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Espetáculo com várias linguagens artísticas revive com poesia enchente em Campinas
Casal de atores revive drama pessoal, com arte e magia (Foto Arthur Amaral/Divulgação)

Espetáculo com várias linguagens artísticas revive com poesia enchente em Campinas

Há um dito popular que apregoa: “Se receber um limão da vida, faça dele uma limonada…”. Por sinal, foi justamente isso que a dupla de atores Marcos Becker e Marília Ennes, integrantes da premiada ParaladosanjoS, fez após a enchente protagonizada pelo casal há 12 anos, em Campinas. Transformaram o sabor cítrico da tragédia de perder um lar pelas águas em um espetáculo híbrido em que arte, humor e amor navegam na mesma sintonia. A temporada de pré-estreia de Molhados&Secos será realizada entre quinta, 15 de outubro, e sábado, 17, às 20h30, no Centro Cultural Casarão, em Barão Geraldo. A entrada é franca. Entre os quatro encenadores, Idit Herman, de Israel.

Trata-se de um espetáculo performático, pautado pelo encontro de diferentes linguagens artísticas em busca de uma dramaturgia compartilhada e vivaz, proposta pela criação conjunta entre atores e encenadores. O projeto ainda prevê ações de formação e reflexão, como workshops e mesas de debate. Além da estreia, abrigada em Campinas, Molhados&Secos passará por Santos, Cubatão, Registro, São José dos Campos e São Paulo. Detalhe: o projeto foi contemplado pelo edital 2014/2015 do ProAC (Programa de Ação Cultural), na categoria Artes Integradas.

A ideia nasceu molhada em detalhes, seca pela aridez das situações. “Em 2003, a cidade de Campinas passou por uma tragédia ocasionada por uma grande enchente, quando morreram várias pessoas. Nós dois também fomos afetados pela água. Desde aquela época, vínhamos alimentando a ideia de criar um espetáculo em que um casal sofreria com a enchente. Mas, ao invés de irem embora, eles suspendiam tudo da casa onde moravam e passavam a viver naquele espaço todo alagado”, conta a atriz Marília Ennes. Em 2015, ao contemplar a crise hídrica no Estado impulsionada pela escassez da água, o duo ParaladosanjoS resolveu acrescentar um novo elemento à narrativa: o seco.

Para organizar a justa dosagem entre fatos reais e elementos fantásticos dos episódios, tanto os secos quanto os molhados, o duo ParaladosanjoS convidou quatro diretores de diversas formações e linguagens para a cena híbrida. Trata-se do quarteto Fernando Villar (UNB/Brasília), Raquel Scotti Hirson (LumeTeatro/Campinas), Mônica Alla (Grupo Ares/SP) e Idit Herman (Clipa Center of Performance Art/Israel). A partir do tema, cada diretor, apropriando-se de sua estética de trabalho e investigação, manteve-se livre para a criação de uma cena em conjunto com a dupla de atores.

“O porquê das escolhas? Durante a trajetória de 14 anos da ParaladosanjoS, esses diretores tiveram presentes em nossa história. A Idit Herman, que já trabalhou com o grupo em espetáculos anteriores, trará um pouco da vivência de seca de quando tivemos em intercâmbio, em Israel, a partir do teatro visual. Da mesma forma, a investigação do nosso teatro físico vem do contato que tivemos com o Lume Teatro. Por isso, a Raquel. Seguimos ainda com o olhar da Mônica sobre as danças verticais e, após um grande desejo de trabalharmos juntos, temos o Fernando Villar, que também ficará responsável pelo ‘dramaturgismo’ do espetáculo”, destaca o ator Marcos Becker.

A partir dessa realidade transversal de criação, Molhados&Secos vem ao encontro da pluralidade de linguagens artísticas, que busca um diálogo uníssono ou, no outro extremo, propõe embates fervorosos ao longo da narrativa. Por sinal, esse encontro das artes se tornou a marca da ParaladosanjoS desde a fundação da trupe. Sendo assim, o circo, a dança-teatro, o teatro físico, a música (trilha original), o teatro visual, a performance, o design e as projeções disputarão os olhares ávidos da plateia. “Não há uma história com começo, meio e fim. Apesar das cenas estarem divididas em blocos, enxergamos uma mistura muito grande dos trabalhos, o que justifica justamente as artes integradas. As fronteiras entre as linguagens estão, cada vez mais, se esfumaçando”.

As cenas

A fim de apaziguar a curiosidade do espectador, o duo comenta um pouco sobre o cerne de cada cena. A primeira, sob a direção de Mônica Alla, propõe o encontro alegórico entre uma deusa e o último sobrevivente da tragédia, que segue com a projeção de imagens reais dos atores em uma ponte devastada pela enchente de Campinas. A partir desse ponto, “buscamos na próxima cena, sob o olhar da Raquel Scotti Hirson, trabalhar a mímesis corpórea a partir de histórias reais de sobreviventes da tragédia, que também contam com a inspiração de Vidas Secas, de Graciliano Ramos”, pontua Marília.

Um passo para trás. Dessa forma, pode ser resumido o núcleo dirigido por Fernando Villar. Até porque o diretor conduz o espectador a se reencontrar com o duo ParaladosanjoS desde a infância de cada protagonista, o momento do encontro entre os dois e a vivência da tragédia. Em sintonia, “a Idit Herman propõe a reconstrução física de nosso trauma”, destaca Marcos. Incrustado entre um momento e outro, a plateia se delicia com os bons ares vindos de um símbolo intrigante: um ventilador. “Esse objeto, que faz parte do desfecho do espetáculo, foi a única coisa que conseguimos salvar de dentro de nossa casa devastada”.

Entre um e outro? Marcos, prefere o seco. Marília, o molhado. No mergulho da secura de um ou na aridez molhada do outro, o espetáculo conduz a plateia a brincar de desvendar as verdades e os mitos dentro de cada passagem. Além, é claro, de lançar olhar apurado sobre os momentos íntimos de secura ou umidade de cada espectador. “Essa relação antagônica está impressa nas relações das pessoas, em nosso olhar sobre o social, nos sentimentos de cada um e na própria contradição das pessoas. Viver em realidades tão extremas, como no seco ou no molhado, pode simbolizar o grande conflito da vida”.

Formação e reflexão

Além da apresentação do espetáculo, o projeto Molhados&Secos contempla a reflexão sobre a cena e a formação artística. Para tanto, durante as temporadas, a plateia poderá participar de quatro workshops: Performance e Design para a Cena (Idit Herman/Isarel), Dramaturgia Híbridas (Fernando Villar/Brasília), Mímesis Corpórea (Raquel Scotti Hirson/Campinas) e Danças Verticais (Mônica Alla/São Paulo), bem como de uma mesa de debates com os encenadores e os atores da ParaladosanjoS. “Trata-se de um projeto que prevê mais o processo do que o próprio resultado. Por isso, ele tem muitas ações voltadas à formação e à disseminação de saberes”, destaca Marcos.

Espetáculo promove diálogo de várias linguagens artísticas (Foto Arthur Amaral/Divulgação)

Espetáculo promove diálogo de várias linguagens artísticas (Foto Arthur Amaral/Divulgação)

Fragmentos dos encenadores

“Molhados&Secos é prazer de criar em intensidade e mergulhada em um estado de criação muito atual, no qual as artes se atam e desatam sem demarcação de território. Teatro, circo, dança e cinema bailam no mesmo salão decorado com objetos, indumentárias e iluminação que suportam seus passos, movimentam sua coreografia e iluminam seus voos. Intercâmbio natural tanto quanto natural é a crueza da constatação física de que algo mudou e que os extremos áridos e molhados são também atuais e não distinguem territórios de pobreza e riqueza, amor e ódio, bondade e crueldade. Todos no tudo da arte e da vida”.

Raquel Scotti Hirson (Lume Teatro/Campinas)

“Em Molhados&Secos, destaco a linguagem híbrida que o projeto possui, pois somos quatro diretores com diferentes linguagens, estímulos e provocações, gerando materiais inusitados que se identificam no conceito e se diferenciam na linguagem. Trata-se de um projeto autobiográfico, uma mistura de realidade e ficção, único e inovador, que conta com as experiências de um casal que passou por uma enchente e sofre com as catástrofes da natureza. A primeira célula desse projeto surgiu há uns 10 anos. O tempo passou e as ideias se transformaram, fazendo esse projeto ser especial pela proposta irreverente de diretores com linguagens diferentes que se unem para contar as aventuras e as desventuras desse casal contemporâneo”.

Mônica Alla (Grupo Ares/SP)

“O afeto afeta, no seco ou no molhado de nossas existências. No palco e no tempo e espaço de Molhados&Secos, vemos a dupla Becker e Ennes se embrenhar por teatro, dança, circo e performance ou pela combinação das linguagens integradas para propor um retrato multifacetado de uma vivência ímpar de um acidente enorme que marcou ou traumatizou famílias campineiras e que mostra a delicadeza de nossas vidas, bem como as possibilidades de reabilitação, transformação, resiliência e força ante as fragilidades de nós humanos e as fortes exigências que a vida pode nos impor. Nas voltas que a vida dá, o grupo de artistas envolvidos alinham-se ou aliam-se na intensa troca e no intercâmbio estético e ético para tentar dividir com o respeitável público uma intensificação de nossos sentidos que só a arte pode nos dar. Molhados&Secos celebra a capacidade humana de se reerguer após o desastre ou de enfrentar as adversidades com arte, humor e amor”

Fernando Villar (UNB/Brasília)

Programação Completa (Temporada de Campinas)

Espetáculo Molhados&Secos De quinta (15) a sábado (17), às 20h30, no Centro Cultural Casarão (Rua Maria Ribeiro Sampaio Reginato, s/n, Terras do Barão, em Barão Geraldo). Ingressos no chapéu.

Workshop “Performance e Design para Cena”, com Idit Herman (Clipa Center of Performance Art/Israel) De quinta-feira (15) a sábado (17), das 9h às 13h, no Departamento de Artes Cênicas da UNICAMP (Rua Pitágoras, 500, na Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, em Barão Geraldo). Inscrições gratuitas: (19) 3521-2444.

Workshop “Dramaturgias Híbridas”, com Fernando Villar (UNB/Brasília) Sexta-feira (16), das 14h30 às 19h; sábado (17), das 16h às 19h30; e domingo (18), das 9h às 13h, no Departamento de Artes Cênicas da UNICAMP (Rua Pitágoras, 500, na Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, em Barão Geraldo). Inscrições gratuitas: (19) 3521-2444.

Workshop “Danças Verticais”, com Mônica Alla (Grupo Ares/SP) De quinta-feira (15) a sábado (17), das 9h às 13h, no Departamento de Artes Cênicas da UNICAMP (Rua Pitágoras, 500, na Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, em Barão Geraldo). Inscrições gratuitas: (19) 3521-2444.

Workshop “Mímesis Corpórea”, com Raquel Scotti Hirson (Lume Teatro/Campinas) Sexta-feira (16), das 14h30 às 19h; sábado (17), das 16h às 19h30; e domingo (18), das 9h às 13h, no Departamento de Artes Cênicas da UNICAMP (Rua Pitágoras, 500, na Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, em Barão Geraldo). Inscrições gratuitas: (19) 3521-2444.

Mesa Redonda com os diretores do espetáculo Molhados&Secos (Monica Alla, Idit Herman, Fernando Villar e Raquel Scotti Hirson) e os atores Marcos Becker e Marília Ennes, sob a mediação do ator-pesquisador Renato Ferracini (LumeTeatro/Campinas) Sábado (17), das 14h às 16h, no Departamento de Artes Cênicas da UNICAMP (Rua Pitágoras, 500, na Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, em Barão Geraldo). Entrada franca.

 

 

 

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