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LISBOICES: Desejos de Verão – Parte II
(Imagem Pixabay)

LISBOICES: Desejos de Verão – Parte II

Por Eduardo Gregori

Sou rato de praia, confesso, mas desconhecia um adereço que é usado com bastante frequência na orla portuguesa: o corta-vento. Não sei se existe no Brasil, mas aqui é uma ferramenta quase que obrigatória para quem vai, principalmente nas praias da Costa de Caparica. Há muito vento por aqui. Não é à toa que a Praia da Bela Vista é a preferia dos surfistas que praticam kite surf. Nos dias de vento ou você usa ou come muita areia.  O corta-vento, além de proteger, dá uma certa privacidade. Se você está nu e não quer se expor tanto, ele ajuda a deixar alguns olhos fora do alcance.
Estou sentado na areia com um amigo do Brasil e vemos um casal se instalar a uns vinte metros de nós. Armam toda a parafernália de praia, sombrinha, que aqui é chapéu de sol, toalhas imensas, aqui conhecidas como Saigon e o corta-vento. Já não os vemos mais, protegidos pelo aparato. O dia estava lindo, aproveitamos a água e entre um bate-papo e outro na areia, percebemos um homem que andava pela praia e sempre ia na direção do casal e voltava para seu lugar. Aquela cena talvez passasse desapercebida, afinal andar na praia é algo bem comum.
Mas nesse vai-vem, o homem pareceu-me, pelo menos ao longe, estar excitado. Viramos os dois, eu e meu amigo para ver a cena e claro, divagar sobre o que poderia estar acontecendo, afinal estava ali um casal e imagino se o marido visse um homem excitado perto de sua esposa, alguma confusão daria. E ficamos à espera de um barraco e nada.
O homem passa por nós outra vez e se instala com o casal sob a proteção do corta-vento. Imaginamos que então estava formado um trio. Para nossa frustração não conseguimos ver e nem ouvir nada. O bom disso é que nos rendeu muitas hipóteses e rimos divertidamente ao longo do dia a pensar sobre o que havia ocorrido.
O homem foi-se de vez e tudo voltou a ser como antes. Já no fim de tarde levantamos acampamento e nos despedimos do belo dia de praia. Estamos no estacionamento guardando nossos apetrechos quando o casal aparece e abre o porta-malas do carro, que está bem próximo do meu.
Não paro de pensar em aborda-los para saber o que se passou atrás do corta-vento. É um casal de meia-idade, aparentando quarenta e poucos anos, ambos os dois bonitos e me parecem simpáticos. Não resisto, me aproximo e me dirigi à eles: boa tarde!
Surpresos, respondem em inglês e se desculpam por não falar português. Então tento engatar uma conversa, pergunto se estão gostando de Lisboa, mesmo em tempo de pandemia e o que acharam da praia. Dou uma deixa para ver se entram no assunto.
Eles me dizem que adoraram a praia, principalmente pela liberdade de poderem estar nus sem ninguém ficar julgando o físico do outro. Dou um sorrisinho maroto e digo: “Podemos ficar nus e mais alguma coisa”. Soltam uma gargalhada e meu dia está ganho. Tento dizer com máxima polidez que não pude deixar de notar o que se passou com eles e a resposta é na lata: No problem!
Erika e Jonathan são casados há 20 anos, se conheceram em Liverpool ainda na adolescência e desde então formam um casal. Tem dois filhos e vivem em Manchester, norte da Inglaterra. Erika me conta que no Reino Unido sexo ainda é um tabu e a sociedade vê o sexo fora do casamento como algo muito sujo, principalmente para as mulheres.
Ela me diz que nascer em uma família inglesa tradicional é não perguntar aos pais o que é desejo, sexo ou se auto-conhecer sexualmente na adolescência. Erika disse que nunca conversou sobre estes assuntos com sua mãe e muito menos na escola. “Quando casei com Jonathan eu era praticamente uma ignorante no assunto sexo”, lembra. E foi com ele que aprendi tudo.
Fico surpreso com a franqueza da mulher e tento imaginar porque ela está dando esta volta imensa para me contar apenas o que havia ocorrido horas atrás na areia. Os ingleses são muito fechados então penso que é uma forma de verbalizar, algo que eles não fazem com frequência.
Erika finalmente me conta que o homem da praia lhe chamou atenção e foi ela que atirou olhares para ele.  “Ele passou por nós uma vez e eu o achei interessante e disse ao meu marido que gostaria de te-lo conosco”. Pergunto como uma jovem tão inexperiente se transformara em uma mulher tão decidida sexualmente e com a aprovação do marido.  “Jonathan cresceu na Espanha e ele sempre foi muito aberto a estas questões. Depois de dez anos de casados a minha vida sexual com meu marido já era incrível. Foi aí que ele me pediu de aniversário de casamento que pudéssemos experimentar ter outra mulher conosco. Eu fiquei com medo, sei lá dele se apaixonar por ela, mas também tinha curiosidade. E foi muito bom”, lembra.
Erika diz que adora países da América do Sul e da Peninsula Ibéria, pois as pessoas parecem mais livres, pelo menos sexualmente falando. “Fomo ao Brasil há uns cinco anos e tenho muita saudade do calor e das pessoas sempre muito alegres”, conta ao saber que sou brasileiro.
Já havia comido todas as unhas para que Erika chegasse ao desfecho da história mas dei-lhe tempo para contar tudo o que desejava colocar para fora. E ela continua : “Hoje completamos 20 anos de casados e eu disse que queria de presente outro parceiro. Jonathan achou justo. Foi quando vi o rapaz passar por nós e disse que poderia ser ele”, revela.
Jonathan conta que não houve muita conversa. “Ele chegou, deitou-se no meio de nós e já foi beijando a Érika. Confesso que esquecemos um pouco que estávamos em uma praia e deixei a coisa fluir solta”, diz com um sorriso bem maroto. Erika termina a história dizendo que “namorou” seus dois homens juntos e separados e realizou seu desejo e agradeceu ao marido por seu presente de casamento.
“Somos felizes assim. Acho que, quando você permite que seu companheiro realize seus desejos a relação fica ainda mais forte, mais íntima. Não existe traição quando tudo está em cima da mesa. Acho que somos muito, muito fiéis um ao outro”. Eu poderia sentar-me com eles na mesa de um bar e passar horas, mas eles se despedem, me dizem que vão para o Algarve, a Meca dos ingleses em Portugal. Despeço-me, peço desculpas pela indiscrição e agradeço pela sinceridade.   A dupla despede-se animada, imagino eu planejando outras aventuras em terras lusas.

Sobre Eduardo Gregori

Eduardo Gregori é jornalista formado pela Pontifícia Católica de Campinas. Nasceu em Belo Horizonte e por 30 anos viveu em Campinas, onde trabalhou na Rede Anhanguera de Comunicação. Atualmente é editor do blog de viagens Eu Por Aí (www.euporai.com.br) e vive em Portugal