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Contra desmatamento, entidades e empresas apresentam proposta de rastreabilidade da carne
Organizações entregaram proposta no MAPA, em Brasília (Foto Divulgação)

Contra desmatamento, entidades e empresas apresentam proposta de rastreabilidade da carne

Entidades e empresas entregaram ao MAPA proposta para uma política de regulamentação da pecuária bovina; cabe ao governo analisar sua implementação

Universal, obrigatória e socioambiental: esses são os três pilares da política de rastreabilidade do rebanho que pode mudar por completo a condição em que a carne brasileira chegará a diferentes mercados, dentro e fora do país. A Proposta de Política Nacional de Rastreabilidade Individual Obrigatória foi na tarde de ontem, 19 de  março, ao Ministério de Agricultura e Pecuária (MAPA) por associações de produtores, exportadores e organizações da sociedade civil.

“Ela amplia o olhar sobre os desafios da pecuária brasileira para além da adequação comercial frente às restrições antidesmatamento que a União Europeia promete assumir a partir de janeiro de 2025”, afirma Marina Guyot, gerente de Políticas Públicas do Imaflora, uma das organizações participantes. “O posicionamento do bloco europeu transportou a questão para o campo geopolítico, impondo a necessidade de um diálogo entre estados. Primeiro, porque os mecanismos de controle estão nas mãos do governo (como o Cadastro Ambiental Rural e as Guias de Trânsito Animal) e, segundo, porque será preciso equalizar o custo das mudanças entre todos os envolvidos”, analisa.

EMISSÕES PELA CARNE BOVINA

Em outubro de 2023, um estudo do Observatório do Clima, no âmbito do SEEG, o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa, revelou que o recorte da carne bovina estimou que essa cadeia tem uma emissão de 1,4 bilhão de toneladas brutas. “Se fosse um país, o bife brasileiro seria o sétimo maior emissor do planeta, à frente do Japão. O desmatamento responde por 70,6% das emissões da carne, seguido pelas emissões diretas do rebanho (29,2%). Os setores de energia e resíduos têm participação praticamente desprezível: 0,2% do total”, destacou o Observatório do Clima.

Basicamente, a atividade no Brasil, maior exportador de carne bovina do mundo, divide-se em três etapas – cria, recria e engorda. No topo da pirâmide, próximas aos frigoríficos, estão as fazendas integradas, que fazem tudo, e as fazendas de engorda e confinamento. Já a base é constituída por produtores, muitas vezes menores, dedicados principalmente às duas primeiras fases do processo, que envolvem a reprodução e a criação dos bezerros até a idade adulta, quando inicia a fase de engorda.

Tornar o rastreio efetivo significa identificar cada animal já nas fazendas de origem, de modo a registrar seu percurso desde o nascimento. Só assim é possível certificar que, em nenhuma fase, ele esteve em propriedades resultantes de desmatamento ilegal e atende a outros critérios socioambientais. Esse é o pilar da universalidade, que garante a cobertura integral em todas as etapas produtivas. A proposta traz ainda a obrigatoriedade de adesão (de maneira que não haja vazamentos) e o monitoramento socioambiental – para que não se limite à sanidade do rebanho.

Universal, obrigatória e socioambiental: esses são os três pilares da política de rastreabilidade do rebanho apresentada na reunião de 19 de março de 2024 em Brasília (Foto Divulgação)

Universal, obrigatória e socioambiental: esses são os três pilares da política de rastreabilidade do rebanho apresentada na reunião de 19 de março de 2024 em Brasília (Foto Divulgação)

A prática colocará o Brasil em outro patamar de controle da produção, mas vai demandar incentivos financeiros e técnicos, de acordo com as várias realidades dos produtores. “A existência de não conformidade é uma realidade no setor e pede regras de transição consistentes para que a cadeia não seja quebrada”, observa Marina. “Existem propriedades ilegais, resultantes da ocupação criminosa de terras públicas, mas há também um universo de propriedades legítimas que precisam de adequações em diferentes níveis. Para alguns, basta assessoria técnica e acesso a insumos, como brincos de identificação. Outros têm que reparar danos ambientais, o que pode implicar perdas de grandes áreas produtivas, exigindo novas técnicas de manejo para manter a produtividade.”

Não se trata, porém, de uma conta exclusiva do estado brasileiro, já que 30% da produção nacional de bovinos são exportados e, entre os 70% destinados ao mercado interno, boa parte é comercializada por grupos de presença mundial. Ou seja, a criação de fundos multinacionais e multissetoriais pode ser um caminho para fazer dessa uma transição viável. O documento entregue ao MAPA também considera tal dimensão.

Representantes das diversas organizações que construíram a proposta ao longo  de 2023 (Foto Divulgação)

Representantes das diversas organizações que construíram a proposta ao longo de 2023 (Foto Divulgação)

Construída ao longo de 2023, a proposição é resultado de um amplo alinhamento setorial, liderado pela Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável, com apoio da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e participação de diversas entidades envolvidas na agenda da rastreabilidade, como: Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), Associação das Certificadoras por Auditoria e Rastreabilidade (ABCAR), Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, Boi na Linha – IMAFLORA, Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), Confederação Nacional de Agricultura (CNA), Grupo de Trabalho de Fornecedores Indiretos (GTFI), Proforest, Tropical Forest Alliance (TFA), bem como as organizações membros de cada entidade.

Sobre o Imaflora
Criado em 1995, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola é uma organização brasileira, sem fins lucrativos, que se dedica a promover o uso sustentável e inclusivo dos recursos naturais. Desenvolve soluções que conciliam conservação ambiental e desenvolvimento econômico, ao mesmo tempo em que oferece serviços para o mercado, atendendo a atores das cadeias florestais, agropecuária, da sociobiodiversidade e da agenda climática. Realiza trabalho em campo, assistência técnica e certificação socioambiental, além de pesquisa e desenvolvimento de estudos com base em dados públicos. É um agente de articulação que preza pela atuação em rede, viabilizando parcerias para fomentar soluções coletivas, que já beneficiaram mais de 62 mil pessoas em 8,1 milhões de hectares de florestas e unidades produtivas, a exemplo das iniciativas Florestas de Valor, Boi na Linha, Soja na Linha, Origens Brasil®, Carbon on Track, Timberflow, entre outros (www.imaflora.org).

Sobre ASN

Organização sediada em Campinas (SP) de notícias, interpretação e reflexão sobre temas contemporâneos, com foco na defesa dos direitos de cidadania e valorização da qualidade de vida.