Por Synnöve Hilkner, cartunista
PortoCartoon se destaca como um dos mais importantes e seletivos salões de humor do mundo, assim como o Salão Internacional de Humor de Piracicaba. A exigência pela qualidade de meio e mensagem faz com que o nível artístico dos trabalhos selecionados seja muito elevado e lá se concentrem os melhores cartunistas da atualidade. Uma das exigências do salão é que os trabalhos sejam originais, que sejam enviados em papel e não por via digital.
Em 2015 enviei, pela primeira vez, três trabalhos para o PortoCartoon, dos quais uma charge sobre o tema principal, A LUZ, e uma caricatura de Cristiano Ronaldo foram selecionados. Demorei para saber da seleção, visto que é difícil receber informações sobre esse salão. A informação sobre os premiados é divulgada rapidamente, mas informações sobre selecionados e programação são difíceis e causa de grande ansiedade por parte dos cartunistas. Em todo caso, meu nome estava lá, entre os selecionados, não na lista do Brasil, como eu esperava, por ser meu país de residência e de coração, mas pela Finlândia, meu país de origem.
Nesse mesmo ano, o campineiro Dálcio Machado foi premiado com a caricatura de Ernest Hemingway e também em 2015 foi feito um tributo a Georges Wolinsky, cartunista morto no atentado ao Charlie Hebdo, Paris, em 2014. Wolinsky era, desde 2004, presidente do Júri do PortoCartoon, recebendo o título de cidadão honorário do Porto – Capital do Cartoon e tendo acabado de inaugurar a Casa do Cartunista no ano de 2014. Wolinsky ficará para sempre como Presidente Honorário do PortoCartoon.
O Entendimento Mundial foi o tema do XVIII PortoCartoon em 2016 e novamente eu estava entre os selecionados, com uma caricatura de Charles Chaplin e uma de Sara Sampaio, a top-model portuguesa.
Já para 2017, o tema proposto foi Turismo e os homenageados para serem caricaturados foram Pablo Picasso, visto que a obra emblemática, Guernica, está completando 80 anos de sua criação, além do português António Guterres, Secretário-Geral da ONU, que tem pela frente uma difícil missão num mundo em guerra.
Meu Picasso foi selecionado e o Picasso de Dálcio levou o grande prêmio da caricatura.
E o que fomos fazer em Porto? TURISMO, pois! Por uma dessas coincidências, eu e vários amigos conseguimos nos reunir em Porto no dia da cerimônia de premiação e abertura do PortoCartoon. Muitos estavam a turismo, outros pelo tema Turismo.
Sequência de fatos da tarde de 23 de junho de 2017:
São 14:53hs, a cerimônia começa às 15 horas. Estamos chegando ao Museu da Imprensa, de táxi. Logo à nossa frente, outro táxi está parando, dois rapazes descem apressados e esbaforidos, correndo em direção à porta do Museu, de lá correm para outro lugar e depois voltam para a porta e somem. Nós os seguimos e os encontramos já dentro do espaço do museu reservado para a cerimônia. E assim, a comitiva do Brasil se encontra, eu e meu marido Milton, a cartunista Rosana Amorim e o marido Fernando, a artista Nale Simionatto e o marido Roberto e os queridos Assad e Cesar, cunhados de Dálcio, ainda cansados da correria para chegar a tempo.
O Museu Nacional da Imprensa é um museu único, onde se pode ver um dos maiores espólios tipográficos do mundo. São dezenas de máquinas que os visitantes podem manipular e se exercitar nas antigas artes da composição e impressão. Também lá se encontra a maior coleção de miniaturas tipográficas do mundo. Na Galeria de Exposições temporárias sucedem-se mostras ilustrativas da importância social, educativa e cultural da imprensa e das artes gráficas. Um deleite para os olhos e demais sentidos. Na Galeria Internacional do Cartoon e do PortoCartoon World Festival, o Cartoon constitui um dos eixos principais do museu. A Galeria fica aberta o ano todo e lá pode-se ver o melhor do cartoon internacional na exposição permanente “PortoCartoon – O Riso do Mundo”.
Agora já são 15:30hs, as pessoas conversam em voz baixa, sérias e sisudas, afinal trata-se de uma cerimônia. A comitiva brasileira, vez por outra, solta uma risada mais alta, mas comporta-se de modo geral. Os cartunistas premiados começam a chegar aos poucos. Logo chegam o Dálcio Machado e sua Luciene e nós, do grupo do Brasil, deixamos o recato de lado e fazemos uma pequena festa. Um comentário que ouvi conta que toda premiação de Dálcio, em Porto, é “barulhenta”.
A mesa oficial começa a se reunir, enfim. Sentam-se à mesa Luiz Humberto Marcos, diretor do Museu da Imprensa e do PortoCartoon, Bernard Bouton, presidente-geral da FECO – Federação Internacional de Organizações de Cartoon, António Ponte, diretor regional da Cultura Norte e Xaquin Marin, fundador do Museu de Humor de Fene, Espanha.
Perto das 16 horas a cerimônia começa, com discurso de Luiz Humberto Marcos, que destaca o forte impacto internacional dos temas propostos, os grandes artistas do humor que atenderam ao convite e a força do cartoon como ferramenta para mudar o mundo. Além disso, lembra ele que a alta qualidade dos trabalhos exigiu muito da organização, pela importância do humor como linguagem de intervenção social e que o PortoCartoon é um espaço de liberdade plena, sem filtros editoriais. Ainda, segundo suas palavras, de modo geral, os cartunistas associaram os tempos de guerra atuais ao tema Turismo e, na sua maioria, o trabalho desses artistas mostra uma linguagem ácida e até sádica. Porém, se alguns trabalhos podem ser considerados cruéis, eles nada mais fazem do que refletir o tempo atual, com destaque para a guerra e os refugiados da Síria.
Outros discursos e agradecimentos se seguem e chega a hora de anunciar os vencedores, os quais receberão, cada um, um troféu que representa a ponte dos cartões postais da cidade.
No tema principal, Turismo, os premiados são, em 1º o Belga Luc Vernimmen, em 2º o indonésio Jitet Kustana, que não pode estar presente por ser época do Ramadã, e em 3º o mexicano Angel Boligan. Destaco também as menções honrosas conquistadas pelos cartunistas brasileiros Ronaldo Cunha Dias e Silvano Mello.
No tema Caricatura sobre António Guterres, secretário-geral da ONU, levam os prêmios o português Antônio Santos Santiago em 1º lugar, o espanhol Turcios em 2º e o português Gargalo em 3º. Destaco as menções honrosas para os brasileiros Fabrício Brito, Luiz Carlos Fernandes, além da portuguesa Cristiana Rodrigues, uma das poucas mulheres premiadas e que estava presente à cerimônia.
A categoria Caricatura sobre Picasso elevou o nível da arte da caricatura, com ênfase para a força da obra Guernica, pintada pelo artista em Paris, em 1937, logo após o bombardeio à vila catalã homônima, pelos alemães, crime requisitado pelo ditador espanhol Franco. Fez-se aqui, pelos cartunistas, um paralelo com o terror e a destruição intolerante da época atual, com a criação de metáforas caricaturais por muitos artistas.
Os premiados são: 1 º lugar, Dalcio Machado, do Brasil, nosso ídolo do traço, que consegue criar verdadeiras poesias visuais com suas charges. Agora a comitiva brasileira presente deixa o recato, a alegria extravasa com aplausos, “uhus” e gritos, Dálcio faz um discurso emocionado, recebe os prêmios e senta-se ainda ovacionado. O 2º prêmio vai para Ivailo Tsvetkov, da Bulgária e o 3° para o espanhol Turcios.
Após a premiação dá-se a abertura da mostra e é lá que eu dou asas ao ser tiete que existe em mim. Sou apresentada aos ídolos do cartoon, Angel Boligan, Turcios, Santiago, entre tantos outros.
Encontro minha caricatura do Picasso, lindamente pendurada entre os melhores do mundo. Encontro também a caricatura feita pelo grande amigo e artista Robinson José da Silva e posamos ao lado desse trabalho, eu, a Nale Simionatto e a Rosana Amorim, de modo que ele receba quase ao vivo, por whatsapp, notícias tão difíceis de conseguir. Cesar Ferreira fez também uma transmissão ao vivo da abertura, que foi sucesso entre os colegas de traço que estavam no Brasil. É o que queremos, compartilhar a alegria e a emoção desse momento, aproximando os mundos. Por mais uma hora caminho entre cartuns, caricaturas e converso com cartunistas.
Após a cerimônia, seguimos para a famosa Festa de São João do Porto, na Ribeira, uma festa alegre, com as sardinhas na brasa e os martelinhos de plástico. À meia-noite vemos o espetáculo dos fogos de artifício e depois caminhamos até o hotel. São uns cinco quilômetros de subida, em ruas apinhadas de gente fluindo de todas as direções. Como o trânsito de veículos estava interditado, não conseguimos voltar de táxi. E assim finda-se o dia 23 de junho de 2017.
No entanto, vale ressaltar que a cerimônia de premiação e abertura da mostra é apenas um dos eventos do PortoCartoon. O programa oficial é muito mais extenso e intenso. Já no dia anterior, 22 de junho, deu-se a Inauguração da Exposição Integrada do 43º Salão Internacional de Humor de Piracicaba, no Centro Comercial Via Catarina, no Porto. Em seguida, às 21:30, a Inauguração da mostra do Tema Livre do PortoCartoon na Casa Branca de Gramido, Gondomar.
No próprio dia 23, às 11 horas, foi inaugurada a Rua do PortoCartoon, na rua Miguel Bombarda.
No dia 24, sábado, pela manhã, deu-se o descerramento da escultura do Grande Prêmio do PortoCartoon 2017, no Passeio dos Clérigos. Todo ano é feita uma escultura em homenagem ao 1º prêmio do tema principal, de modo que se encontram espalhadas esculturas de humor por vários pontos de Porto. Às 15 horas, caricaturistas se reúnem na Estação São Bento e, durante 3 horas, dá-se a Festa da Caricatura, onde as pessoas que passam pela estação são apresentadas aos artistas e podem ter suas caricaturas feitas pelos melhores do mundo.
O festival só termina no domingo, dia 25, com a programação de mais uma Festa da Caricatura e mais à noite, uma apresentação de Humor Turco, por Emrah Arikan, que recebeu o prêmio público em 2016.
O acervo da mostra principal ainda continua sendo exibido em várias ocasiões, como aconteceu recentemente, quando da inauguração do Aeroporto Cristiano Ronaldo, da Ilha de Madeira. PortoCartoon levou a mostra de caricaturas, de 2015, para esse aeroporto. Além dos originais, foram também impressos em banners, o que me trouxe a grande e agradável surpresa de ver a foto do próprio CR7 parado no saguão do aeroporto, durante o discurso da inauguração e, logo acima dele, estava um banner com a caricatura que eu havia feito.
Essas “surpresas” são bacanas, mas trazem à tona um certo problema e eu volto rapidamente ao assunto “informações”. PortoCartoon é um Salão de Humor excepcional, mas a organização deixa a desejar quando se trata de comunicação com os cartunistas. Os responsáveis pela organização não respondem e-mails e demoram para divulgar os selecionados, enfim, causam grande ansiedade ao artista que busca informações simples e que poderiam ser respondidas prontamente. Um caso merece destaque, por se tratar de algo que considero grave, o do artista Robinson José da Silva, que, em 2016, enviou uma escultura-caricatura de Charlie Chaplin. Aparentemente, a escultura ficou parada na alfândega de Portugal, mas acabou por ser retirada e não se soube mais dela. O nome do artista não estava entre os selecionados daquele ano e ninguém soube responder sobre o caso. Levantamos a questão até com a diretoria do evento quando estivemos lá, mas nada! Ninguém sabia dizer o que aconteceu.
Pois bem, voltando para o Brasil, estávamos reunidos eu, Rosana Amorim, Robinson e o mestre da arte Paulo Branco. Eu estava mostrando o catálogo com a minha caricatura do Chaplin e enquanto folheávamos as páginas, Paulo Branco notou que uma das obras era muito parecida com a escultura desaparecida. Olhamos com mais atenção e lá estava, na página 17, a escultura Chaplin, do Robinson, com foto e nome do artista, todos os créditos dados. A obra tinha chegado a tempo, havia sido selecionada pelos jurados, estava na mostra de 2016, mas só soubemos disso porque eu tinha o catálogo. Nem preciso falar da mistura de emoções que se seguiu. Por um lado, a alegria de saber o paradeiro da obra e da seleção para o XVIII PortoCartoon, mas por outro, a sensação de frustração e desrespeito com o artista, que somente um ano e meio depois soube do paradeiro de seu trabalho. É uma falha que precisa ser corrigida por respeito aos cartunistas que todo ano se esforçam para mandar trabalhos de tamanha qualidade e fazem do PortoCartoon um dos maiores eventos de humor gráfico do mundo.
Nesse ponto, gostaria de fazer um elogio ao nosso Salão de Humor de Piracicaba que é muito mais confortável, onde a organização é atenciosa com todos os cartunistas, como deve ser, respondendo prontamente dúvidas e críticas, fazendo o possível e o impossível para manter o alto nível do Salão.
Mas essa é a vida do cartunista, do artista, logo as decepções desaparecem e voltamos a criar, com excelência, obras com os temas que serão propostos para o XX PortoCartoon, em 2018, já sabendo como é, mas não aceitando e querendo que mude.
Enfim, tudo é festa e é muito bom estar em Salões de Humor, compartilhar paredes com os ídolos do traço, que nos inspiram a exigir de nós mesmos uma qualidade cada vez maior na ideia e na execução dos trabalhos e cada vez mais batalhar para conquistar um prêmio.
Estar em Porto foi muito bom, saí de lá com meus troféus, os três catálogos merecidos, por estar entre os selecionados para esse grande Salão de Humor que é o PortoCartoon, por três anos consecutivos.