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O Vestido Colorido

O Vestido Colorido

Luz era uma velhinha que mantinha na vida a beleza colorida das suas rosas. Mulheres e homens paravam em frente à sua casa e ali ficavam bom tempo a observá-la.

Para que este quadro acontecesse, Luz passara por situações constrangedoras. Foi durante o período em que perdeu a memória. Nessa condição é que  viu desaparecer a igreja.

Das pessoas que passaram a observá-la, na maioria eram aquelas que a conheceram desses tempos de igreja. Ela as cumprimentava de longe.  A!!!, sim, e a Igreja que desapareceu foi a do Rosário.

Note a dimensão da encrenca – esqueceu-se do endereço da igreja em que chegava a dormir. Sim, a casa de Deus era visitada  por ela há 80 anos, uma eternidade para quem chegaria logo aos 100 anos com o  doce cheiro de suas rosas. E esquecer-se de onde ficava a igreja, pelo que se lembrava, foi o seu único ‘desastre’- pecado.

Assim a casa de Deus sumiu do mapa na hora errada. O neurônio da senhora de cinco filhos homens e duas  moças encantadoras, uma que sempre a seguiu em todos os lugares em que fosse, fez com que a filha seguidora a estranhasse.

Mãe e filha passaram a rodar pelo quarteirão, apenas pelo quarteirão, e não encontravam igreja nenhuma. Mas vejam só, ela decidiu investigar só no quarteirão de sua própria moradia. A filha olhava a teimosia. Só percorriam um único quarteirão à procura de uma igreja. Enfim a velhinha emperrou.

“Cadê o santuário, meu santo? E o templo sempre esteve logo ali!  Quem destruiu a igreja”?, ela se perguntava. Puxava aflita os cabelos que começavam a desaparecer. A memória de Luz foi pra cucuia.

A igreja continuava viva onde sempre esteve, ficava a três quadras da imaginação de Luz. Mas ela andava que andava à procura dela, e nada. Foi uma tremedeira da memória.

Assim foi a vida de Luz quando a igreja desapareceu. Como diria um filho mais bocudo, “a merda enfim fedeu”.

Luz começou a ficar careca quando percebeu que seu mundo agora restringia-se a cuidar das plantas. ”Sua cabeça estava ´capenga´, tristonha, à beira da morte”.

Isto aconteceu até o dia  em que decidiu cuidar de vez das rosas. Seria o melhor caminho. Com cautela passou a enxergar as rosas. Pôs como antes a mão nas flores, delicadamente. E gostou.

Cacalo_rosas

O tempo passou e Luz notou no espelho que seus cabelos ganharam uma vida diferente. Estavam com os brancos mais bonitos e com um leve vermelho a se espalhar nas pontas.

Um dia porém escolheu prestar atenção em algo nos prédios vizinhos que lhe chamava o olhar. Fez isto  com a pontinha dos olhos. E lá estava ela, a igreja que havia desaparecido e estava a três quadras de Luz.

O céu avermelhou-se. Que cor estranha? Pôs seu vestido mais belo. Quando passou pela praça notou a igreja com mais cuidado. Estava vermelha como as rosas. As pontas pareciam que sorriam.

Interessante!!!Seria uma rosa? Vermelha? Branca ? Rosa? Pouco importa.

Bem, é bom cuidar delas.

Depois é depois.

Sobre Cacalo Fernandes

Ser paulistano foi o início de uma história de quem certo dia decidiu ser um escrevinhador. Mas quando a calça deixou de ser curta, lá no início, ajudou a construir esse lado que um dia pareceu esquisito. E hoje acho que não poderia ser outro.