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Cinema de Arte em Campinas, do diálogo com o mundo à falta de uma sala na metrópole
Abertura da exposição “65 anos de cinema de arte em Campinas" atraiu muitos cinéfilos ao CCLA (Fotos José Pedro Martins)

Cinema de Arte em Campinas, do diálogo com o mundo à falta de uma sala na metrópole

Por José Pedro Martins

Em 28 de janeiro de 1957, um incêndio devastou cerca de um terço do acervo da Cinemateca Brasileira, além de documentos e inventário. Entre os filmes destruídos, “João da Matta”, de Amilar Alves, produzido em Campinas em 1923. Houve parcial recuperação da obra histórica, posteriormente, mas a memória do filme não se perdeu, pois em 1950 ele havia sido exibido por iniciativa do engenheiro Marino Ziggiatti. O fato foi lembrado na última quarta-feira, 15 de julho, na abertura da exposição “65 anos de cinema de arte em Campinas”, no Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA). Participantes do evento lamentaram que, em contraste com o momento em que a cidade dialogava em alto nível com o movimento cineclubista nacional, em 2015 a Campinas metropolitana não conta com uma única sala adequada de cinema de arte, após o fechamento sucessivo das salas que existiam nos Centros Culturais Vitória e Evolução, Cinema Paradiso e, recentemente, Cine Topázio.

Paulo Emilio Salles Gomes abre curso no CCLA em 1961

Paulo Emilio Salles Gomes abre curso no CCLA em 1961

A exposição “65 anos de cinema de arte em Campinas” tem a curadoria do jornalista João Antônio Buhrer de Almeida, que destacou a importância de Marino Ziggiatti na inserção da cidade na discussão sobre cinema de arte em esfera nacional, como reflexo do que estava acontecendo principalmente em Paris. Em 1936, tinha sido criada a Cinemateca Francesa, por iniciativa de Henri Langlois, que naquele momento já se preocupava com o destino como plataforma artística do cinema, criado poucas décadas antes. A Cinemateca Francesa foi então fundada, justamente como espaço de preservação da memória e do cinema como campo de experiências estéticas.

O mesmo Langlois, lembrou Almeida, teve no brasileiro Paulo Emilio Salles Gomes um permanente interlocutor. Foi provavelmente sob a inspiração de Langlois que Salles Gomes e outros jovens intelectuais, como Décio de Almeida Prado e Antônio Cândido de Mello e Souza, se mobilizaram pela criação em 1940 do Clube de Cinema de São Paulo, embrião da Cinemateca Brasileira.

João Antônio Buhrer de Almeida, curador da exposição no CCLA

João Antônio Buhrer de Almeida, curador da exposição no CCLA

Pois foi na capital paulista que Marino Ziggiatti fez contato com Salles Gomes e outros, quando estudava engenharia no Mackenzie. Nascido em 1926, o campineiro Ziggiatti frequentava os cursos de cinema oferecidos no MASP, conhecidos por formar gerações de cinéfilos com visão crítica e ansiosos pela produção nacional e internacional.

Após formar-se em 1945, ano final da Segunda Guerra Mundial, Marino volta a Campinas e em 1950 promove, com o jornalista Bráulio Mendes Nogueira, a exibição de “João da Matta”, o histórico filme produzido na cidade em 1923. O seu pai, José Ziggiatti, havia sido um dos produtores de “João da Matta”, e as latas do filme estavam um pouco esquecidas sob as escadas da casa da família.

Cartaz de ciclo promovido em 1965, celebrando dez anos do cine de arte em Campinas

Cartaz de ciclo promovido em 1965, celebrando dez anos do cine de arte em Campinas

Em 1952, Ziggiatti foi um dos fundadores do Departamento de Cinema do CCLA, que teve sua criação oficializada em 1955. Desde então, o Departamento promoveu a exibição de mais de 400 filmes considerados de arte, tendo sido também o promotor, entre 1974 e 1983, um dos mais importantes festivais de Super-8 do Brasil. O Departamento de Cinema também promoveu vários cursos de cinema, tendo o próprio Paulo Emilio Salles Gomes e Rudá de Andrade, entre outros, como professores. Uma foto histórica na exposição mostra a abertura de um desses cursos, a 6 de agosto de 1961.

“Por meio do CCLA, e sobretudo pela atuação de Marino, mas também de outros membros do Centro, Campinas dialogava com o que estava acontecendo de mais avançado em termos de discussão sobre cinema de arte”, lembrou João Antônio Buhrer de Almeida, na cerimônia de 15 de julho, que infelizmente não contou com a participação do próprio Ziggiatti, que não pôde estar presente.

A exposição no CCLA conta com muitas preciosidades, como as páginas com as listas de filmes exibidos pelo Departamento de Cinema e pelo cineclube informal que funcionava na Sociedades Reunidas, que reunia os engenheiros, médicos e advogados de Campinas nas décadas de 1950 e 60. Também há correspondências entre Ziggiatti e personalidades do cenário cinematográfico nacional, como Paulo Emilio e Rudá de Andrade.

Muitos cinéfilos inveterados e estudiosos do cinema participaram do evento. Caso do historiador Orestes Toledo, responsável pela ativa programação de cinema no Museu da Imagem e do Som (MIS) de Campinas. Toledo reconheceu que seu interesse pelo cinema foi despertado quando, muito jovem, acompanhava as exibições feitas pelo Departamento de Cinema do CCLA. “Quando assisti No limiar da vida, de Bergmann, o impacto foi especial”, lembrou.

Toledo foi um dos que lamentaram a inexistência de uma sala de cinema de arte apropriada em Campinas. Mas ele se mantém otimista. “Campinas nunca teve tantas condições para contar com uma sala pública de cinema de arte”, entende o historiador.

Folha com a programação original de 1951 a 53: só obras-primas

Folha com a programação original de 1951 a 53: só obras-primas

O MIS-Campinas vem cumprindo um papel importante, na exibição de filmes de arte, enquanto a cidade não conta com uma sala de cinema de fato estruturada com esse propósito. São três cineclubes que operam no MIS, instalado no Palácio dos Azulejos, na região central. São o “Catavento”, o “Inverte” e o “Purpurina”, especializado na temática LGBT. São cineclubes independentes e com o modelo de autogestão.

Enquanto a sala tão esperada não vem, o cidadão pode rever, com a exposição “65 anos de cinema de arte em Campinas”, no CCLA, momentos em que a cidade respirava uma atmosfera absolutamente favorável à discussão qualificada sobre cinema. Um clima que pode ser revivido com mais intensidade, em tempos em que as novas tecnologias de informação e comunicação facilitam a difusão e o intercâmbio de ideias. (Por José Pedro Martins)

Homenagem a Marino Ziggiatti no auditório do CCLA, que leva o seu nome

Homenagem a Marino Ziggiatti no auditório do CCLA, que leva o seu nome

 

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