Por José Pedro S.Martins, 4 de junho de 2025
O Dia Mundial do Meio Ambiente, lembrado a 5 de junho, é sempre uma oportunidade importante para apresentar boas práticas socioambientais e de saudar nomes que fazem muito pela causa. Em 2025, entretanto, a data tem um gosto amargo. A poucos meses da COP-30, a COP da Amazônia, o Brasil tem muito a se lamentar pelo que ocorre nas altas esferas do poder. Aproveitando um momento de fragilidade do governo federal e de uma conjuntura em geral desfavorável em termos culturais e políticos, no país e no mundo, setores poderosos têm avançado em desmontar a estrutura de proteção socioambiental brasileira, em termos legais e administrativos.
Há poucos dias o Senado aprovou o Projeto de Lei nº 2.159/2021, que dispõe sobre licenciamento ambiental. O substitutivo aprovado, como já comentado nesta coluna, representa um dos maiores retrocessos na história da legislação ambiental desse país. Um verdadeiro desastre, porque abriu as portas para vários empreendimentos que podem ser nefastos para o meio ambiente.
Eu tive a oportunidade de conviver em Piracicaba na década de 1980 com o maior jurista ambiental brasileiro, Paulo Affonso Leme Machado, um dos meus mentores. Ele estava preparando a primeira edição do seu “Direito Ambiental Brasileiro”, agora em trigésima primeira edição. Imagino o desgosto do jurista com os retrocessos que, esperemos, sejam derrubados pela Câmara, o que não deve ocorrer, ou sejam vetados pelo presidente Lula, a ver.
A ver, porque o governo federal passa por uma lamentável dicotomia. Enquanto o setor liderado pela ministra Marina Silva continua firme, na defesa dos postulados socioambientais básicos, por outro, o segmento afinado com grupos empresariais atrasados também prossegue firme, na sua tentativa, por exemplo, de garantir a exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
A pressão parece que tem dado certo e o Ibama aprovou, também há poucos dias, decisão que pode levar à pesquisa e posterior exploração do petróleo naquela área sensível. No próximo dia 17 de junho, haverá um leilão de 47 blocos naquela bacia sedimentar, promovido pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). A Federação Única dos Petroleiros (FUP) e outras organizações tentam impedir o leilão.
E o rolo compressor prossegue. Na última semana, o Senado aprovou um projeto que desmonta o atual modelo de demarcação de Terras Indígenas (TIs) e suspendeu a demarcação de duas TIs em Santa Catarina, “em ato inconstitucional inédito”, segundo o Observatório do Clima. “O Congresso não vai parar”, lamenta o Observatório, a mais importante rede de organizações da sociedade civil sobre as mudanças climáticas no Brasil.
Pois foi também no Senado uma das cenas mais lamentáveis dos últimos tempos em termos de misoginia socioambiental. Participando no dia 27 de maio de audiência na Comissão de Infraestrutura, a ministra Marina Silva, liderança internacional inconteste na área, foi atacada por dois senadores. A ministra se retirou da audiência e na saída do Senado criticou a aprovação do Projeto de Lei nº 2.159/2021.
Com todos esses fatos, aumenta a expectativa de como o Brasil será oficialmente representado na COP-30, em novembro, em Belém. Se vai manter uma postura digna de liderança na luta contra as mudanças climáticas e na proteção da biodiversidade, ou se continuará fazendo acenos aos combustíveis fósseis e ao negacionismo científico.
Um teste de como será a posição oficial do Brasil na COP-30 acontecerá por ocasião da 3ª Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, que será realizada de 9 a 13 de junho, em Nice, França. O evento reunirá milhares de participantes do mundo todo para discutir temas cruciais como saúde dos oceanos, financiamento, proteção marinha e desenvolvimento sustentável. Coorganizada por Costa Rica e França, a conferência “acontece em um momento estratégico para a ação climática, com atenção crescente aos impactos das mudanças climáticas nos ecossistemas marinhos e nas comunidades costeiras”, alerta o Observatório do Clima.
Em 2024, uma decisão histórica do Tribunal Internacional do Direito do Mar (ITLOS) estabeleceu que os gases de efeito estufa — responsáveis pelas mudanças climáticas — devem ser considerados uma forma de poluição marinha. “Isso significa que todos os países signatários da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) têm a obrigação legal de agir para prevenir, reduzir e controlar esse tipo de poluição, com o objetivo de proteger os oceanos”, destaca o Observatório do Clima. “Paradoxalmente, no mesmo ano, houve uma expansão das infraestruturas de exploração de combustíveis fósseis em alto-mar, agravando ainda mais os riscos aos ecossistemas marinhos”, completa o Observatório.
De fato, a maioria dos novos projetos de extração e exploração de petróleo registrados em 2024 aconteceu no mar. Ao menos 8 bilhões de barris de óleo equivalente (bboe) de recursos foram anunciados em novas descobertas offshore no ano passado, quase 4 bboe de reservas foram sancionadas para desenvolvimento offshore e cerca de 6,5 bboe começaram a ser explorados com o início da operação de projetos offshore.
Das novas descobertas, 85%, em volume, estavam localizadas em dez campos offshore. Enfim, a exploração petrolífera no mar vem se acelerando, na contramão da demanda planetária justamente pelo contrário, enquanto os oceanos perdem rapidamente a capacidade de retenção de dióxido de carbono, contribuindo para incrementar ainda mais as mudanças climáticas.
Durante a Conferência em Nice, ocorrerá um encontro entre os presidentes do Brasil e França, Lula e Emmanuel Macron. Em reunião no ano passado, os dois líderes se comprometeram a lutar juntos pela proteção dos oceanos. Os dois reafirmaram a consciência da relevância dos oceanos como eixo estratégico para as políticas climáticas e da biodiversidade. Mas o que Lula dirá dos esforços de um setor do governo em explorar petróleo na foz do Amazonas, a poucos meses da COP da Amazônia?
Enfim, o que resta é a mobilização planetária, como ocorreu no último domingo, com manifestações em várias cidades brasileiras contra a aprovação do Projeto de Lei nº 2.159/2021. Antes, no sábado, por ocasião da partida entre as seleções de futebol femininas do Brasil e Japão, um gesto realmente digno, que mostra o país que muitos querem ver. Pouco antes de começar o jogo que fez parte das celebrações oficiais pelos 130 anos de imigração japonesa no Brasil, a ministra Marina Silva foi calorosamente aplaudida pelos 30 mil presentes. Ainda dá para acreditar, mas é preciso lutar, e muito.
(Publicado originalmente no Hora Campina, coluna Hora da Sustentabilidade.)