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Família FEAC de luto: Campinas se despede do Dr.Darcy Paz de Pádua
Dr.Darcy em frente à árvore que é símbolo da FEAC, no casarão da Fazenda Brandina (Foto Martinho Caires)

Família FEAC de luto: Campinas se despede do Dr.Darcy Paz de Pádua

Por José Pedro S.Martins

Faleceu nesta sexta-feira, 22 de julho de 2022, o advogado Darcy Paz de Pádua, um dos principais construtores da Fundação FEAC, a principal organização social de Campinas e que ainda representa um modelo único em sua área de atuação no Brasil. O Dr.Darcy, como é conhecido, esteve presente nos principais momentos da trajetória da FEAC, desde a sua fundação, a 14 de abril de 1964. Tive a honra de registrar essa trajetória nos dois livros que escrevi sobre a instituição: “Biografia de um pacto social: 40 anos de integração, apoio e solidariedade” (Editora Átomo, 2005) e “FEAC 50 anos: Uma história de inovação e solidariedade” (Arte Escrita, 2014). E também em “Vocação Solidária” (1998) e “Campinas, Vocação Solidária” (2004), ambos pela editora da Fundação Educar DPaschoal, parceira histórica da FEAC em múltiplas iniciativas.

Parceria, cooperação, sinergia. Palavras que tangenciam a história da FEAC e que sempre fizeram parte do vocabulário das pessoas que a edificaram, como o Dr.Darcy Paz de Pádua. Essa gramática orientou, por exemplo, os esforços do Conselho das Entidades de Campinas que, sob a liderança do advogado e engenheiro Dr.Eduardo de Barros Pimentel, foi o espaço das discussões iniciais que levariam à fundação da FEAC.

O Dr.Eduardo Pimentel era diretor da Bendix do Brasil, uma das várias empresas que se instalaram em Campinas e região nas décadas de 1950 e 1960. O paulistano Pimentel logo se integrou às ações sociais na cidade, como dirigente do Rotary Club Campinas-Norte. Nesta condição, e aproveitando a rede internacional de contatos do Rotary, ele fez uma pesquisa sobre modelos de atuação social em vários países, pois considerava que o formato de filantropia dominante em Campinas na época não respondia aos desafios de uma cidade em rápido crescimento.

Concluída a pesquisa, o Dr.Eduardo chegou a dois modelos implementados nos Estados Unidos, o Fundo Unido e a Caixa Comunitária, que na prática integravam os esforços de organizações atuantes em uma determinada comunidade e também mantinham um fundo único para dar suporte a projetos de intervenção social. Ele levou suas ideias a várias reuniões do Conselho das Entidades de Campinas e o movimento empolgou a cidade.

Neste processo o Dr.Eduardo Pimentel conhece o advogado Darcy Paz de Pádua. Ele havia sido dirigente do Partido Democrata Cristão, que buscava praticar a Doutrina Social da Igreja e tinha em seus quadros nomes como André Franco Montoro. Vinculado ao Lions Club, o Dr.Darcy também era professor da Faculdade de Serviço Social naquela que depois seria a PUC-Campinas.

Decidida a criação de uma organização que promovesse a aliança de esforços sociais em Campinas, os dois, Dr.Eduardo e Dr.Darcy, foram incumbidos de redigir os estatutos. Era início de 1964. Momento de enorme turbulência política no Brasil e com óbvia repercussão em Campinas. No dia 01 de abril, partia do Aeroporto de Viracopos o avião Coronado 990, da Varig, que iria ao Rio de Janeiro buscar o presidente deposto, João Goulart, que dali viajaria ao Rio Grande do Sul e de lá para o exílio. No dia 7 de abril, Campinas recebia a edição local da Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade, uma das frentes da mobilização ideológica que fundamentou o golpe militar.

Nenhum desses eventos, porém, abalou a determinação daquelas pessoas empenhadas em criar um modelo novo, único no Brasil, de ação social em Campinas. E no dia 14 de abril, na sede da Associação Comercial e Industrial de Campinas (ACIC), acontecia a criação oficial da FEAC. A ACIC presidida por Ruy Rodriguez, outro nome fundamental na história social local, sendo criador, por exemplo, da Guardinha.

A FEAC – Federação das Entidades Sociais de Campinas – nasceu umbilicalmente ligada a outra instituição, a Fundação Odila e Lafayette Álvaro, que havia sido criada pelo casal do mesmo nome em 1958. Entusiasmado com o movimento liderado por Eduardo Pimentel, o casal decidiu doar uma de suas três fazendas, a Brandina, para a futura FEAC. Uma das condições era que a primeira diretoria da nova organização tivesse a participação de diretores da Fundação Odila e Lafayette Álvaro.

E assim aconteceu. A primeira diretoria da FEAC foi presidida por Edmundo Barreto, muito ligado a Lafayette. Eduardo Pimentel e Darcy Paz de Pádua foram os primeiros vice-presidentes. No biênio 1965-1967, Pimentel foi presidente da Diretoria Executiva, e Paz de Pádua, vice. Entre 1968 e 1972 foi a vez de Darcy Paz de Pádua ser o presidente. Nesta época, Pimentel regressou a São Paulo, onde depois passaria dirigir a Fundação Rotarianos, outra instituição de importante contribuição para a ação social no Brasil. A FEAC já era uma ideia consolidada. Milhares de funcionários de diversas empresas locais chegaram a doar o equivalente a horas de trabalho para o fundo da FEAC, que recebia um número cada vez maior de entidades filiadas, até chegar a mais de 100 no início do século 21.

Dr.Darcy ao lado da fotografia histórica sobre a cerimônia simbólica de doação da Fazenda Brandina para a FEAC (Foto Martinho Caires)

Dr.Darcy ao lado da fotografia histórica sobre a cerimônia simbólica de doação da Fazenda Brandina para a FEAC (Foto Martinho Caires)

O Dr.Darcy estaria, de fato, presente em grandes momentos da história da FEAC. Foi o caso de reunião das primeiras entidades filiadas, em janeiro de 1966. Na ocasião, a representante de uma creche pediu um empréstimo do fundo da FEAC para cobrir o teto da entidade, que estava ameaçando desabar. Diante do apelo, outra participante da reunião, Elisa Bittencourt, representante da Associação Beneficente Campineira (ABC), ligada à Igreja Metodista, afirmou que seria favorável não a um empréstimo, mas à doação total do recurso necessário para a obra na creche. E acrescentou:

– Se a FEAC não tiver recursos suficientes, retire um pouco de cada uma de nossas obras.

A reação de Darcy Paz de Pádua foi rápida. Ele disse:

– Neste momento nasceu a FEAC!

Ele se referia, claro, ao espírito de união, de ecumenismo, que desde o inicio presidiu a história da FEAC.

Pela organização, o Dr.Darcy representou o Brasil na 15a Conferência Internacional da Unesco sobre Serviço Voluntário, que aconteceria logo depois, entre 20 e 27 de fevereiro de 1966, na cidade de Rosário, Argentina. A FEAC estava estruturando o Centro de Treinamento de Voluntários (Cetrevo) e foi a primeira organização brasileira a se filiar ao Serviço de Voluntariado Internacional da Unesco.

Por essas ligações, a FEAC sediou um Seminário Internacional de Voluntariado, junto com a Unesco, em julho de 1969. Foi na Fazenda Brandina, que se tornaria o palco de várias ações sociais de destaque na cidade. Muitas delas por iniciativa e liderança de um dos grandes amigos do Dr.Darcy, o padre Haroldo Rahm.

O Dr.Darcy também coordenou a primeira ação social efetiva da FEAC, a campanha de erradicação da mendicância, que mobilizou toda a cidade. Foram várias iniciativas, pela melhoria das condições de vida das pessoas em situação de rua que estavam naquela condição.

Outra participação importante do Dr.Darcy foi na coordenação de um projeto financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), no início da década de 1990. Foi o Programa Socioeducativo para Jovens em Situação de Risco, ou Projeto BID, como ficou conhecido. Várias entidades sociais filiadas se integraram ao projeto, que resultou em mudanças importantes na imensa maioria dos jovens atendidos.

Dr.Darcy na sede da Fazenda Brandina, local de ações sociais relevantes para Campinas (Foto Martinho Caires)

Dr.Darcy no início de 2020, na sede da Fazenda Brandina, local de ações sociais relevantes para Campinas (Foto Martinho Caires)

Como membro ativo da diretoria ou do Conselho Curador da FEAC, o Dr.Darcy participou das decisões mais relevantes da história da instituição, como a instalação do Shopping Iguatemi, o primeiro do interior do Brasil, no início da década de 1980. Foi um grande passo para a sustentabilidade financeira da FEAC, com importantes novos recursos para a ação social. E a gestão responsável do patrimônio representado pela Fazenda Brandina tende a resultar em muitos novos recursos para as ações sociais na cidade.

G0stava muito de história, que respeitava. Doou o seu magnífico acervo sobre a Revolução de 1932 para a Unicamp.

O Dr.Darcy era muito bem humorado. Sempre com uma “sacada” rápida, de acordo com a ocasião. E apaixonado pela querida Lucinha, falecida há alguns anos. Agora estão juntos na eternidade. Ele faria 100 anos no dia 16 de outubro. Mas parece que sua vida durou séculos, tanto fez.

Nos encontramos pela última vez no início de 2020, no casarão da Fazenda Brandina, pouco antes de começar o pesadelo da pandemia. Fui como o fotógrafo  Martinho Caires e o Dr.Darcy não se importou em ser “modelo” por um  dia. Ele gostava muito daquele lugar, assim como amava a Graminha onde vivia com a família e buscava estar com o físico em forma. Lá eu presenciei um encontro histórico dele com o Dr.Eduardo Pimentel. Era evidente o respeito mútuo, de duas pessoas que foram determinantes para um grande exemplo de humanismo e solidariedade. E a banana assada servida pela Dona Lucinha era deliciosa!

Durante a pandemia nos falamos por telefone, considerando um novo livro que sairá em breve. Ele sempre atento e atencioso. Com uma grande visão de futuro. Sua presença física fará muita falta para a “família FEAC”, mas suas ideias, seu jeito de ser, são duradouros. Ele gostava de dizer que o importante são as obras, não as palavras vazias. O Dr.Darcy deixa um legado imenso de obras e para as obras, como gostava de se referir às organizações que colocam a mão na massa, fazem a mudança acontecer.

 

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