POR DANIELA PRANDI
Questionado por um padre sobre a “feiura” dos seus quadros, Van Gogh diz que sua pintura é um dom dado por Deus, mas que sua arte está no momento errado da história e acredita que, no futuro, será entendida e apreciada. Nesses nossos tempos, nunca precisamos tanto de Van Gogh para iluminar nossas mentes. Seus trabalhos são celebrados, valorizados e atrações principais nos mais importantes museus do mundo, enquanto sua trajetória é contada – e será – em muitos filmes, documentários e livros. Van Gogh acreditava que, por meio de sua arte, viveria para sempre; e hoje está tão vivo quanto a luz que ilumina seus (supervalorizados) girassóis.
Nesta temporada, o pintor holandês que morreu, em 1890, aos 37 anos, em circunstâncias até bem pouco tempo obscuras, está de volta aos cinemas, e no Oscar: o filme “Van Gogh – No portal da eternidade”, com Willem Dafoe no papel do atormentado pintor e que rendeu uma indicação na categoria melhor ator (com poucas chances de ganhar), é difícil de assistir, assim como devem ter sido os últimos anos de sua vida. O diretor Julian Schnabel, que começou sua carreira como artista plástico e estreou nos cinemas com a biografia do Basquiat, aposta em uma enervante câmera em movimento, com uns pontos desfocados aqui e ali, que faz a gente ter vontade de sair do cinema (é sério!). Mas há a luz. Sempre a luz, que resplandece as cores da natureza e faz a gente ficar quietinho na sala escura. E os ventos, os sons da natureza, as paisagens e o céu que nos protege, vão nos encantando.
O diálogo entre Van Gogh e o padre (Mads Mikkelsen, em participação curta, porém marcante) é um entre tantos momentos do filme que ficam depois da angustiada sessão. O filme não se chama “O Portal da Eternidade” por acaso. Também não é por acaso que, em uma das cenas, Van Gogh está lendo Shakespeare. A dona da taberna, Madame Ginoux (Emmanuelle Seigner), imortalizada em sua pintura, pergunta quem é o autor e o sobre o que escreve: “Homens e mulheres. Deus e reis. Amor e ódio”. Há o episódio da orelha cortada, a passagem por um manicômio, onde usou camisa de força, e ainda a relação entre Van Gogh e Paul Gauguin (Oscar Isaac), em diálogos igualmente marcantes, que dão a deixa para que se entenda seu processo criativo. As pinceladas são rápidas, intensas, em cores vibrantes, de maneira febril, como se o tempo estivesse por acabar. E, para quem for ver o filme, espere os créditos finais: há um belo desfecho onde Gauguin, enfim, reconhece tardiamente o talento de Van Gogh, que ele criticava justamente por sua obsessão pela rapidez e pelas pinceladas grosseiras.
Albert Aurier, o primeiro crítico a reconhecer a excelência de Van Gogh, em um texto publicado em janeiro de 1890, seis meses antes da morte do artista, também é lembrado: “Uma estranha natureza, ao mesmo tempo verdadeiramente verdadeira e quase sobrenatural, uma natureza excessiva em que tudo, seres e coisas, sombras e luzes, formas e cores, se subleva, se levanta numa vontade raivosa de gritar sua própria e essencial canção, no timbre mais intenso, mais ferozmente agudo… é a matéria, a natureza inteira retorcida de maneira frenética, elevada ao paroxismo, erguida aos ápices da exacerbação; é a forma se tornando o pesadelo, a cor se tornando labaredas, lavas e pedras preciosas, a luz se fazendo incêndio, a vida febre ardente…”, escreveu.
E há a questão em torno de sua morte. Na temporada passada, a impressionante animação “Loving Vincent” (disponível no Netflix) já havia mostrado a versão de que Van Gogh não cometeu suicídio e sim foi baleado por um jovem morador de Auvers-sur-Oise, onde passou seus últimos dias. Julian Schnabel segue na mesma teoria, provavelmente verdadeira, mas a morte aqui não é o centro, e sim o desejo de viver eternamente. Vale destacar que foi somente em 2011, com uma biografia escrita por Steven Naifeh e Gregory White Smith, que a hipótese de que Van Gogh teria sido morto por um tiro dado por um adolescente de 16 anos, René Secrétan, que andava vestido de caubói costumava atormentá-lo, ganhou força.
“Não acusem ninguém. Eu queria me matar”, teria dito Van Gogh em seu leito de morte.
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