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Violência, cultura, política: mulheres de Campinas apontam os grandes desafios atuais no Brasil
Dia Internacional da Mulher, por Synnöve Hilkner

Violência, cultura, política: mulheres de Campinas apontam os grandes desafios atuais no Brasil

Barrar o feminicídio, superar o patriarcado que resiste em todas as instâncias, lutar sistematicamente por direitos iguais, vencer os ataques diários nas áreas da cultura e da política. Mulheres de Campinas, protagonistas em vários segmentos, apontaram para a Agência Social de Notícias os grandes desafios para a questão feminina hoje no Brasil. Ideias que compõem um panorama diversificado, por ocasião do Dia Internacional da Mulher, lembrado a 8 de março. Abaixo as opiniões:

Ligia Testa: vivemos em um mundo que não nos pertence (Foto Martinho Caires)

Ligia Testa: vivemos em um mundo que não nos pertence (Foto Martinho Caires)

Ligia Testa, produtora cultural, responsável por várias exposições, como a que apresentou pela primeira vez para o público de Campinas e região a arte revolucionária de Doris Homann (1898-1974), entre agosto e setembro de 2019: “Dia da Mulher, a espécie que habita o mundo que não lhe pertence! Há alguns anos, me constrangia ter o dia da mulher, incomodavam-me os cumprimentos efusivos, especialmente quando trabalhava em uma empresa grande, fortemente dominada por homens, na qual poucas mulheres ocupavam cargos gerenciais. Vivenciei e vi acontecer todo tipo de assédio enquanto nós, mulheres, éramos homenageadas pelos homens, no 8 de março. Achava que a inexistência deste dia seria melhor para dirimir as diferenças. Atualmente penso o contrário, pois tomei consciência da desigualdade de direitos entre homens e mulheres. Em minha opinião, vivemos em um mundo que não nos pertence, ou seja, somos uma espécie sem o próprio mundo, habitamos o mundo dos homens: é só observar as estatísticas. Ainda, a maioria das mulheres desconhece o que é feminismo e a falta de sororidade é gritante. Assim, nunca foi tão necessário ter um dia para esta ‘minoria’, que representa mais da metade da população mundial”.

Maria Cecilia de Campos: enfrentar o machismo no dia a dia (Foto Divulgação)

Maria Cecilia de Campos: enfrentar o machismo no dia a dia (Foto Divulgação)

Maria Cecilia Pires de Campos, economista pela Unicamp, com especialização em Gestão da Sustentabilidade e Responsabilidade Social Corporativa (Unicamp) e Comunicação Organizacional (PUC-Campinas), assessora em Ciência, Tecnologia e Inovação na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Social e de Turismo da Prefeitura de Campinas: “Ser mulher hoje no Brasil é um grande desafio. É ter garra e autonomia para enfrentar e trilhar seu caminho a partir de suas escolhas, desafiando os preconceitos em relação à aparência, aos rótulos e aos comportamentos esperados de uma mulher por uma sociedade que ainda é muito patriarcal. É enfrentar o machismo no dia a dia disfarçado de pequenos boicotes e sutilezas no ambiente de trabalho, mas que fica estampado nitidamente nas fotos dos cargos de liderança, onde ainda se veem pouquíssimas mulheres, tanto nas empresas, como na política. Acredito que a educação, a cultura e o estímulo ao empreendedorismo feminino sejam os melhores caminhos para a igualdade e o aumento da participação feminina”.

As idealizadoras da Feira SUB, Fabiana e Marcela Pacola (Foto Martinho Caires)

As idealizadoras da Feira SUB, Fabiana e Marcela Pacola (Foto Martinho Caires)

Fabiana Pacola, jornalista e designer gráfica, idealizadora e organizadora, com a irmã Marcela, da Feira SUB de Arte Impressa e Publicações Independentes: “A arte e a Cultura são caminhos potentes para expressões da vida. Quanto mais espaços e eventos heterogêneos de arte existirem e acontecerem, mais vozes serão ouvidas. Na última edição da Feira SUB de arte impressa e publicações independentes que acontece anualmente em Campinas, mais da metade dos 90 expositores eram artistas mulheres. Trouxeram trabalhos incríveis, fortes, de uma sensibilidade extrema a respeito de assuntos ainda necessários nos dias de hoje sobre o universo feminino: violência, preconceito e discriminação. Esses temas reverberam e despertam tanto a sororidade como também, muitas vezes, a repulsa por uma verdade tão crua. Não está combinando mais, não está cabendo mais na contemporaneidade de um mundo tão ampliado em conexões, simultaneidade, velocidade e trocas, ainda termos que batalhar por mesmas condições de existência entre os gêneros. Penso que só sairemos engrandecidos de fato quando um laço de respeito for estabelecido. É condição básica, imprescindível e fundamental para que a sociedade se transforme e avance. Enquanto isso não acontece, seguimos propagando aos quatro cantos essas vozes quantas vezes forem necessárias”.

Synnöve Hilkner, o troféu do Prêmio no Salão Internacional de Humor de Piracicaba e a escultura de Maria Bethânia (Foto José Pedro S.Martins)

Synnöve Hilkner, o troféu do Prêmio no Salão Internacional de Humor de Piracicaba e a escultura de Maria Bethânia (Foto José Pedro S.Martins)

Synnöve Hilkner, artista plástica e cartunista, participa dos principais eventos da área, ganhou o Salão Internacional de Humor de Piracicaba de 2019 em Escultura: “Por incrível que pareça, um dos principais desafio das mulheres, hoje, no Brasil, é sobreviver, é conseguir ser a “Nenhuma a Menos”, denunciar o tal “#MeToo”. É um absurdo, né? O Brasil está em 5º lugar, no ranking mundial, de violência contra a mulher; o número de feminicídios, apesar da modernidade, não parece dar sinais de diminuir. As notícias sangram dos jornais todos os dias. Na luta cotidiana, por direitos iguais, por salários mais justos, por cargos de competência e por reconhecimento, a mulher, ainda precisa conseguir andar tranquila na rua. Todo mundo está sujeito a sofrer assalto e violência, claro, mas toda mulher, em qualquer idade, sofre assédio. São olhares lascivos, palavras indecorosas, apalpadas descuidadas e muito mais. É claro que a grande maioria dos homens não se comporta assim, mas o fato é que até minha neta de 10 anos e minha vó, de 90, tem histórias para contar, ou não, às vezes,  preferem ignorar e, é por não contarem, que os homens se surpreendem e consideram vitimismo quando a mulher pede respeito, apenas respeito”.

Marcela Moreira: ser mulher, negra, lésbica, bissexual, travesti ou transgênera é correr o risco de ser assassinada (Foto Divulgação)

Marcela Moreira: ser mulher, negra, lésbica, bissexual, travesti ou transgênera é correr o risco de ser assassinada (Foto Divulgação)

Marcela Moreira, socióloga, professora, ex-vereadora em Campinas, há anos trabalha com movimentos sociais na periferia, no setor educacional e pelos direitos humanos: “8 de Março é Dia Internacional de Luta das Mulheres. Será que temos o que comemorar? O Brasil é o 5ª país que mais mata mulheres no mundo, com 13 mulheres assassinadas, vítimas de feminicídio. Sofremos o medo cotidiano de sermos assediadas e estupradas, temos o maior abismo salarial entre mulheres e homens, temos um atendimento pré-natal precário, alta taxa de mortalidade materna, falta creche integral e gratuita, direito das crianças, mas também das mulheres mães. Somos julgadas por nossa aparência e nossa vida pessoal. Recai sobre nós, todas as responsabilidades do trabalho doméstico – o cuidado da limpeza da casa, da saúde e educação dos filhos e de toda família. A mulher sempre é a última a ir dormir e a primeira a acordar. O trabalho nunca acaba. Ele é infinito, invisível e nunca valorizado. Pior, as mulheres são as que mais perdem com os governos atuais. Com a Reforma da Previdência – que aumenta e dificulta o direito à aposentadoria; diminuição de investimentos na Educação e Saúde Pública para os próximos 20 anos com a PEC do Teto dos Gastos; os ataques nas áreas de Educação, Ciência e Tecnologia, da Cultura, das Universidades Públicas, enfim, das áreas que formam cidadãos capazes de resistir ao avanço do conservadorismo e fundamentalismo religioso. Ser mulher, negra, lésbica, bissexual, travesti ou transgênera é correr o risco de ser assassinada pelo simples fato de sermos o que somos. Eu tenho certeza que qualquer mulher trocaria todas as flores, homenagens bombons que vão ganhar no dia 08 de março, por respeito, dignidade e igualdade nos outros 364 dias do ano. Não é mesmo? Por isso convido você para participar conosco no ato das mulheres no sábado, às 9h, no Largo do Rosário. No domingo será na Av. Paulista. Por Democracia e Direitos, contra o Governo Bolsonaro e por Justiça por Marielle. E se você quiser aproveitar o mês de março para organizar uma roda de conversa entre mulheres na sua comunidade, igreja, escola, faculdade, entre em contato comigo!”

 

 

Sobre ASN

Organização sediada em Campinas (SP) de notícias, interpretação e reflexão sobre temas contemporâneos, com foco na defesa dos direitos de cidadania e valorização da qualidade de vida.