A palavra “água” não aparece nenhuma vez no texto do Acordo de Paris, resultante da Conferência do Clima (COP-21) realizada na capital francesa entre 30 de novembro e 13 de dezembro. Isto, apesar das mudanças climáticas afetaram diretamente o ciclo dos recursos hídricos em todo planeta. São bilhões de pessoas que convivem cotidianamente com uma crise hídrica ou de saneamento, que pode se agravar com o recrudescimento do aquecimento global.
O sinal da importância que os governos dão para o abastecimento de água é o fato de que a segurança hídrica é a principal preocupação do conjunto de países em termos de suas ações de adaptação às mudanças climáticas. Esta é uma das conclusões do relatório divulgado pela Secretaria da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, um mês antes do início da COP-21.
O documento inquietante indicava – ou admitia – que as metas e ações apontadas pelos países que participarão da Conferência do Clima (COP-21) em Paris no final do ano não serão suficientes para evitar que a temperatura média global atinja no máximo 2 graus centígrados até 2100.
O relatório fez uma síntese dos documentos referentes às chamadas Contribuições Pretendida Nacionalmente Determinadas (INDCs), na prática o que 147 países pretendem fazer para a redução de suas emissões atmosféricas nas próximas décadas. Esses 147 países representam 75% dos países que aderiram à Convenção das Mudanças Climáticas e a 86% das emissões globais de gases-estufa em 2010. Portanto, trata-se de um universo mais do que representativo do que o conjunto da comunidade internacional pretende fazer para cortar as suas emissões.
Entre esse conjunto de países, 89 apontaram a segurança hídrica como área prioritária em suas ações de adaptação às mudanças climáticas. Em segundo lugar no ranking ficou a agricultura, citada por 82 países como área prioritária. Em terceiro, a área da saúde, apontada por 67 países. E em quarto, a proteção dos ecossistemas, indicada por 64 países.
O documento assinalava que, entre as medidas de adaptação às mudanças climáticas apontadas pelos países, relacionadas à garantia do abastecimento de água, estão a dessalinização da água do mar, a construção de barragens para armazenamento de água e lagos artificiais, edificação de reservatório para a água derivada do derretimento de geleiras e, de forma mais ampla, a estruturação de uma sociedade baseada na economia da água.
Outros países citaram ações como perfuração de poços para obtenção de água subterrânea, instalações para coleta de água da chuva ou a substituição de retirada de água de aquíferos pela captação em fontes superficiais. Cada país, naturalmente, indicou ações conforme a sua realidade geográfica, de solos, de disponibilidade hídrica e provável impacto das mudanças climáticas.
O certo é que a preocupação com o futuro do abastecimento de água só tem aumentado, em função do impacto das mudanças climáticas, o que torna incompreensível que o documento do Acordo de Paris não tenha citado a questão. A seca de quase cinco anos no Nordeste e a crise da água no Sudeste do Brasil, entre 2014 e 2015, é um exemplo da gravidade da situação. O derretimento de geleiras em montanhas da Ásia, fonte do abastecimento de milhões de pessoas, é outro. A Unesco calcula em mais de 2 bilhões o número de pessoas com problemas graves de falta de água ou saneamento em geral. (Por José Pedro Martins)