POR JOSÉ PEDRO SOARES MARTINS
Uma das primeiras medidas do presidente Jair Bolsonaro (PSL), cumprindo promessa de campanha, foi a extinção do Ministério da Cultura, transformado em secretaria do Ministério da Cidadania. A maior parte da classe artística e da sociedade civil naturalmente foi contra a medida, um retrocesso histórico para a cultura brasileira.
Bolsonaro tomou a medida apesar dos reclamos de vários segmentos sociais, que se posicionaram durante a campanha eleitoral de 2018 contra a extinção do Ministério da Cultura. Foi o caso do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, que divulgou no dia 3 de dezembro do ano passado um manifesto contra a extinção do Minc.
Os secretários e dirigentes estaduais de cultura afirmavam no manifesto que aquele era “mais um momento que exige mobilização em torno das políticas culturais desenvolvidas em todas as esferas da federação – União, Estados e Municípios – e de instituições públicas e privadas, que promovem o acesso aos bens e serviços culturais, o fomento às artes, a preservação do patrimônio cultural e a promoção da diversidade cultural brasileira. A cultura é um direito fundamental e constitucional e é essencial a manutenção de estrutura adequada para a existência permanente e perene de órgãos próprios que possam gerir e executar políticas públicas”.
Nos últimos anos, lembravam os dirigentes, “mesmo com o esvaziamento político e a drástica redução orçamentária, a permanência do MinC foi uma demarcação institucional do campo das artes e da cultura no país. Mais do que uma conquista setorial dos artistas, produtores, gestores e fazedores de artes e culturas foi uma conquista da sociedade e do povo brasileiro”.
Os dirigentes observavam que, no Brasil, o setor cultural gera 2,7% do PIB e mais de um milhão de empregos diretos, englobando as mais de 200 mil empresas e instituições públicas e privadas. “São números superiores a muitos outros setores tradicionais da economia nacional. E a tendência é de contínuo crescimento. Lembrando ainda que a Lei Rouanet, hoje tão injusta e equivocadamente atacada, representa apenas 0,3% do total de renúncia fiscal da União e incentiva milhares de projetos em todo o país que geram renda e empregos”, acentuava o manifesto.
“Portanto, defendemos a permanência e integridade do MinC na estrutura governamental, como um órgão próprio e exclusivo para a gestão e a execução das políticas culturais, em parceria com os estados e municípios e com a sociedade civil. Defendemos também a permanência, como órgãos próprios e valorizados, das Secretarias e Fundações estaduais e municipais, que conformam o Sistema Nacional de Cultura”, continuava o documento.
Os dirigentes reiteravam ser “fundamental valorizar e reconhecer a inestimável colaboração do Ministério da Cultura e de todas as suas entidades vinculadas para a Cultura e a Economia brasileiras. São elas: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan); Instituto Brasileiro de Museus (Ibram); Agência Nacional do Cinema (Ancine); Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB); Fundação Cultural Palmares (FCP); Fundação Nacional de Artes (Funarte) e Fundação Biblioteca Nacional (FBN)”.
É por todas essas razões que o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura “conclama a sociedade brasileira e, principalmente, o novo Governo Federal, a fazer uma profunda reflexão e reverter a decisão de extinção do órgão, mantendo a integridade do Ministério da Cultura”, concluía o manifesto.
Frente Parlamentar Evangélica – Mas Jair Bolsonaro não ouviu o pedido dos gestores da Cultura e preferiu atender à demanda da Frente Parlamentar Evangélica, que em outro manifesto, lançado durante a campanha eleitoral de 2018, defendeu a extinção do Minc, entre outras medidas que depois seriam atendidas pelo presidente eleito.
No “Manifesto à Nação”, a Frente defendia a criação do Ministério da Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia. Os ministérios da Cultura e Esportes foram de fato extintos, sendo incorporados como secretarias do Ministério da Cidadania e Ação Social, tendo como ministro Osmar Terra. O novo ministério incorporou os órgãos que eram ligados diretamente ao Ministério da Cultura, como a Agência Nacional do Cinema (Ancine) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
De acordo com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), a bancada evangélica é uma das mais fortes no novo Congresso Nacional (2019-2022). A bancada tem 85 parlamentares na Câmara dos Deputados, superando às bancadas feminina e ruralista (77 deputados cada), da segurança (61 deputados) e sindical (apenas 35 parlamentares). A bancada evangélica apenas perde numericamente para a bancada empresarial (193) e dos “parentes” (174 deputados). O DIAP considera a origem de cada deputado e chegou à conclusão de que se trata um Congresso ainda mais conservador do que o anterior.
O Ministério da Cultura foi criado no governo do presidente José Sarney no dia 15 de março de 1985, no contexto da redemocratização após a ditadura militar (1964-1984). O Minc já teve outras descontinuidades, sendo transformado em Secretaria da Cultura ligada à presidência da República em 1990, no governo de Fernando Collor de Mello.
O Minc voltou em 1992, no governo de Itamar Franco. Chegou a ser novamente extinto, no governo de Itamar Franco, mas após forte reação da sociedade foi reestruturado, ainda em maio de 2016. Agora volta a ser extinto.
(58º artigo da série DDHH Já, sobre os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos no cenário brasileiro. No 27º dia do mês de fevereiro 2019, o artigo corresponde ao Artigo 27: Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.)