(Campinas, 25 de dezembro de 2016)
Por José Pedro Martins
O Porto do Mucuripe, em Fortaleza, é um retrato das transformações que o Nordeste vivencia desde o início do século 21. Por ele circulou a maior parte dos componentes, como pás, hubs e cones, da constelação de parques eólicos que tornaram a região o mais importante polo dessa energia renovável no Brasil e um dos mais promissores do mundo, em função da alta eficiência dos seus ventos. No próprio Porto do Mucuripe, de onde é possível avistar o belo pôr do sol da capital cearense, foi estruturado, especificamente na Praia Mansa, um parque eólico com aerogeradores capazes de produzir 2,4 megawatts de energia.
Esta não é, entretanto, a única novidade positiva na paisagem social, econômica e ambiental do Nordeste desde o início do século 21. Para um conjunto de pesquisadores e instituições, mudanças foram sinalizadas e, agora, podem ser impulsionadas, tendo como roteiro os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em vigor entre 2016 e 2030, sob a chancela das Nações Unidas. Um vocabulário novo, em tempos de incertezas.
A Agenda dos ODS já mobiliza organizações da sociedade civil, empresas, Universidades e instituições do porte e representatividade do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Tribunal de Contas da União. Para estes setores e atores, os ODS podem fomentar o desenvolvimento sustentável no Nordeste, ampliando os avanços contabilizados nos últimos 15 anos, mas que não foram suficientes para a superação das desigualdades e múltiplos desafios sociais associados à região que soma mais de 57 milhões de habitantes, 27,6% da população brasileira segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Iniciativas comunitárias e empresariais e programas sociais federais como o Bolsa Família, o Prouni e a elevação do salário mínimo acima da inflação foram elementos que contribuíram para que o Nordeste vivesse recentemente um ciclo de crescimento econômico, com consequências sociais relevantes. Este crescimento foi interrompido entre 2015 e 2016, como acontece em todo Brasil, mas os ODS podem abrir um novo horizonte para o desenvolvimento sustentável na região, apontam organizações e especialistas ouvidos pela Agência Social de Notícias. O aprofundamento da crise hídrica na região é um fator evidenciado como desafiador para a plena implementação dos ODS.
ODM e ODS — Em setembro de 2000 a Cúpula do Milênio, realizada na sede da Organização das Nações Unidas em Nova York, deliberou pela implementação, entre 2000 e 2015, dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Era uma tentativa de esforço pela mobilização de governos, setor privado e sociedade civil em torno de oito grandes objetivos, que serviriam como norteadores de políticas publicas, ações de cooperação internacional e atividades em geral.
Os ODM deixaram um saldo favorável em várias áreas. A redução da pobreza extrema, o ODM número um, alcançou números expressivos. Em 1990, quase da metade da população em regiões em desenvolvimento no mundo vivia com menos de 1,25 dólares por dia. Em 2015 a proporção caiu a 14%, segundo o Informe dos ODM publicado pela ONU no ano passado (ver aqui). Outro avanço, na área da Educação: em 2015 a taxa de matrículas no primeiro ciclo do ensino básico chegou a 91% nas regiões em desenvolvimento, contra 83% em 2000.
Contudo, permaneceram desafios e em 2012, na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio+20 e realizada no Rio de Janeiro, o conjunto de países decidiu pela execução dos ODS entre 2016 e 2030, na tentativa de dilatar as conquistas acenadas pelos ODM.
Modificações foram observadas no desenho dos ODS em relação aos ODM. Um deles foi a ampliação de objetivos, de oito para 17 e 169 metas, com acréscimo de objetivos específicos sobretudo na área do meio ambiente, um dos três pilares do desenvolvimento sustentável, ao lado do econômico e social. A preocupação com a aceleração das mudanças climáticas e a escalada da perda da biodiversidade levaram à extensão dos objetivos ambientais.
Na prática, os 17 ODS podem ser agrupados em cinco grandes eixos: Pessoas (ODS 1, 2, 3, 4 e 5, correspondendo ao pilar social do desenvolvimento sustentável), Planeta (ODS 6, 12, 13, 14 e 15, relacionados ao pilar ambiental), Prosperidade (ODS 7 a 11, associados ao pilar econômico) e dois complementares, a Paz e as Parcerias, palavra-chave para o sucesso da implementação dos ODS e conquista do desenvolvimento sustentável em escalas global, regional e local.
Trata-se, portanto, de uma Agenda elástica, abrangente. E, também, com temas transversais, como o do empoderamento feminino. Outra característica é a da vinculação dos objetivos entre si.
No plano internacional, a ONU executa as etapas iniciais desse planejamento de execução dos ODS. No dia 19 de julho foi divulgado o primeiro relatório de acompanhamento, reafirmando os desafios para o conjunto da comunidade internacional, como a erradicação da pobreza extrema, que segundo as Nações Unidas agora atinge 13% da população mundial, enquanto 800 milhões de pessoas passam fome e 2,4 bilhões não têm acesso a saneamento básico integral.
ODS no Brasil – A crise politica e econômica afetou a efetivação dos ODS no Brasil em 2016, o primeiro ano do ciclo de quinze até 2030. Apenas no final de outubro o governo federal publicou decreto criando a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Pelo decreto 8892, de 27 de outubro de 2016, a Comissão Nacional tem o propósito de “internalizar, difundir e dar transparência ao processo de implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, subscrita pela República Federativa do Brasil.”
A Comissão é composta por representantes de seis ministérios, dos níveis de governo estadual, distrital e municipal e oito representantes da sociedade civil. A presidência caberá ao indicado pela Secretaria de Governo, instância que vai coordenar os processos de escolha dos representantes de governos e da sociedade civil.
A Comissão Nacional demorou a ser constituída, mas as ações em torno dos ODS já têm movimentado vários setores no Brasil. Um conjunto de organizações teve a iniciativa, por exemplo, de criar o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para os ODS, que no dia 1º de dezembro realizou em Brasília o seminário “Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” e participou de audiência pública na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, sobre a implementação dos ODS no Brasil. No mesmo dia foi lançada a Frente Parlamentar Mista dos ODS.
Uma das ações do GT da Sociedade Civil, observa Alessandra Nilo, coordenadora de Políticas Estratégicas da organização Gestos, foi justamente a demanda pela criação da Comissão Nacional pelo governo federal. O GT também se mobilizou, lembra Alessandra, para que houvesse alinhamento entre os ODS e o Plano Plurianual, no sentido de que o PPA 2016-2019 incluísse destinação orçamentária para início de implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil. E, com efeito, o PPA inclui várias referências ao desenvolvimento sustentável em suas diretrizes e programas. A construção de indicadores para orientar a implementação dos ODS no país é outra linha de atuação do GT da Sociedade Civil, informa a coordenadora da Gestos, sediada em Recife (PE).
ODS no Nordeste – Alessandra Nilo salienta que os ODS representam uma grande oportunidade para a construção do desenvolvimento sustentável no Brasil em geral e no Nordeste em particular. “A região concentra grande parte da população afetada pela pobreza. Os ODS podem ser catalisados em uma nova forma de gestão pública, visando o desenvolvimento sustentável no Nordeste”, ressalta a coordenadora de Gestos, integrante do GT da Sociedade Civil para os ODS.
Uma iniciativa voltada para o Nordeste vem sendo realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que está muito envolvido com o processo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. “A responsabilidade principal pela implementação dos ODS é do governo, mas a Agenda 2030, da qual os ODS fazem parte, enfatiza que este esforço deve ser de toda a sociedade. Desta maneira, o TCU como órgão de controle cuja missão é “aprimorar a administração pública em benefício da sociedade por meio do controle externo”, tem seu papel dentro dos esforços nacionais para o alcance dos objetivos até 2030″, afirmou o TCU à Agência Social de Notícias, questionado sobre as razões de sua participação no processo dos ODS.
O TCU salienta que tem instrumentos para participar da execução dos ODS, como por exemplo “o mandato para realizar auditorias operacionais, que visam contribuir para o aperfeiçoamento da economicidade, eficiência, efetividade e eficácia no setor público, além de contribuir para a boa governança, accountability e transparência. Dentro desta perspectiva, a atuação do TCU visa apoiar o aprimoramento de políticas públicas relacionadas à implementação dos ODS”.
Para o Brasil, os ODS representam, na visão do TCU, “uma oportunidade de criação de uma agenda global de longo prazo e de um conjunto amplo, sinérgico e coerente de objetivos”. Para o Nordeste, complementa o Tribunal de Contas da União, “os ODS representam a oportunidade de desenvolvimento sustentável da Região, uma vez que a Agenda 2030 traz como um de seus principais objetivos a superação das desigualdades regionais”.
No último dia 21 de junho, o TCU promoveu, em Fortaleza, o encontro “Nordeste 2030 – Desafios e caminhos para o desenvolvimento sustentável”. As principais conclusões do evento, segundo o próprio TCU, foram no sentido de que “as diversas instituições que atuam no Nordeste devem buscar trabalhar de forma mais integrada e estratégica, juntando os esforços para capacitação dos gestores” e para a construção de uma visão de desenvolvimento regional “que integre políticas e planos nas diversas esferas federativas”.
Para o TCU, preocupa em relação ao Nordeste “a ausência de uma política de desenvolvimento regional”. O Tribunal de Contas da União informa que os Panoramas Estaduais, realizados pelas Secretarias de Controle Externo do Nordeste, apresentaram uma série de desafios para o desenvolvimento dos estados nordestinos. Ao consolidar seus resultados, o TCU chegou à conclusão que as áreas relacionadas aos ODS 4 – Educação de Qualidade, ODS 8 – Trabalho decente e Crescimento Econômico, ODS 9 – Indústria, Inovação e Infraestrutura e ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes “são as mais críticas, conforme apresenta o FISC Nordeste (ainda não julgado)”.
O FISC Nordeste é um relatório sistêmico com recorte territorial que apresenta uma avaliação da atuação estatal visando o desenvolvimento sustentável da região Nordeste e da redução das desigualdades, abordando: i) principais desafios por estado; ii) governança pública; iii) disponibilidade de recursos financeiros; iv) ação estatal; v) estratégia de controle. Atualmente, encontra-se em fase de conclusão, devendo com previsão de julgamento para fevereiro de 2017. Um passeio pelos 17 ODS no contexto nordestino ratifica as oportunidades que eles representam para alavancar o desenvolvimento sustentável na região.
ODS 1 – Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares
Para se chegar ao distrito de Camela, na zona rural de Ipojuca, Pernambuco, é preciso atravessar vastas áreas de canaviais. Ao longo da rodovia, foi montada uma ciclovia para facilitar a mobilidade dos trabalhadores. Pouco depois da entrada do distrito, uma longa escada facilita o acesso a bairros da região central de Camela, apontada no ranking do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) como a Unidade de Desenvolvimento Humano (UDH) número 450, entre as 461 classificadas no Atlas do Desenvolvimento Humano nas Regiões Metropolitanas Brasileiras. No caso, a Região Metropolitana de Recife, que tem 19 UDH classificadas como de Baixo Desenvolvimento Humano.
É um exemplo da persistência de bolsões de pobreza nas regiões metropolitanas brasileiras. Mas é nas áreas rurais onde a pobreza continua sendo um drama especial no Brasil. Em 60,09% dos municípios do semiárido nordestino, onde vivem mais de 9 milhões de pessoas, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) varia entre Baixo e Muito Baixo. O IDH considera três dimensões, a Longevidade, o padrão Educacional e a Renda.
O tamanho do desafio da redução da pobreza no Brasil também está sinalizado no Atlas da Vulnerabilidade Social nos Municípios Brasileiros, realizado em parceria entre o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a Fundação SEADE, de São Paulo. O Índice de Vulnerabilidade Social (IVS), desenvolvido pelas duas instituições oficiais de pesquisa, foi construído a partir do Atlas do Desenvolvimento Humano do PNUD. O IVS considera indicadores como mortalidade infantil, renda familiar, ocupação, taxa de analfabetismo e acesso a água e saneamento, mulheres com menos de 17 anos que são mães, ou seja, várias dimensões abrangidas por vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Os resultados do IVS mostram que entre 2000 e 2010 o número de municípios brasileiros com Muito Alta vulnerabilidade social diminuiu de 2.545 (45,7% do total) para 803 (14,4%) e, destes, a imensa maioria (581) está na Região Nordeste. Outros 856 municípios nordestinos estão na faixa de Alta vulnerabilidade social e, por outro lado, somente 32 foram classificados como de Baixa vulnerabilidade social e um de Muito Baixa vulnerabilidade social. É um indicativo de que as necessárias políticas de redução da pobreza, no contexto das oportunidades que podem ser abertas pelos ODS, têm endereço no Brasil: o Nordeste.
“A redução da pobreza e a melhoria dos indicadores sociais no Nordeste dependem muito do crescimento da economia regional, que por sua vez é muito dependente da recuperação da economia brasileira”, alerta o economista Gustavo Maia Gomes, ex-diretor do IPEA e ex-secretário de Planejamento, Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco.
ODS 2 – Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) está estruturando um escritório regional em Campina Grande, na Paraíba, na sede do Instituto Nacional do Semiárido (INSA). O objetivo é contribuir para o fortalecimento da agricultura familiar e a resiliência das populações da área da Caatinga. A Região Nordeste é um dos territórios beneficiados com as políticas de agricultura familiar e sustentável implementadas no país, com ações como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), criado em 1995 e que em duas décadas atingiu 2,6 milhões de famílias. Cerca de 50% dos contratos do Pronaf foram firmados no Nordeste.
O próprio INSA foi criado neste contexto, através da Lei nº 10.860, de 14 de abril de 2004. No início de dezembro de 2016, o INSA recebeu um grupo de pesquisadores da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), para dar prosseguimento ao acordo de cooperação técnica assinado em 2013, objetivando a união de esforços pela implementação de ações conjuntas pelo desenvolvimento sustentável no Semiárido. A Ufersa é outra instituição criada nos últimos anos, voltada para ações no semiárido.
Ela foi instituída a 29 de julho de 2005, pela Lei nº 11.155, a partir da estrutura da Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM). O campus da Ufersa está localizado, portanto, nesse município do Rio Grande do Norte. Em outubro de 2015, a Ufersa sediou o I Congresso de Agroecologia do Semiárido e o VII Simpósio Brasileiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. O Congresso foi realizado em parceria entre Ufersa, Instituto Federal do Rio Grande do Norte, Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) e outros, comprovando as parcerias que vêm sendo feitas entre instituições universitárias e de pesquisa nordestinas, pelo desenvolvimento sustentável na região, com apoio da própria ONU através da FAO.
No Nordeste, 29,6% da população estão empregadas em atividades agrícolas, bem acima da média nacional, de 17%, observa o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima. O Plano (aqui) nota que, em função das mudanças do clima, vários estudos apontam a tendência de maior “pecuarização” em regiões rurais do Nordeste.
“Para mais da metade dos municípios da Caatinga, as estimativas sugerem perdas futuras severas da produtividade agrícola da mandioca, com consequências na produção para autoconsumo e geração de trabalho e renda agrícola por meio desta cultura. No Nordeste, segundo a PNAD, a produção de mandioca respondia, em 2012, por 6,1% da população ocupada agrícola, atrás apenas, dentre as culturas selecionadas pelo estudo, da produção de milho, com 8,9%”, diz o Plano Nacional. No Nordeste, os impactos climáticos sobre a produção de milho afetariam os municípios de Porto Fraco, São João do Carú, Centro Novo do Maranhão, Feira Nova do Maranhão e Brejo, todos no Maranhão. Outro dado preocupante: as regiões Norte e Nordeste somam apenas 8% da capacidade estática de armazenamento de alimentos no país.
Um dado relevante é que a Região Nordeste tinha em 2014 a segunda maior proporção (43,0%) de municípios com estrutura para tratar da política de segurança alimentar e nutricional, atrás apenas do Norte (45,1%) e à frente de Sudeste (38,5%), Sul (37,9%) e Centro-Oeste (29,1%), de acordo com o “Perfil dos Estados e dos Municípios Brasileiros 2014″, do IBGE.
ODS 3 – Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades
Entre os serviços oferecidos pela Associação Nossa Voz, para a enorme população de baixa renda de Peixinhos, em Olinda (PE), está o de Fisioterapia e Terapia Ocupacional para idosos. São intensos os esforços da organização social para manter esse serviço, voltado para a qualidade de vida e envelhecimento ativo. O movimento é constante na Nossa Voz, que também oferece vários programas e projetos voltados socioeducativos para crianças e adolescentes, muitos em parceria com a Escola Municipal “Monsenhor Arruda Câmara”.
Com o envelhecimento da população, uma possível meta no Nordeste refere-se à ampliação do número de entidades de assistência social privadas sem fins lucrativos com idosos como público-alvo. De acordo com pesquisa do IBGE de 2014, o Nordeste tinha 1016 entidades com este perfil, número superior às 606 entidades do Centro-Oeste e 223 do Norte, mas bem distante das 2.258 do Sul e 4.180 do Sudeste.
Na outra ponta do perfil etário, a queda na mortalidade infantil foi um dos marcos civilizatórios no Brasil desde o início do século 21, em função de várias políticas públicas adotadas em âmbitos federal, estaduais e municipais. Segundo documentou o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o declínio da mortalidade infantil no Nordeste é ainda mais expressivo, considerando um período mais largo de tempo.
Em 1990 a região registrava um índice de 75 óbitos de menores de 1 ano por 1.000 nascidos vivos. Em 2000 o índice já era de 35 óbitos por 1.000 nascidos vivos e em 2011 atingiu 20 óbitos por 1.000 nascidos vivos. Foi a maior queda em três décadas no Brasil, repercutindo na diminuição da média nacional, de 46 por 1.000 em 1990 para 14,9 por 1.000 em 2012, segundo registrou o Unicef no estudo “ECA 25 anos – Estatuto da Criança e do Adolescente – Avanços e desafios para a infância e a adolescência no Brasil”. (Íntegra do relatório aqui) Em 2015 a mortalidade infantil no Brasil era de 13,82 por mil nascidos vivos, segundo o IBGE.
Mas existem diversos indicadores incômodos no Nordeste em relação à saúde. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde 2013 do IBGE, citada na PNAD 2015, considerando a população de 18 ou mais anos de idade, 82,8% da população nessa faixa etária no Nordeste não tinham plano de saúde ou odontológico, índice inferior aos 84,7% da Região Norte, mas superior aos 67,8% do Centro-Oeste, 65,1% do Sudeste e 61,1% do Sul. (Os dados da PNAD 2015 estão citados na “Síntese de Indicadores Sociais – Uma análise das condições de vida da população brasileira 2016″, do IBGE, aqui)
ODS 4 – Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos
A Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) “Olimpio Nogueira Lopes”, em Horizonte, foi uma das escolas cearenses que comemoram a divulgação, no início de setembro de 2016, do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 2015. A escola alcançou um IDEB 7,8, bem superior à sua meta para o ano, de 4,9, e também da meta prevista para o ano de 2021, de 5,8. Grande parte dos alunos da EMEF “Olimpio Nogueira Lopes” é da comunidade quilombola de Alto Alegre, que vem sediando nos últimos anos vários projetos e programas socioeducacionais, com apoio de organizações de investimento social privado, como Oi Futuro, Instituto Arcor Brasil e Instituto C&A, e de instituições universitárias. Parcerias para o desenvolvimento local, tendo como base a educação.
O Ceará foi destaque no IDEB 2015. Das 100 escolas públicas no Brasil com melhor IDEB no Brasil, 77 são do Ceará. Mas todo o conjunto do Nordeste teve ganhos. Um estudo da Fundação Lemann, sobre os “Resultados do IDEB 2015″, mostrou que as regiões Nordeste e Norte foram as que mais melhoraram em proficiência, em relação aos dados de 2013.
Houve, de fato, progresso em vários indicadores educacionais no Nordeste na última década, embora a região continue em situação desigual em relação ao Centro-Sul. A proporção de estudantes de 15 a 17 anos com distorção idade-série no Nordeste caiu de 56,4% em 2005 para 36,4% em 2015. A proporção em 2015 nas demais regiões, para os estudantes nessa condição, era de 35,9% no Norte, 22,9% no Centro-Oeste, 21,9% no Sul e 18,4% no Sudeste, conforme a PNAD 2015 do IBGE.
Em termos do percentual de jovens de 15 a 17 anos que frequentam a escola, o Nordeste registrou a maior evolução, entre 2005 e 2015, no caso de jovens que apenas estudam. Segundo a PNAD 2015 do IBGE, eram 55,0% em 2005 e 70,4% em 2015, índice apenas inferior aos 73,9% no Sudeste, 70,1% no Norte, 67,1% no Centro-Oeste e 66,0% no Sul, todos percentuais de 2015.
Um avanço especial se deu no âmbito do ensino superior, área que reitera o potencial da região para dar saltos ainda maiores em seu processo de desenvolvimento, a partir da oportunidade representada pelos ODS. A Região Nordeste contabilizou o maior crescimento, entre 2003 e 2013, das matrículas em universidades: 94% de crescimento, contra 76% no Norte, 48% no Centro-Oeste, 47% no Sudeste e 26% no Sul, segundo o INEP/MEC.
Entre 2002 e 2014, o Nordeste somou a maior proporção de aumento do número de campus de universidades federais no país, indo de 30 para 90 campi (expansão de 200%), em relação aos 133% no Norte (24 para 56), 117% no Sul (29 para 63), 76% no Sudeste (46 para 81) e 63% no Centro-Oeste (19 para 31 campi). Os dados são do SIMEC/MEC.
Nesse período foram criadas seis universidades federais no Nordeste, que passou de 12 para 18 instituições (aumento de 50%), em relação a cinco novas universidades federais no Sul (6 para 11), quatro novas no Sudeste (15 para 19), duas novas no Norte (8 para 10) e uma nova no Centro-Oeste (4 para 5 universidades federais). No Nordeste foram criadas as universidades federais: Rural do Semi-Árido (2005), Recôncavo da Bahia (2005), da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (2010), do Oeste da Bahia, do Sul da Bahia e do Cariri, todas em 2013.
Segundo o Censo/INEP, entre 2002 e 2013 o Nordeste contabilizou um crescimento de 123% em número de cursos em universidades federais (583 para .1299), também em 123% em vagas abertas (33.387 para 75.052 vagas, o maior número entre as cinco regiões brasileiras) e em 91% em número de matrículas (147.464 para 281.421, o maior número entre as regiões).
Entretanto, estados nordestinos ainda estão entre aqueles de menores percentuais da população de 18 a 24 anos na Educação Superior, somando redes pública e privada: RN (14,1%), CE (13,2%), PE (12,3%), AL (11,2%), BA (10,4%) e MA (8,3%, último do ranking nacional). Os estados com maiores percentuais são DF (33,6%), SC (24,9%), PR (22,2%), MT (22,1%) e SP (21,4%). Dados do Mapa do Ensino Superior no Brasil 2016, do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp). Segundo a mesma fonte, o Nordeste somava 1,4 milhão de matrículas em cursos presenciais, ficando atrás apenas dos 3,1 milhões do Sudeste, de novo somando redes pública e privada.
ODS 5 – Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas
Uma das características da agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, lembra Alessandra Nilo, da ong Gestos, de Recife, é o perfil transversal, como no caso da condição feminina. “Temos uma desigualdade de gênero ainda muito forte no Nordeste, onde a cultura machista é persistente. Os ODS podem alimentar essa discussão”, afirma a coordenadora da organização que integra o GT da Sociedade Civil para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
O cenário da condição feminina no Nordeste tem suas peculiaridades. No Brasil, 52% das mulheres se declaram negras, mas no Nordeste esta proporção chega a 70,7%, como acentua o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (Raseam 2014), da extinta Secretaria de Políticas para as Mulheres (ver aqui). Do mesmo modo, a taxa de fecundidade, que no Brasil declinou de 2,4 para 1,7 filhas/os por mulher em idade reprodutiva (de 15 a 49 anos) entre 2000 e 2014, era superior no Nordeste nesse ano, de 1,9 por mulher nessa condição.
Em 2012, segundo o mesmo relatório, o Brasil tinha 6 milhões de pessoas de 16 anos ou mais ocupadas no trabalho doméstico, sendo 92% mulheres e 63,4% eram negras. No Nordeste, de novo uma proporção maior de mulheres negras, de 79,2%, nessa condição de trabalho.
Todos esses dados reforçam a necessidade de políticas públicas específicas para a população feminina do Nordeste. Um indicador que alimenta a percepção de mudanças no panorama nordestino, no âmbito da condição feminina, apontando para a possibilidade de novos progressos, é o fato de que, em 2014, a região tinha a maior proporção (18,5%) de municípios que dispõem de Organismos de Políticas para as Mulheres (OPM), em relação ao total de municípios brasileiros. Em seguida aparecem as regiões Norte (14,7%), Centro-Oeste (10,7%), Sul (10,4%) e Sudeste (5,0%), também conforme o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher 2014.
ODS 6 – Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos
O Alto do Mateus, distante cerca de 15 quilômetros do centro de João Pessoa, na Paraíba, é uma aglomeração urbana que cresceu a partir da linha férrea da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) e em plena área de mangue, no vale do rio Sanhauá. A comunidade é um retrato da ausência de serviços de saneamento básico que atinge grande parte do país, em meio a uma enorme riqueza de biodiversidade e recursos hídricos.
Com efeito, apesar dos avanços obtidos, permanece a desigualdade regional na estrutura de saneamento básico. De acordo com a PNAD 2015 do IBGE, somente 40,8% da população do Nordeste contam com o acesso simultâneo aos serviços de abastecimento de água por rede geral, esgotamento sanitário por rede coletora ou pluvial e coleta direta ou indireta de lixo. Apenas a Região Norte, com 18,2%, conta com percentual menor. A proporção nas demais regiões, de acesso simultâneo aos três serviços de saneamento, é de 50,8% no Centro-Oeste, 63,1% no Sul e 86,2% no Sudeste.
O desafio é grande no caso das crianças de 0 a 4 anos. A PNAD 2015 do IBGE mostrou que 21,5% das crianças nessa faixa etária no Nordeste residiam em domicílios sem abastecimento de água por rede geral, índice apenas inferior ao da Região Norte, com 41,3% das crianças de 0 a 4 anos nessa condição, mas superior ao das demais regiões: 14,9% no Centro-Oeste, 11,8% no Sul e 8,5% no Sudeste.
Além disso, de acordo com a mesma fonte, nada menos que 61,8% das crianças de 0 a 4 anos no Nordeste viviam em domicílios sem esgotamento sanitário por rede coletora ou pluvial, de novo menos que os 80,7% na Região Norte e mais do que os 51,8% no Centro-Oeste, 38,2% no Sul e 13,6% no Sudeste.
“O Nordeste carece de ações que englobem todos os tópicos presentes no ODS 6″, afirma o pesquisador da organização Trata Brasil, Alceu Galvão. “Assim, esse objetivo surge como uma oportunidade de mobilizar os responsáveis por essas questões, visando discutir de forma mais intensa o saneamento nessa região, uma vez que o Nordeste é a região brasileira que mais sofre com a disponibilidade de água, dificultando a gestão hídrica em seus Estados integrantes. Além disso, ao traçar metas, o ODS 6 pressiona as instituições a desenvolver projetos e ações que possibilitem a expansão do saneamento, com foco no cumprimento das metas, não só no Nordeste, mas em todo o país”, completa o pesquisador da organização formada por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país.
Alceu Galvão frisa que, no Nordeste, se observa “uma grande quantidade de localidades rurais situadas distantes dos centros urbanos, cuja solução para o saneamento básico carece de ações particulares, como no caso do SISAR, no estado do Ceará”. O Sistema Integrado de Saneamento Rural (SISAR), implementado no Ceará desde 1996, inicialmente nas bacias dos rios Acaraú e Coreaú, tornou-se uma referência em sua área de atuação.
ODS 7 – Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos
Foi uma expansão notável. Entre 2005 e 2011, a capacidade instalada de geração de energia eólica no Brasil cresceu de 27,1 para 11.253,6 gigawatts (GW). Até 2020, serão 17,95 GW instalados em território brasileiro, conforme dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) de dezembro de 2016. A própria Abeeólica explicou, para a Agência Social de Notícias, os motivos pelos quais o Nordeste passou a concentrar o maior polo de energia eólica do país, como um símbolo do potencial do desenvolvimento sustentável na região.
“No Brasil, os melhores potenciais para a fonte eólica estão predominantemente nas regiões Nordeste e Sul do Brasil”, comenta a Abeeólica. “Importante mencionar que os ventos brasileiros estão entre os melhores do mundo. Os ventos brasileiros, nas regiões de potencial eólico, são fortes, com velocidades em torno de 10 metros por segundo a 12 metros por segundo, são constantes e com turbulências mínimas ou até nulas. Os limiares mínimos de atratividade para geração eólica, no que diz respeito à velocidade do vento, variam entre 5,5 m/s e 7,0 m/s, em médias anuais”, acrescenta a entidade, que indica um potencial de 500 GW de energia eólica no Brasil – ainda existe um grande terreno para crescimento, portanto.
Também explica o sucesso do Brasil, e em particular do Nordeste, em estruturar o seu complexo eólico, “o fato de termos montado uma cadeia produtiva em tempo recorde, menos de cinco anos, com investimentos altíssimos”, diz a Abeeólica, assinalando que 80% da cadeia produtiva são nacionalizados. Atualmente, a energia eólica responde por cerca de 7% da matriz elétrica brasileira e a Abeeólica estima que possa chegar a no mínimo 10%, considerando apenas os contratos que já estão assinados, isso sem contar novos leilões.
O Rio Grande do Norte tem o maior número (125) de parques eólicos, com 3,4 GW de capacidade instalada. A seguir aparece a Bahia, com 1,9 GW, em seus 73 parques, e em terceiro o Ceará, com 1,7 GW de capacidade instalada, nos 67 parques existentes no estado. Estão em construção ou contratados 159 parques na Bahia, 50 no Rio Grande do Norte, 36 no Piauí, 38 no Ceará, 8 no Maranhão, 14 no Rio Grande do Sul, 8 em Pernambuco e 3 na Paraíba.
A Abeeólica enfatiza que financiamento e transmissão são desafios para a ampliação do polo eólico no Brasil. “Há que se considerar, no entanto, que o grande desafio atual é a insegurança em relação a novos leilões”, diz a entidade, que lamentou o recente cancelamento do Leilão de Reserva que aconteceria no dia 19 de dezembro, para contratação de energia eólica e solar.
Não é apenas na área da energia eólica que o Nordeste computa boas notícias. Está em construção em Tabocas do Brejo Velho, município do extremo oeste da Bahia, o Complexo Ituverava, que será a maior usina de energia solar fotovoltaica da América Latina, com capacidade de geração de 500 gigawatts/hora. Bom Jesus da Lapa, também na Bahia, receberá outro parque solar, com 158 megawatts de capacidade instalada.
Em todo país são 99 projetos de energia solar contratados. Dois deles estão em funcionamento, em Pernambuco. A maior parte dos projetos está instalada no Sudeste e Nordeste, como mais um indicador do potencial do desenvolvimento sustentável na região. Segundo o Atlas Brasileiro de Energia Solar, de 2006, o semiárido nordestino é uma das regiões brasileiras com melhores parâmetros técnicos de insolação, e portanto de geração de energia solar fotovoltaica.
ODS 8 – Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos
O Nordeste foi uma das regiões de maior crescimento econômico no Brasil nos primeiros 15 anos do século 21 e sobretudo na primeira década. Entre 2000 e 2010, a taxa média anual de crescimento do PIB per capita na região foi de 3,21%, a maior do país no período, ao lado do mesmo valor observado na Região Norte. Entre 2005 e 2010 a taxa no Nordeste foi de crescimento anual de 4,36%, abaixo apenas dos 4,53% no Norte, segundo dados do IPEADATA e IBGE.
Economistas de várias instituições atribuem esse crescimento maior do PIB nordestino a políticas do governo federal, como o aumento real do salário mínimo (beneficiando a região com maior população nessa condição), a difusão de crédito consignado, a construção de grandes projetos de infraestrutura, o estímulo à produção de energias alternativas (sobretudo eólica) e a expansão do ensino superior na região, das redes pública e privada, como já comentado no ODS 4.
O economista Gustavo Maia Gomes, Phd em Economia pela Universidade de Illinois e professor da Universidade Federal de Pernambuco de 1976 a 2009, observa a respeito que, a partir desse conjunto de políticas, aconteceram dinâmicas que batiza de “crescimento induzido pelo crescimento”, caracterizado pela estruturação de polos industriais “informais” e multiplicação de negócios como shopping centers.
Surgiram polos de confecções em cidades como Caruaru, Santa Cruz do Capibaribe, Toritama e outras em Pernambuco e outros estados. Também emergiram polos de calçados em cidades como Campina Grande e Patos, na Paraíba, e polos moveleiros, como o de Gravatá, em Pernambuco.
Em 1975, lembra Gustavo Maia Gomes, o Nordeste recebeu o seu primeiro shopping center, da rede Iguatemi, em Salvador (BA). Em 25 anos, portanto até 2000, a região contabilizou a instalação de 32 shoppings. Pois entre 2000 e 2014 foram abertos 34 novos shoppings no Nordeste.
Todo esse crescimento econômico teve impactos sociais, mas ainda assim permanecem as desigualdades regionais. A participação do Nordeste na composição do PIB brasileiro, que era de 13,0% em 2002, chegou a 13,4% em 2011, segundo o IBGE, em “Contas Regionais do Brasil 2011″ (aqui). As demais regiões evoluíram assim, na composição do PIB brasileiro no período: Norte (4,7% para 5,4%), Sudeste (56,7% para 55,4%), Sul (16,9% para 16,2%) e Centro-Oeste (8,8% para 9,6%).
Ou seja, a distribuição regional do PIB continua praticamente a mesma, o que reforça a necessidade de políticas públicas mais consistentes para assegurar o desenvolvimento econômico sustentável no Nordeste. Gustavo Maia Gomes entende que a retomada do crescimento econômico nordestino depende da recuperação da economia brasileira como um todo. “O crescimento que tivemos não foi sustentável, o que levou à situação crítica atual”, lamenta o economista, que cita a incerteza política no país como um fator preocupante. No caso do Nordeste, ele nota que o agravamento da seca é um elemento a mais de impacto na economia. “Investimentos que dependem de água estão totalmente paralisados”, observa.
Para Gomes, alguns projetos especiais devem merecer prioridade em investimentos governamentais, quando houver um “respiro fiscal”. Ele cita a Ferrovia Transnordestina, que está com obras paralisadas, depois de dez anos de iniciadas. A ferrovia deveria ligar Eliseu Martins, no Piauí, aos portos de Pecém, nas proximidades de Fortaleza, e de Suape, em Pernambuco. Seriam 1752 quilômetros, cerca de 600 km deles instalados, mas as obras estão paradas e muitos trechos estão abandonados. Outra obra de peso ser concluída, assinala o economista pernambucano, é a polêmica Transposição do São Francisco, projetada para levar água dessa bacia a várias regiões do Nordeste. Todos esses empreendimentos, reitera Gomes, dependem da reativação da economia e dos investimentos estatais.
Entre outros aspectos associados a um crescimento econômico sustentado e inclusivo, está o do combate ao trabalho infantil. Entre 2005 e 2015, caiu de 15,0% para 3,6% a proporção de crianças e adolescentes de 10 a 13 anos em situação de trabalho infantil no Nordeste, mas o índice é superior aos 2,4% na Região Sul, 1,9% no Centro-Oeste e 1,7% no Sudeste. Dados da PNAD 2015 do IBGE.
ODS 9 – Construir infra-estruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação
O economista Gustavo Maia Gomes entende que, assim como na economia em geral, o crescimento industrial no Nordeste depende da reativação econômica do país e da capacidade de investimento do Estado. O estímulo à inovação é outro dilema e nesse sentido está o desafio de ampliação dos investimentos em Ciência e Tecnologia.
O Nordeste ainda se encontra em posição modesta no mercado nacional de Tecnologia da Informação, respondendo por 8,3% do setor em 2012, segundo o relatório “Mercado Brasileiro de Software – Panorama e Tendências”, da Associação Brasileira das Empresas de Software. O Sudeste somava 64,3%, o Centro-Oeste vinha em seguida com 13,0% e o Sul com 12,2%. O Nordeste ficou à frente somente da Região Norte, com 2,2% do mercado brasileiro de TI, segundo a mesma publicação.
Um estudo do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) (“Dimensão territorial no planejamento de CT&I”, aqui) comprovou a desigualdade regional em Ciência, Tecnologia e Inovação no país, mas registrou progressões na primeira década do século 21. Entre 1996 e 2008, a participação do Nordeste na distribuição de doutores titulados no Brasil aumentou de 1,4% para 9,7%, maior crescimento proporcional no país. Nas demais regiões a proporção de doutores titulados evoluiu assim no período: Norte (0,7% para 1,1%), Centro-Oeste (1,5% para 3,7%), Sudeste (88,9% para 70,1%) e Sul (7,5% para 15,5%).
De acordo com a mesma publicação, que cita os dados disponíveis, de 2005, o Nordeste representava 6,5% das empresas com mais de 500 pessoas ocupadas que investiam em Pesquisa e Desenvolvimento, contra 3,6%no Norte, 61,8% no Sudeste e 25,8% no Sul.
Uma das conclusões do CGEE – organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – foi a de que “a dimensão territorial é pouco contemplada no planejamento de políticas públicas, em particular na área de Ciência, Tecnologia e Inovação”. Na escala continental/nacional, afirmou o estudo, “a política de CT&I deve estar estruturalmente vinculada aos investimentos no Sistema de Logística, setor estratégico que, exigente de continuidade nas inversões e de recorrentes inovações, é crítico para a organização do território”.
Para o CGEE, uma das alternativas para a redução das desigualdades regionais em CT&I seria o incentivo à articulação da comunidade científica local com iniciativas como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Plano Nacional de Logística e Transporte.
ODS 10 – Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles
O Brasil teve evolução no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) entre 1991 e 2010, registrou o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O índice geral do país saltou de 0,493 em 1991 para 0,727 em 2010. A dimensão Educação foi a que mais avançou no período, indo de 0,279 para 0,637, incremento de 128,3%, em função do fluxo escolar duas vezes e meia superior em 2010 em relação a 1991.
Contudo, o IDHM mostra que permanecem desigualdades regionais, o que fica evidente considerando as Unidades de Desenvolvimento Humano das regiões metropolitanas. As dez UDHs de maior desenvolvimento humano, entre 0,965 e 0,961, estão nas regiões metropolitanas de São Paulo (Vila Madalena, Funchal/Berrini, Jardins e Pacaembu/Higienópolis), Rio de Janeiro (Icaraí, em Niterói) e Grande Vitória (Mata da Praia e Barro Vermelho). Entre as doze UDHs com menor desenvolvimento humano, seis são de Manaus, quatro de Natal (Cosmo, Jacoca, Pitangui e Capela e respectivos bairros vizinhos), uma de Recife (área rural de Ipojuca e distrito de Nossa Senhora do Ó) e uma de Maceió (Vales do Benedito).
O IDHM considera as dimensões Renda, Longevidade e Educação. “Em casos extremos, na mesma região metropolitana encontramos Unidades de Desenvolvimento Humano (UDHs) – conceito próximo ao de bairros –, com renda per capita média mensal de mais de R$ 7 mil, enquanto em outras UDHs essa renda não chega a R$ 200. Uma diferença impactante que mostra que, na mesma RM, a renda das pessoas que moram na UDH mais abastada é 35 vezes maior que aquela das pessoas que vivem na UDH mais carente”, afirma a publicação “Atlas do Desenvolvimento Humano nas Regiões Metropolitanas Brasileiras”, do PNUD, IPEA e Fundação João Pinheiro (ver aqui).
ODS 11 – Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis
O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima traça prognóstico inquietante no caso da vulnerabilidade de zonas costeiras brasileiras às oscilações climáticas. No caso do Nordeste, o Plano afirma que “a elevação do nível do mar poderá criar áreas de risco ou impróprias à manutenção da infraestrutura urbana da região”.
Em vários pontos do litoral nordestino é possível verificar o avanço do oceano e a consequente redução de áreas de praia. É o caso da bela praia de Lucena, no litoral paraibano, um local que foi conhecido, no passado, como um dos principais pontos de caça a baleias no Brasil.
No conjunto do Nordeste, poderia ser mais consistente o conjunto de esforços para garantir a resiliência das áreas urbanas. Pelo menos é o que se infere da baixa participação da região, até o final de 2016, na Campanha “Construindo Cidades Resilientes”, da Agência das Nações Unidas para Redução de Riscos de Desastres. A Campanha defende que os municípios adotem progressivamente plataformas para atuação preventiva, frente a transformações climáticas e eventos extremos, minimizando riscos e desastres.
Depois de seis anos de Campanha no Brasil, o país tem 925 Cidades Resilientes, sendo 12 no Nordeste. O Brasil é o melhor colocado no ranking internacional. Entre as cidades nordestinas que aderiram à Campanha, estão Camaçari, na Bahia, e Recife e Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco. O coordenador da Campanha no Brasil, Sidnei Furtado Fernandes, nota que são municípios “que têm a cultura de agir proativamente, com ações focadas em resiliência”. Ele cita o caso do Programa Transforma Recife, de incentivo ao voluntariado. No caso de Camaçari, a estrutura de resiliência está em conexão com o polo petroquímico.
Sidnei Fernandes observa que o objetivo da adesão à Campanha Cidades Resilientes é “a construção de ferramentas para a gestão de risco, é portanto uma estratégia de suporte, abrindo a possibilidade de discussão e participação de empresas e sociedade, melhorando a governança local”. O coordenador da Campanha das Nações Unidas diz que estão sendo intensificados esforços para maior adesão nordestina, citando o exemplo do intercâmbio feito entre o município pernambucano de Sairé com a Bolívia.
Para Fernandes, os ODS representam uma “grande oportunidade para a construção da cultura de resiliência no Nordeste e em todo Brasil, através do alinhamento das políticas públicas com a redução de risco de desastres e promoção do desenvolvimento sustentável”.
ODS 12 – Assegurar padrões de produção e consumo sustentáveis
“Comecei a falar pela cidade/ fui a rádio, jornal, televisão/ não cansei de fazer divulgação/ alertando o meu povo inteligente/ que hoje a moda é o consumo consciente/ reciclando o papel do cidadão./ Cidadão consciente é quem reduz,/ compra com menos embalagem/ (…) vai à feira comprar de quem produz/ as verduras e os frutos da estação/ a sacola de pano traz na mão/ para mostrar ao amigo e ao parente”. Versos do Repente do Consumo Sustentável, vídeo que participou do Circuito Tela Verde dos Ministérios da Cultura e Meio Ambiente (aqui), com direção de Rafael Borges.
São muitas as ações propondo e divulgando o consumo consciente e sustentável no Nordeste, assim como em todo Brasil. No geral, a pegada ecológica (que mede o consumo de recursos naturais per capita) do Nordeste é muito menor em comparação ao das regiões Sul e Sudeste e do Brasil e às dos países industrializados. Entretanto, existem sinais de preocupação.
O WWF-Brasil realizou um estudo sobre a pegada ecológica de Natal e a conclusão foi a de que se todas as pessoas do mundo consumissem como os moradores da capital do Rio Grande do Norte seria necessário 1,9 planeta para que o mesmo estilo de vida fosse seguido. O estudo foi realizado em parceria com a Global Footprint Network (GFN) e consultoria ecosSISTEMAS.
De acordo com a análise, Natal tem um consumo de recursos naturais 15% superior à média brasileira e 21% ao da média global. O estudo foi feito no escopo do Programa Água Brasil, realizado em parceria entre o WWF-Brasil, Banco do Brasil e Agência Nacional de Águas (ANA) e objetiva a conservação da água.
Há, igualmente, iniciativas em produção sustentável sendo difundidas no Nordeste, embora haja espaço para conquistas nesse campo. A indústria ceramista do Rio Grande do Norte e Paraíba iniciou práticas mais sustentáveis no uso da lenha, com apoio do Fundo Clima e Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF) e execução da Fundação Parque Tecnológico da Paraíba. A Embrapa, por sua vez, desenhou e estimulou a implantação em várias áreas do projeto “Manejo de solo e planta para incremento da produção sustentável de cana-de-açúcar colhida crua na região Nordeste”. A mesma Embrapa deu suporte para a implantação dos polos do projeto “Transferência de Tecnologia e Comunicação para a Produção Sustentável do Girassol no Semiárido Brasileiro”, em municípios como Oeiras, São João do Piauí, Simplício Mendes, Uruçui e São Francisco de Assis, no Piauí.
ODS 13 – Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos
As projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e do Painel Brasileiro de Mudança do Clima (PBMC) são de que o Nordeste, e sobretudo o semiárido nordestino, será especialmente afetado pelas mudanças do clima nas próximas décadas. As estimativas são de redução de 10 a 20% nas precipitações até 2040, de 25 a 35% de 2041 a 2070 e de 40 a 50% de 2070 a 2100 na Caatinga, segundo o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, de 2015. No mesmo bioma, as temperaturas podem aumentar de 0,5 a 1C até 2040, de 1,5 a 2,5 de 2041 a 2070 e de 3,5 a 4,5 de 2071 a 2100.
Com isso, no bioma Caatinga “estes impactos podem agravar processos de desertificação em curso, associados principalmente à intensificação da perda de cobertura vegetal por mudança de uso do solo”. Na Caatinga, afirma o Plano Nacional, os cenários apontam “para uma substituição por uma vegetação mais árida. Para as populações poderá haver diminuição do nível dos açudes, impactos na agricultura de subsistência, especialmente a agricultura de sequeiro, e na saúde, perda de produtividade, maior insegurança alimentar”.
As projeções, portanto, são de agravamento da situação verificada no Nordeste, que segundo o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais, da Universidade Federal de Santa Catarina, respondeu por 44,09% do número de pessoas afetadas por desastres naturais no Brasil entre 1991 e 2012, notadamente pelas secas e estiagens. É uma proporção muito maior do que os 22,68% correspondentes à Região Sul, 22,17% da Região Sudeste, 6,97% da Região Norte e 4,09% na Região Centro-Oeste. Foram 29 milhões de pessoas afetadas por desastres naturais no Nordeste no período, essencialmente por secas e estiagens.
O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima destaca a vulnerabilidade dos chamados Grupos Populacionais Tradicionais e Específicos (GPTE, com renda per capita declarada inferior a R$ 77,00, ano base 2015, abrangendo quilombolas, extrativistas, indígenas, pescadores, ribeirinhos, situação de rua, assentados, agricultores familiares e ciganos) na Caatinga: “Na Caatinga, a exposição climática à seca é uma realidade antiga e, devido às questões políticas, culturais e socioeconômicas, verifica-se grande dificuldade de se desenvolver, tornando grupos como os GPTE cada vez mais vulneráveis”.
ODS 14 – Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável
As estimativas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) são de que até o final do século 21 as temperaturas podem subir em média de 2,6 a 4,8 C, gerando entre outros impactos à elevação do nível dos oceanos de 45 a 82 centímetros. A acidificação das águas, várias perturbações no ambiente marinho e o “branqueamento” dos corais são previstos. No litoral nordestino, de cerca de 3 mil quilômetros, algumas modificações são detectadas pelos cientistas.
O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima salienta que as medidas de adaptação na Zona Costeira brasileira às mudanças climáticas são incipientes, entre outros fatores porque “existem lacunas de informações que não permitem dimensionar as vulnerabilidades da costa com maior precisão”. Além disso, “o planejamento da ocupação litorânea ainda é falho em considerar as orientações e normas vigentes”. Observações válidas para todo litoral brasileiro, inclusive o do Nordeste.
Uma preocupação específica na faixa litorânea nordestina refere-se a algumas zonas de exploração de camarão em manguezais, considerados berçários para espécies de fauna e flora. Por outro lado, existem ensaios de produção de crustáceos em áreas marinhas de modo familiar e não artesanal. Pesquisas e projetos nessa linha são desenvolvidos pelo Laboratório de Ecologia Costeira e Maricultura (Ecomar), do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBa).
Os pescadores artesanais resistem ao longo da costa do Nordeste, embora os relatos de diminuição de recursos pesqueiros marinhos sejam frequentes. O uso de redes de arrasto e compressores de ar para a captura da lagosta, a utilização de malhas finas na pesca de espécies como a cavala em fases ainda não maduras e o descontrole sobre a quantidade de peixes pescados são fatores que afetam os recursos pesqueiros. Existem, portanto, muitos ingredientes a considerar, para que o ODS 14 seja observado no Nordeste, como plataforma de oportunidades.
ODS 15 – Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade
Desde 2012 o Nordeste passa pela maior seca dos últimos 50 anos, com mais de 1.400 municípios afetados. No final de 2016, com vários açudes secos ou próximos disso, muitos municípios têm o abastecimento de água garantido com carros-pipa. O racionamento é realidade em vários locais. Polos regionais como Campina Grande, na Paraíba, atravessam momentos delicados. O cenário é mais grave no semiárido, onde estão áreas suscetíveis à desertificação somando 1.340.172,60 km quadrados, correspondentes a 16% território brasileiro e onde vivem 34,8 milhões pessoas, em 1.488 municípios. Cálculos da Confederação Nacional dos Municípios, com base em dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres, apontaram perdas de R$ 103,5 bilhões entre 2013 e 2015.
Em decorrência dessa seca de enorme gravidade, os impactos poderiam ser maiores do que em outras ocasiões, quando houve enorme migração e que foram refletidas em produções literárias que consolidaram uma imagem específica do Nordeste. Caso de obras-primas de ficção, como “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, ou na vertente de ensaios, como “Geografia da Fome”, de Josué de Castro.
Alguns elementos contribuíram para a atenuação dos efeitos da seca extrema, cujo agravamento, contudo, pode levar a cenários imprevisíveis. Um deles é o da urbanização crescente no Nordeste, como verificado em todo Brasil. Entre 1970 e 2010, a taxa de urbanização no Brasil evoluiu de 55,94% para 84,37%, correspondentes a 150,82% de aumento. No Nordeste, de 41,82% para 73,14%, taxa de 174,89% de aumento. E no semiárido, de 29,63% para 62,15%, um crescimento de 209,74%.
A urbanização levou a uma economia urbana menos sujeita aos efeitos da seca. O crescimento econômico desde o início do século 21, com taxas maiores no semiárido e Nordeste em geral do que no Brasil, levando à implantação de novos negócios nas cidades, foi outro ingrediente para diminuir a vulnerabilidade da população do semiárido à seca extrema.
Mas também houve a atuação determinante de iniciativas como os projetos da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), rede que nasceu em 1999 e que soma mais de 3 mil organizações em toda a região. Ações propostas pela ASA, como o Programa Um Milhão de Cisternas, viraram políticas públicas, beneficiando milhões de pessoas do semiárido.
As estimativas da ASA são de que desde 2003, quando o Programa teve início, mais de 4 milhões de pessoas garantiram acesso à água para consumo humano, mais de 600 mil tiveram acesso à água para produção de alimentos, mais de 3.500 escolas tiveram cisternas instaladas para a viabilização de aulas para 175 mil alunos e mais de 1.000 Casas de Sementes foram estruturadas por mais de 20 mil famílias, que contribuem para proteger a diversidade genética do semiárido, onde predominam os biomas Caatinga e Cerrado.
“Ao longo de 17 anos foi construída uma resposta de convivência com o semiárido”, afirma Valquíria Lima, da coordenação nacional da ASA. Ela se refere às iniciativas da ASA, como a construção de milhares de cisternas no semiárido, que contribuíram para a “segurança hídrica, alimentar e nutricional” de muitas famílias da região.
Valquíria nota que o semiárido brasileiro “é o mais chuvoso do planeta”, com precipitações de 200 a 800 milímetros anuais, superiores às de outras regiões semiáridas e em desertificação, onde chove de 80 a 250 mm anuais. Mas trata-se de precipitação pluviométrica concentrada em poucos meses do ano e distribuída de modo irregular em todo semiárido. Além disso, no semiárido ocorre uma evaporação de 3.000 mm anuais, acarretando em déficit hídrico significativo. Daí a importância de tecnologias sociais de armazenamento da água da chuva, como as cisternas de placa de cimento.
Apesar do novo patamar possibilitado pela implantação das cisternas e outras ações no semiárido, a ASA indica que existem 350.000 famílias ainda sem cisterna de água para beber na região e outras 800.000 famílias não têm cisterna para armazenar água para produção. “Os desafios das mudanças do clima exigem maior atenção à captação de água de chuva também em áreas urbanas e soluções para o reuso de água”, afirma a ASA, no documento final do seu nono encontro nacional, realizado nos dias 21 a 25 de novembro de 2016 em Mossoró (RN). Valquíria Lima destaca que “vão prosseguir as ações em rede para a convivência com o semiárido e o fortalecimento da agricultura familiar e camponesa”.
A Caatinga, que ocupava cerca de 1 milhão de quilômetros quadrados, cobre hoje pouco mais de 700 mil quilômetros quadrados e somente 1% está sob a proteção de unidades de conservação. Porém, a Caatinga é um bioma rico, o único exclusivamente brasileiro. O Cerrado, o outro bioma presente no semiárido, também encontra-se em processo de degradação, pelo desmatamento crescente.
O processo de desertificação no semiárido é objeto de atenção pelas Nações Unidas desde o processo relacionado à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992. Em janeiro daquele ano, Fortaleza (CE) sediou a Conferência Internacional sobre Impactos de Variações Climáticas e o Desenvolvimento Sustentável nas Regiões Semiáridas, marco nessa discussão que levou à Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas (UNCCD). A expectativa é a de que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável avancem no debate e execução de políticas de convivência com o semiárido nordestino, ampliando a resiliência frente a eventos extremos como a atual seca.
ODS 16 – Promover sociedades pacificas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis
Os desafios são significativos no Nordeste no campo do combate e prevenção à violência. De acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM-2014) do Ministério da Saúde, o Nordeste tem a maior taxa de homicídios por arma de fogo por 100 mil habitantes na população mais crítica, de 15 a 29 anos: 77,9, contra 58,4 no Centro-Oeste, 45,6 no Norte, 35,6 no Sul e 33,2 no Sudeste. Na faixa etária de 30 a 59 anos, o Nordeste também lidera o triste ranking, com 29,0 por 100 mil, contra 25,0 no Norte, 22,1 no Centro-Oeste, 15,9 no Sul e 12,1 no Sudeste.
Segundo o Mapa da Violência 2016, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), o Brasil registrou impressionantes 967.851 mortes por armas de fogo entre 1980 e 2014. O Mapa da Violência observa que a Região Nordeste foi a que apresentou as maiores taxas de homicídios por arma de fogo (HAF) entre 2004 e 2014. A taxa média em 2014 foi de 32,8 HAF por 100 mil habitantes, “bem acima da taxa da região que vem imediatamente a seguir, Centro-Oeste, com 26,0″.
Os estados nordestinos com maiores taxas em 2014 eram Alagoas (56,1/100.000), Ceará, Sergipe e Rio Grande do Norte, com taxas em torno de 40/100.000, contra por exemplo Santa Catarina, com 7,5/100.000, a menor do país. Em 2000 Alagoas ocupava apenas a nona posição no ranking nacional e o Ceará, a décima-nona, e em 2014 AL e CE ficaram em primeiro e segundo lugares, respectivamente, em taxas de HAF/100.000.
Entre 2012 e 2014, Fortaleza liderou consecutivamente o ranking de HAF entre as capitais nordestinas. Foram 1.718 em 2012, 1.998 em 2013 e 2.026 em 2014. Entre 2004 e 2014, as capitais nordestinas com maior incremento de HAF foram Natal (490,5% de aumento), São Luís (404,9%) e Fortaleza (380,1%), segundo o Mapa da Violência 2016. Fortaleza tinha, em 2014, a maior taxa de HAF/100.000 entre as capitais estaduais: 81,5.
O Mapa da Violência sustenta a reorientação do fluxo de capitais e de mão de obra para locais “até então virgens de desenvolvimento” e a aprovação do Plano Nacional de Segurança Pública e Fundo de Segurança Publica na virada dos séculos 20/21 foram fatores que, “potencializados pela guerra fiscal empreendida por diversos municípios para atrair investimentos, originaram a emergência de novos polos de desenvolvimento, seja no interior dos estados tradicionais, seja em outros estados, como a Zona Franca de Manaus, Camaçari, Suape, Ananindeua, Arapiraca etc”. Esses novos polos, conclui o Mapa, “atraíram investimentos e fluxos populacionais, mas também criminalidade e violência, diante da virtual ausência das instituições do Estado, fundamentalmente as da Segurança Pública”.
Um ingrediente positivo é que o Nordeste caminhou na constituição de órgãos gestores de direitos humanos. A região tinha em 2014 a maior proporção de municípios nessa condição: 46,2%, em relação aos 45,8% do Centro-Oeste, 44,0% do Norte e 42,8% do Sudeste, segundo o “Perfil dos Estados e dos Municípios Brasileiros 2014″, do IBGE.
ODS 17 – Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável
No distrito rural de Cachoeira, em Maranguape, Ceará, uma rede envolvendo o Centro Comunitário, o Comitê Agrícola de Cachoeira, a Escola Municipal “José de Moura” e a Fundação do Trabalho Educacional com Recursos Renováveis e Arte – Terra, responsável pelo Ecomuseu de Maranguape, vem sendo consolidada nos últimos anos com ações em agricultura ecológica, educação integral, educação ambiental e preservação do patrimônio. Essa rede de desenvolvimento local contou, durante três anos, com o apoio do Fundo Juntos pela Educação, constituído por duas organizações de investimento social privado, o Instituto Arcor Brasil e o Instituto C&A.
A coordenadora da Fundação Terra e do Ecomuseu, Nádia Helena Oliveira Almeida, observa que o apoio do Fundo Juntos pela Educação foi crucial para muitas mudanças nas práticas pedagógicas observadas na EM “José de Moura” e no próprio Ecomuseu, que funciona em casarão antigo de posse da comunidade. “Todas as crianças e os adolescentes, tanto da Escola como do Ecomuseu, passam a ser vistos como um mesmo público beneficiário, independente da sua origem de entrada no projeto. Com isto, o projeto adquiriu mais capacidade de atuação e agilidade no tocante ao sistema de garantia dos direitos das crianças e adolescentes”, diz Nádia, lembrando que em função do suporte do Fundo a unidade escolar passou a contar com novas tecnologias de informação e comunicação, uma metodologia transdisciplinar e turmas interativas, levando à reformulação de seu Projeto Político Pedagógico.
O apoio do Fundo aconteceu entre 2011 e 2013 mas os resultados são permanentes e contínuos, nota Nádia Helena Almeida, que cita os impactos da rede comunitária na formulação do Plano Municipal de Educação de Maranguape, de 2015, e na recente realização, entre 24 e 26 de novembro, da IV Jornada de Formação de Museologia Comunitária, de dimensão nacional e internacional. Tudo resultado de iniciativa de parceria entre diferentes atores, o que preconizam as Nações Unidas no ODS 17 para a implementação de todo o conjunto de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Parcerias como as das estabelecidas na Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), que soma mais de 3 mil organizações, em uma das maiores redes da sociedade civil e grupos de pesquisa em todo mundo. “O avanço da sociedade civil mostrou a força política e o potencial de desenvolvimento sustentável da região”, comenta Valquíria Lima, da coordenação nacional da ASA. “Existem muitos desafios e a atuação da rede continuará, pela construção e execução de políticas públicas que de fato transformam vidas”, ressalta Valquíria.
Como nota o Tribunal de Contas da União, ações em parceria, em esfera internacional e nacional, são de fato essenciais para que os ODS sejam executados. O TCU informa que sua atuação pelos ODS no Brasil ocorre de forma alinhada com a estratégia da Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores (INTOSAI) para o acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Segundo o TCU, a INTOSAI acaba de adotar, em dezembro de 2016, o seu planejamento estratégico para o período de 2017-2022, no qual define como uma de suas prioridades transversais “contribuir para o acompanhamento e revisão dos ODS no contexto dos esforços de desenvolvimento sustentável específicos de cada nação e dos mandatos de cada uma das EFS (entidades fiscalizadoras superiores”.
No caso do Nordeste, a proposta do TCU é divulgar as constatações do FISC Nordeste – relatório sistêmico a ser julgado no Tribunal no inicio de 2017 – de forma a “conscientizar e mobilizar as diversas instituições que atuam na Região Nordeste para a criação de uma visão sistêmica de governo, capaz de vislumbrar ações de curto, médio e longo prazo que tragam o desenvolvimento sustentável da região”. A expectativa, acrescenta o Tribunal de Contas da União, é pela construção de uma rede “na qual diversas instituições, dentro de suas competências e expertises, possam contribuir de forma efetiva para o alcance dos ODS e, consequentemente, para o desenvolvimento sustentável da região Nordeste”.
Os caminhos estão sendo abertos, um mosaico de parcerias é trabalhado em múltiplos níveis. Os progressos recentes podem ser potencializados. Outras narrativas podem ser escritas. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável podem, enfim, caracterizar um momento novo para o Nordeste, avançando na superação de desafios históricos.