Capa » Blog Cultura Viva » As abomináveis criaturas de Cascais
As abomináveis criaturas de Cascais
Drag queen (Foto Pixabay)

As abomináveis criaturas de Cascais

Por Eduardo Gregori
Cascais parece um refúgio em meio ao caos metropolitano que é Lisboa. À beira do mar e ao sabor da brisa que sopra do Atlântico, a cidade é como um perfeito (e caro) balneário. Às vezes suas ruazinhas lembram Paraty, com a diferença que tem praias, pequenas de águas muito geladas. Cascais é pra lá de charmosa, muitos cafés, lojinhas estilosas do tipo pega turista, bares e restaurantes com cardápios tão diversos quanto caros.
A cidade está na moda, principalmente no verão, quando suas praias ficam lotadas até o fim da tarde, lá pelas 9h da noite. Cool, tem até o seu próprio festival de jazz. Estive lá este mês para ouvir Bossa Nova brasileira com sotaque luso e para ver os Kraftwerk, minha banda eletrônica preferida desde adolescente.
Cascais também é uma babilônia, com bairros mais populares porém, mais escondidos e longe da faixa de areia. Na orla, edifícios envidraçados dividem espaço com mansões. Nos bairros mais chiques, casarios históricos, gigantescos e erguidos em pompa e circunstância. A cidade está tão no foco da especulação imobiliária que alugar um quarto sai mais caro que um apartamento inteiro na periferia de Lisboa.
Não é à toa que esse clima fancy atraia gente chique. Talvez, o ex-ditador português Salazar tenha começado esta história ao eleger Cascais como sua residência oficial de verão. Muitas décadas depois Cascais é lugar até de brasileiro famoso. Sua mais recente moradora é a atriz Luana Piovani, que em Portugal virou apresentadora de TV. Aliás, a bela tem causado furor por aqui.
Mas Cascais também é onde habitam umas figuras faladas por toda Lisboa. Elas podem ser jovens ou até senhorinhas com mais idade. Têm em comum quase um sotaque próprio, um jeito blasé de ser e estão sempre a ver tudo de cima para baixo, como se vivessem todas no Monte Estoril.
Normalmente são chatas e mesmo as que não têm dinheiro fingem ser donas de muitos euros. Afinal o que vale é a aparência. Nos supermercados são o terror dos atendentes. Nunca gostam de nada, acham que a qualidade dos produtos não está à sua altura e reclamam se não são atendidas com um tapete vermelho estendido à seus pés.
O mesmo acontece nos serviços públicos. Acham um absurdo terem que esperar nas filas e pior se na frente estiverem pessoas que não tenham o mesmo status social. Na saúde pública desmaiam se não são logo atendidas. Afinal, são seres frágeis, coitadas.
Elas até andam de transportes públicos, mas parece ser uma tortura. Outro dia, no trem para o Cais do Sodré, uma dessas criaturas sentou-se à minha frente. A feição em seu rosto era uma mistura de dor de barriga e nojo. Bolsinha no colo, leque para espantar o mal cheiro dos menos abastados e um par de óculos escuros para não ver o mundo real. Na volta, deve ter descido na estação de Cascais e tomado um táxi até em casa. Afinal, é preciso chegar de carro e nunca de ônibus. O que os vizinhos pensariam?
Vocês devem estar pensando que figuras são essas. Eu ouvi muito sobre elas e até achei que fossem mitológicas até cruzar com algumas pela cidade. As famosas Tias de Cascais viraram folclore. Tanto, que se você encontrar alguém que não viva em Cascais e seja metido, a maneira mais certa é chamar a pobre pessoa com a tal cunha.

Sobre Eduardo Gregori

Eduardo Gregori é jornalista formado pela Pontifícia Católica de Campinas. Nasceu em Belo Horizonte e por 30 anos viveu em Campinas, onde trabalhou na Rede Anhanguera de Comunicação. Atualmente é editor do blog de viagens Eu Por Aí (www.euporai.com.br) e vive em Portugal