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Falta de diagnóstico e de tratamento dificulta a vida de pessoas Asperger
Ana Parreira: autodiagnóstico e conquistas (Fotos Adriano Rosa)

Falta de diagnóstico e de tratamento dificulta a vida de pessoas Asperger

Por Adriana Menezes

A criação do “Abril Azul”, período que concentra atividades diversas de divulgação e discussão sobre o autismo, pode ajudar a sociedade leiga a saber mais sobre o distúrbio neurológico, mas na opinião de Ana Parreira, psicóloga que tem o diagnóstico de Asperger (condição psicológica do espectro do autismo considerada mais leve), ainda falta ouvir o autista, deixar que ele fale. “Os estudiosos observam o autismo e não o autista; falam de nós, mas não conosco”, critica.

Autora de cinco livros – o último, um romance lançado em 2014, “Tango para os lobos” -, Ana fará palestra esta semana em São Paulo, no “Congresso Internacional de Autismo na Vida Adulta: Ciência, Sociedade e Realidade” (autismonavidaadulta.com.br), que acontece em São Paulo de 16 a 18 de abril, no Centro Fecomércio de Eventos. Em Campinas, a prefeitura recebeu iluminação azul neste mês de abril, e desde o dia 1º realiza uma série de eventos, que vão desde caminhadas até congressos. De 23 a 25 de abril acontece o 1º Congresso Internacional sobre Transtorno do espectro Autista (TEA), no Colégio São José e no Careca Sport Club.

Ana Parreira é autora de cinco livros: "Falta ouvir os autistas"

Ana Parreira é autora de cinco livros: “Falta ouvir os autistas”

Observadores

“Acho ótimo que promovam os eventos, mas isso não basta”, diz Ana, que só descobriu sua condição de Asperger na vida adulta, quando já era mãe e profissional. Em linhas gerais, o Asperger demora menos que o autista para começar a falar, é mais verbal e comunicativo e também mais receptivo à influência do meio.

O diagnóstico não é simples. Como psicóloga, Ana se auto diagnosticou quando assistia a um filme com o objetivo de confirmar a síndrome de Asperger no seu filho. “Eu comecei a ver que eu tinha o mesmo quadro. Na verdade, comecei a ver que desde a minha infância eu era muito mais observadora que participativa. Minha mãe tomava como desobediência e me dava castigo, mas já era a síndrome. Eu gostava de dormir embaixo da cama, eu sentia que era meu lugar. Era década de 1950, minha mãe me dava muita bronca por isso. Depois eu identifiquei muitos traços no meu pai também.”

 

Para Ana, fugir do isolamento é grande desafio para autistas

Para Ana, fugir do isolamento é grande desafio para autistas

Dificuldades e habilidades

Segundo Ana, o Brasil tem um atraso de cerca de 50 anos em relação ao tratamento e diagnóstico em países desenvolvidos. “Tenho três amigas médicas com o mesmo diagnóstico, mas elas não contam, porque as pessoas não vão entender, causaria muita celeuma.” Ela acredita que por razões como estas a síndrome precisa ser mais conhecida. “Eu gostaria que os Aspergers e os Autistas pudessem falar mais nos eventos. Eu também gostaria que nós nos encontrássemos mais vezes. Estamos isolados; é nisso que está nossa fragilidade”, protesta a psicóloga, que também defende o envolvimento da família. “’É a família, principalmente, que deve aprender sobre a síndrome.” De acordo com pesquisas, um em cada 100 Aspergers é facilmente diagnosticado, os demais precisam ser muito observados para que se identifique.

Os primeiros sinais no seu filho, com menos de 20 anos, levaram Ana a estudar mais sobre o assunto. Mais tarde ela se auto diagnosticou e teve a confirmação da síndrome por dois médicos. Hoje ela faz diagnósticos, dá palestras e escreve. “Passei por muitos médicos com meu filho. Foi desastroso. Mas ele precisava ser tratado e eu não podia ignorar. Cada pessoa Asperger tem suas próprias dificuldades ou habilidades. No Brasil, não há nenhum tratamento ou atendimento para Asperger”, diz Ana, que em suas pesquisas e leituras concluiu que há muitas pessoas ilustres que se enquadram no perfil da síndrome.

Famosos

Para Ana, o escritor Albert Camus e o personagem que protagoniza o seu mais famoso romance, O Estrangeiro (1942), o estranho Meursault, seriam ambos Arpergers. “Há muitos Aspergers que não têm emprego, mas têm muito talento e capacidade. Muitos fazem faculdade, trabalham, estão na sociedade, mas não são entendidos.”

Ana teve uma longa amizade com a escritora Hilda Hilst, a quem costumava visitar na famosa Casa do Sol. “Ela era muito culta e obcecada por livros”, diz Ana, que também é leitora voraz, foi casada duas vezes e teve três filhos. Trabalhou em uma multinacional como secretária de gerência, onde disse que se adaptou muito bem porque “obedecia ordens de gente que não exigia nada errado”.

Nascida em Bariri, Ana adotou Campinas para viver com seus filhos e dois cachorros. “Eu não tenho orgulho de ser Asperger, mas também não lamento. É uma condição e pronto”, afirma a psicóloga, que diz ter mais dez livros escritos para publicar. “Eu gostaria que as pessoas mentissem menos e dissimulassem menos, porque é muito confuso para nós. Não sabemos o quanto é o demais e o de menos”, tenta explicar. A psicóloga e escritora vende seus livros por e-mail (villa.aspie@gmail.com).

A escritora e psicóloga adotou Campinas para viver

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