na resposta de emergência, particularmente nas zonas de conflito ou em situações de crises epidêmicas”. Em seu lugar, observa MSF, o enfoque da Conferência pareceria ser “uma incorporação da assistência humanitária em uma agenda mais ampla de desenvolvimento e resiliência”. E além disso, completa MSF, a Conferência “se nega a reforçar as obrigações dos Estados de manter e implementar as leis humanitárias e de refugiados que têm firmado”.
Médicos Sem Fronteiras teme, nesse sentido, que a Conferência se converta “em uma série de declarações de boas intenções, onde se ignoram estas violações sistemáticas, predominantemente dos Estados”. A organização assinala que esperava que o evento avançasse “nessas questões vitais de acesso e proteção, reforçando o papel da ajuda humanitária independente e imparcial, e pondo atenção especial na necessidade de melhorar a resposta a emergências”. Entretanto, MSF considera que a Conferência “desafortunadamente tem falhado nisso, pondo foco em troca em suas ambições de ´praticar a ajuda de forma diferente`, e ´por fim às necessidades`, palavras que soam muito bem, porém que ameaçam diluir a atenção humanitária em favor de agendas mais amplas de desenvolvimento, construção da paz e assuntos políticos”.
De modo específico, MSF conclui que não pode ver como a Conferência Humanitária Mundial “ajudará o setor humanitário a fazer frente a massivas necessidades causadas pela contínua violência contra pacientes e pessoal médico na Síria, Yemen e Sudão do Sul; pelo bloqueio nas fronteiras da Jordânia, Turquia e Macedônia de civis que estão fugindo; pelo tratamento desumano que recebem refugiados e migrantes enquanto buscam desesperadamente um lugar seguro na Grécia ou Austrália; pelos graves vazios que enfrentamos durante a resposta à epidemia de Ebola, repetidos novamente, ainda que em escala menor, na atual epidemia de febre amarela em Angola; pelas severas restrições estabelecidas por certos Estados ao acesso humanitário, que negam às pessoas serviços básicos; e pela continuada falta de mobilização efetiva para fazer frente aos recorrentes surtos de enfermidades na República Democrática do Congo”. Em todas essas situações, diz Médicos Sem Fronteiras, “as responsabilidades dos Estados em sua criação, e a capacidade diminuída do sistema humanitário para responder, causando mais sofrimento e mortes, permanecerão sem ser abordadas”.
A psicóloga Ana Cecília Moraes, como presidente do Conselho Administrativo de MSF Brasil, integra o Conselho internacional de Médicos Sem Fronteiras e, portanto, participou da decisão da organização de não estar presente na Conferência que começa amanhã na Turquia. “O principal motivo de não participar é que a questão do respeito às leis humanitárias internacionais e da ajuda humanitária não será debatida como deveria ser”, ela afirma, resumindo o sentido do comunicado com a posição oficial de MSF.
Convocação pelas Nações Unidas – Em seu Informe para a Conferência Humanitária Mundial, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, afirma que “o número de pessoas que necessitam ajuda humanitária e as necessidades de financiamento conexas têm alcançado máximos históricos. O terrorismo e a brutalidade deliberada contra mulheres e crianças, os bombardeios aéreos e o fogo de artilharia disparado de maneira indiscriminada em zonas residenciais, que têm feito com que milhares de pessoas se vejam vítimas da fome nas zonas assediadas, dezenas de milhares de pessoas fujam da guerra e milhões de pessoas se desloquem em busca de uma vida melhor, se tornaram angustiosamente recorrentes”.
Nesse sentido o secretário-geral da ONU assinala que, “se queremos afirmar a humanidade para milhões de pessoas, não podemos nos conformar com um projeto teórico, mas que a humanidade deve estar refletida em nossas políticas e nossa conduta e impulsionar continuamente nossas decisões políticas, sociais e financeiras. Deverá passar a ser inseparável de nossa responsabilidade de atuar”. Por isso, acrescenta, o tema central da Conferência Humanitária Mundial será “assumir as responsabilidades individuais e compartilhadas e trabalhar em consequência”.